Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Desencontro no shopping

Se as passeatas da classe desprivilegiada aos shoppings têm, mesmo, a expressão política e social que a imprensa paulista lhes atribuiu por duas obsessivas semanas, uma dedução tentadora se insinua: os jovens da periferia e os trabalhadores sem-teto têm mais cultura política e mais civilidade do que os universitários da USP, por exemplo, e seus iguais da mocidade de classe média.

A comparação das condutas leva a evidências opostas. Tanto os rolezinhos e rolezões realizados como os impedidos, dos quais eram esperadas arruaças contraventoras e furtos abundantes, transcorreram nos melhores padrões de sociabilidade em aglomerações públicas. Os incidentes foram insignificantes em quantidade e em forma. Apesar da hostilidade das recepções, além de numerosas, armadas.

A obtusidade política implícita na suposição de que depredar uma reitoria é ato político, como há pouco na USP e já em várias outras universidades, é coerente com a adesão de estudantes ao black bloc, comprovada em diversas cidades. Esses ativistas não alcançam sequer a percepção do que é bem público, uma carência só compreensível nas classes desatendidas pelos bens públicos. Mas nas universidades as ações embrutecidas e obtusas são de poucos, é a minoria. Não, é a grande maioria. É a cumplicidade da maioria que permite práticas como a vista na USP e na Universidade de Brasília, entre outras.

A mudança da composição humana

Sim, é certo que os brutamontes das torcidas organizadas também são da classe desprivilegiada. Mas não têm a dimensão política que os diagnósticos predominantes na imprensa viram nos integrantes dos rolezinhos de jovens e nos rolezões dos trabalhadores sem-teto. A identificação de mentalidade e métodos da violência boçal das arquibancadas é com o black bloc e com os devastadores de reitorias e outras dependências universitárias. Cada grupo ao seu modo, todos estes são black bloc.

O medo dos frequentadores e comerciantes dos shoppings foi incutido pela visão de turba ameaçadora com que os rolezinhos foram tratados, nas primeiras semanas do assunto, pela quase totalidade de sua abordagem na imprensa. A visão majoritária mudou, nos últimos dias, em diferentes graus. Mas os rolezinhos também mudaram. Se não eram manifestações com propósito essencialmente político, ou se o tinham em pequena dose, é perceptível que ficam diferentes com a mudança de sua composição humana: o significado que a imprensa lhes deu, naquelas duas semanas, atrai para os convocados rolezinhos vários movimentos e ativistas costumeiros dos protestos políticos ou sociais.

O que será das duas modificações, ou novo desencontro, já é outro capítulo.

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Janio de Freitas é colunista da Folha de S.Paulo