Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Novidades da véspera

 

O analista de conjuntura William Sodré, que já foi um dos maiores leitores de jornal do país, portanto um dos campeões de acúmulo de papel velho, hoje é assinante, em Campinas, onde mora, só de três diários: O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e Valor. Sodré, que faz boletins sobre política, governo, economia e cultura há mais de trinta anos, usou só mídia impressa até a virada do século. Hoje, informa-se quase exclusivamente pela televisão e pela internet.

Ele é um dos organizadores do projeto Ruas em Movimento. Nesta entrevista ao Observatório da Imprensa, Sodré revela quais são hoje suas fontes principais de informação para a produção de boletins “com viés de esquerda”, como ele rotula.

Gilberto Gil, em disco homônimo de 1968, gravou canção com letra de Torquato Neto, Domingou, que diz assim: “O jornal de manhã chega cedo,/ Mas não traz o que eu quero saber./ As notícias que leio conheço,/ Já sabia antes mesmo de ler”. Zeca Pagodinho e Arlindo Cruz compuseram o partido alto Moro na Roça, que Clementina de Jesus e Mônica Salmaso também gravaram, com quatro décadas de distância: “Moro na roça, iaiá/ Eu nunca morei na cidade/ Compro o jornal da manhã/ Pra saber das novidades”. Hoje, o jornal da manhã não pode mais trazer novidades, só a qualificação e análise das novidades.

Eis um roteiro fornecido por William Sodré (ele tem página no Facebook) para quem quer captar o que de mais importante acontece no dia a dia da política e da economia do país.

Déjà vu

“Tudo que tem no jornal eu li na véspera. Sou notívago, durmo entre duas e três da manhã, fico vendo televisão e conectado à internet. Perco até a noção do momento em que recebi determinada informação. Compro revistas, mas dou só uma olhada. A concentração de notícias, hoje, está escandalosamente na internet.”

Preferências

“Existe um site muito bom da Reuters Brasil. Notícias do Estadão recebidas no tablet também são boas: parece um teletipo antigo. A página principal do Valor tem uma manchete e, à direita, rolagem de notícias semelhante à do Estadão. O G1 é muito útil no dia a dia. O Google Alerta permite que se leia material bloqueado dos grandes jornais, cujas agências os vendem para jornais de outras cidades brasileiras, onde o Google vai busca-lo. Vem junto muita coisa que não interessa, mas funciona.”

Blogues

“Os blogues têm a vantagem de ser páginas que não mudam durante o dia. O site do Instituto Humanitas Unisinos tem entrevistas com pensadores e analistas de esquerda. É de feição mais intelectualizada do que o blogue de Gilvan Cavalcanti de Melo, Democracia política e novo reformismo, ligado ao site Gramsci e o Brasil e ao PPS, em conflito com o PT. Ele coleta todas as colunas de política. O site Brasil de Fato tem entrevistas qualificadas de pessoas de esquerda.”

Colunistas

“Uso alguma coisa da página de Ricardo Noblat e também um pouco da Míriam Leitão, melhor aí do que na Globo News. Também vale ler a Casa das Caldeiras, onde escreve, entre outros, a jornalista Angela Bittencourt. A analista de economia Taís Herédia é muito bem-informada e faz comentários inteligentes. Ela também aparece na Globo News, assim como Gerson Camarotti e Cristiana Lôbo, que têm boas informações.”

Governismo

“A Agência Brasil dá as manchetes mais governistas. Serve para saber quais são os assuntos mais importantes para o PT. A Rede Brasil Atual também é governista. Bate nos tucanos. Tem José Arbex e Nilton Viana, mas é frágil em matéria de conteúdo. De vez em quando aparece uma entrevista boa, como as de Antonio Candido e José de Souza Martins. Valia a pena ler a página de José Dirceu, antes da prisão dele, para saber qual era a linha da tendência majoritária do PT.”

Rebelião de junho

“Vi os eventos de junho e julho na televisão. Gosto muito dos noticiários da Globo News. Na internet, a confusão era excessiva, com manifestações de defensores do governo versus apoiadores do movimento. A fotografia da jornalista [Giuliana Vallone] com o olho atingido por bala de borracha fez o movimento desembocar numa coisa grandiosa. Raio em céu azul. Nunca vi nada da Mídia Ninja. Em matéria de Mídia Ninja, a única apoiadora que acompanho é Ivana Bentes. Eduardo Sterzi, da USP Leste, tem uma página a favor do lado esquerdo das manifestações.”

MPL

“Tive vagas notícias do Movimento Passe Livre até junho de 2013. Eu acompanhei o debate sobre tarifa zero em 1992, no governo de Luíza Erundina. O MPL dava ideia de ser um artesanato político perdido na metrópole, sem base política nenhuma. O tema voltava vinte anos depois. Parecia coisa de militante igrejeiro isolado na periferia. Nunca apresentou um estudo qualificado sobre o sistema de ônibus. Durante a Copa das Confederações, o movimento buscou visibilidade, atraindo a atenção do que o PT chama de PIG [Partido da Imprensa Golpista].”

Outubro

“Depois de junho e julho houve um buraco atribuído às férias escolares. Em outubro, houve um revival. O MPL tinha feito um recuo organizado. O Bom Dia, São Paulo, da TV Globo, começou a acompanhar, possivelmente acreditando que a coisa toda se repetiria. O noticiário dos jornais foi pífio.”

Previsões

“O movimento se fortaleceu e deve voltar em 2014 com a força somada de junho-julho+outubro. Mas os órgãos de segurança certamente infiltraram gente. Ninguém mais está brincando. Ano de Copa do Mundo. Os governos parecem ter avaliado mal como as coisas bateram na cabeça da população. Existe ira. A classe média se sente tungada. Sem querer, pisaram no rabo do tigre. Quando os repórteres ouviam passageiros de ônibus, nos noticiários locais, todo mundo concordava com as manifestações. Apareceu muita coisa no Bom Dia, São Paulo. O processo todo permanece mal-analisado.”

******