Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Transição completada, identidade a construir

Dois fatos de natureza distintas – um burocrático e outro político – marcaram o final da transição da antiga estrutura de comunicação do governo federal para a nova Empresa Brasil de Comunicação (EBC). No dia 11/6, foi finalizada a incorporação oficial da Radiobrás, órgão responsável até então pela operação dos meios de comunicação do Executivo Federal em Brasília. No dia 17/6, deixaram a empresa os diretores geral e de rede e relacionamento, Orlando Senna e Mário Borgneth.


Do ponto de vista burocrático, a incorporação da Radiobrás pela EBC permitiu que a nova empresa ganhasse finalmente estrutura física e humana próprias para operar seus veículos. As outras emissoras que o governo federal mantinha (as TVEs do Rio de Janeiro e do Maranhão) e estações de rádio na capital fluminense passaram a operar as programações da EBC por meio de um contrato com o órgão que até então era responsável por sua gestão, a Associação Cultural e Educativa Roquette Pinto (Acerp).


Do ponto de vista político, as dificuldades oriundas das divergências entre o grupo ligado ao ministro da Secretaria de Comunicação Social do governo (Secom), Franklin Martins, e aquele oriundo do Ministério da Cultura aparentemente foram solucionadas com a saída dos dois diretores [ver aqui]. Se diminui a incidência das visões vinculadas à produção audiovisual independente, a consolidação da hegemonia do primeiro grupo tende a encaminhar suas posições de maneira mais ágil.


Na avaliação de Tereza Cruvinel, foram obtidos importantes avanços nestes primeiros seis meses. ‘Nós unificamos a programação que estamos renovando, concluímos doloroso processo de incorporação da Radiobrás, implantamos um jornalismo que tem tido penetração nos estados maior do que a esperada. Estamos definindo as mudanças tecnológicas e plano de digitalização, avançamos na construção da rede e estamos em um momento de renovação mais acelerada da programação’, enumera.


Para o presidente do Conselho Curador da EBC Luiz Gonzaga Beluzzo, o processo precisa ser olhado com tolerância pelos obstáculos que a máquina estatal coloca a uma experiência como esta. ‘A transição é muito complicada, porque juntou várias empresas heterogêneas, com funções diferentes. Vai demorar um ano para que a ela se complete’, comenta.


Já a pesquisadora da UnB e ex-presidente da Rede Minas Ângela Carrato considera um equívoco ter mantido a comunicação estatal, que estava sob responsabilidade da Radiobrás, no órgão nascente. ‘As culturas do público e do estatal são diferentes: uma tem por obrigação dar informações do governo federal e outra tem como missão ser espaço do público. Acho complicado que convivam na mesma casa’, argumenta.


Qual comunicação pública?


Se foi resolvido do ponto de vista administrativo, o desafio da transição do estatal ao público marca a busca agora da consolidação de uma identidade da nova empresa, em especial da TV Brasil. O presidente do Conselho Curador acredita que a fixação desta marca será gradual e passa pela garantia do caráter independente dos veículos da nova empresa. ‘Temos o desafio permanente de vigiar pela independência da EBC. É um processo longo de controle para ser exercido não só pelo governo, mas pela sociedade.’


Segundo Tereza Cruvinel, essa independência deve balizar um projeto de crescimento que coloque as mídias da empresa como uma opção real de oferta de informação e cultura para a população brasileira, evitando a aproximação dos modelos tradicionais dos meios comerciais. ‘Queremos fazer uma diferença nos consolidando como alternativa pela qualidade e natureza da programação. Não queremos ser um nicho para poucos, queremos audiência sim, mas sem fazer concessões na natureza da programação’, diz.


Para João Brant, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, o difícil desafio de crescer a ponto de se colocar como uma alternativa na mídia brasileira e, ao mesmo tempo, consolidar um caráter efetivamente público passa por estreitar sua relação com a população. ‘A precondição para se prestar um serviço público, como é o caso das emissoras da EBC, é o alcance do maior número de pessoas. Mas isso de nada adianta se sua operação não estiver de acordo com as demandas e interesses da sociedade. Para entendê-las, é preciso abrir muito mais os canais de participação’, propõe.


Alcance


Para competir efetivamente no sistema de comunicação brasileiro, um grande obstáculo será a presença na maioria do território brasileiro. Hoje a EBC possui emissoras de televisão em Brasília, Rio de Janeiro, Maranhão e uma em implantação, em São Paulo. As emissoras de rádio atuam nas duas primeiras cidades, além de parte do território da Amazônia. No caso da TV, a inserção da nova emissora depende do modelo de rede, pomo da discórdia que levou à saída do ex-diretor Mário Borgneth.


O desenho em negociação com as emissoras educativas estaduais prevê uma grade nacional de oito horas, sendo quatro viabilizadas com programas da TV Brasil e quatro com atrações das ‘praças’. No entanto, dentro da EBC, há quem duvide que com as quatro horas a TV Brasil se constitua como alternativa real em todo o território brasileiro. Uma opção considerada seria aproveitar o espaço no espectro possibilitado pela digitalização para obter um canal pelo menos em cada capital do país.


Recursos escassos


O plano esbarra em um segundo e poderoso obstáculo: a falta de recursos e estrutura. Para o ano de 2007, receita certa mesmo somente os 320 milhões de reais do Orçamento Geral da União. As verbas de patrocínio começam a chegar e as de apoio institucional ainda estão em negociação. As verbas do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) previstas na Lei de crição da EBC não foram recebidas porque estão sendo questionadas pela oposição no Supremo Tribunal Federal. As receitas com serviços devem alcançar 30 milhões de reais, incluindo publicidade legal, produção de programas para a TV Escola do Ministério da Educação, a emissora NBR e a produção do clipping mídia impressa para o governo, entre outros.


Dentro da EBC, avalia-se como principal desafio assegurar recursos para investimento em uma empresa que tem custeio elevado. Hoje, há 60 milhões de reais para investimentos, o que envolve compra de transmissores e a renovação de equipamentos de produção. Pelos cálculos internos, seria necessário três vezes este valor.


Na opinião de Ângela Carrato, o montante disponível para a EBC este ano é ‘nada’. ‘Está certo que é próximo ao que gasta a Bandeirantes, mas esta rede já está com a capacidade tecnológica e física toda instalada, enquanto a EBC está em implantação’, compara. Frente à inexistência de qualquer aumento significativo de verbas orçamento, sobram as verbas próprias e os recursos do Fistel como alternativas no curto prazo para ampliar o fluxo de caixa no próximo ano.

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Do Observatório do Direito à Comunicação