Setores da imprensa e alguns subintelectuais, com ignorância alastrante, tentaram ver o “rolezinho” como manifestação da luta de classes. Os shoppings, chamados de “templos de consumo” por bocós dos clichês superlativos, seriam a expressão mais evidente e crua do “fetichismo da mercadoria”, uma estrovenga que “sedizentes” marxistas não conseguem definir sem engrolar incongruências e abstrações inanes. Deu errado. Boa parte dos shoppings está nas periferias e é frequentada por pobres. Quando a luta de classes falha, é o caso de convocar a guerra racial.
Mais uma vez, a PM é vista como algoz, e “jovens pobres, negros e da periferia”, como arautos de um novo tempo. Os deserdados da “modernização conservadora” teriam decidido invadir o espaço privado do capitalismo excludente: o shopping! Quanto besteirol, Santo Deus!
O “rolezinho”, na sua atual configuração, é uma criação da imprensa. Os “brancos da nossa classe” fazem “flash mobs”. Já os pobres negros, vistos com curiosidade antropológica, fazem “rolezinhos”, que são exaltados em nome da diversidade. O pobrismo racialista é a mais vistosa manifestação de vigarice intelectual do jornalismo e da academia. Esse olhar que supostamente defende os “excluídos” acaba por confiná-los num gueto conceitual, numa jaula de boa-consciência.
Jovens que aderem a eventos por intermédio do Facebook não são excluídos sociais, mas incluídos da cultura digital, que já é pós-shopping, pós-mercadoria física e pós-racial. O que mais se troca nas redes sociais são bens simbólicos, são valores, que definem tribos e grupos com pautas cada vez mais específicas.
Entre aspas
Está em curso, entre pobres e ricos, brancos e negros, uma espécie de fetichização, sim, mas é a da vontade. Cada um desses nichos de opinião considera que tem o direito de impor a sua pauta ou seus hábitos ao conjunto da sociedade –se necessário, pela força. Os que fazem “rolezinhos” não estão cobrando mais democracia, como quer a esquerda rosa-chique. Eles manifestam, na prática, é desprezo pela cultura democrática. E são bem-sucedidos. Fernando Haddad os chamou para uma reunião na prefeitura. A ministra Luiza Bairros lhes atribui uma agenda libertadora. Imposturas!
Não se percebia, originalmente, nenhuma motivação de classe ou de “raça” nessas manifestações. Agora, sim, grupos de esquerda, os tais “movimentos sociais” e os petistas estão tentando tomar as rédeas do que pretendem transformar em protesto de caráter político. Se há, hoje, espaços de fato públicos, são os shoppings. As praças de alimentação, por exemplo, são verdadeiras ágoras da boa e saudável democratização do consumo e dos serviços. Lá estão pobres, ricos, remediados, brancos, pretos, pardos, jovens, velhos, crianças… Lula, que é Apedeuta, mas não burro, jamais hostilizou essa conquista dos ex-excluídos. Só o cretinismo subintelectual cai nessa conversa.
Ocorre que o jornalismo e a academia são reféns morais das ideias mortas que oprimem o cérebro dos vivos. Continuam na expectativa da grande virada de mesa, uma ilusão redentora que só sobreviveu na América Latina. Se os participantes dos “rolezinhos” fossem rebeldes políticos, ainda que primitivos, o seu papel seria o de uma protovanguarda revolucionária à espera do Lênin dos shoppings.
Para encerrar, uma curiosidade: por que jornalistas se referem a frequentadores habituais de shoppings como “gente de bem”, assim, entre aspas, como se quisessem sugerir que eles, na verdade, são do mal? O que há de errado, coleguinhas, com aquela gente? Ela assina os jornais e revistas que fazemos, lê as coisas que escrevemos nos portais, sites e blogs e, na prática, paga os nossos salários. Quando menos, parem de cuspir no prato em que comem. Aquela gente de bem, sem aspas, é inocente.