Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A rota da seda das drogas

A Rota da Seda foi um fenômeno histórico e geográfico de interação cultural e comercial, iniciado pelos chineses da dinastia Han no século segundo da era comum. Era uma rede de caminhos naturais, passagem abertas por povos nômades da Ásia Central, rios navegáveis usados para transporte, estradas sem continuidade territorial e rotas marítimas que ligavam o Oriente ao Ocidente. A viagem de Vasco da Gama à Índia trouxe a decadência dos caminhos desta rota para o mundo ocidental. A história completa pode ser lida nolivro editado por Vadime Elisseeff The Silk Roads: Highways of Culture and Commerce (Berghahn-Unesco, 2000).

Mas esta não é foi única rota da seda da história da humanidade: em 2011 foi criada na web a “Silk Road Drugs”, a “Rota da seda drogas”, que também servia ao comércio, mas não ao tradicional e conhecido meio de trocas mercantis de bens e serviços. A nova rota tratava de vender outro tipo “sedas” valiosas e de difícil acesso: drogas ilegais proibidas e substâncias farmacológicas legais do mercado que só podem ser vendidas com receita médica. Em outras palavras, remédios controlados que são usados como drogas recreativas. Além de armas, joias e bens de origem desconhecida. O diário australiano Sydney Morning Herald (12/06/2011) foi uma das primeiras publicações a avisar o público sobre a existência desta megaloja virtual de drogas, armas e contrabando.

Em 2012, a Forbes (06/08) informou que o shopping underground de drogas e outros produtos perigosos – que possuía moeda própria criptografada e incapaz de ser tracejada (o bitcoin), faturava 22 milhões de dólares por ano com suas vendas. A maior parte dos lucros vinha da venda de drogas. O periódico de Sydney informou sobre os perigos da continuidade da existência desta moeda: seu uso poderia ser desviado para compra de armas e pornografia infantil. Eu acrescentaria lavagem de dinheiro e financiamento do crime organizado e terrorismo (de estado ou organizações de militantes extremistas). O professor de segurança na web Nicolas Christin, da Universidade Carnegie Mellon, conseguiu invadir (“crackear”) o site, e fez a pesquisa que resultou na publicação dos cálculos dos lucros das vendas do shopping virtual publicados pela revista americana.

Uma acusação temerária

No dia cinco de maio de 2013, o site da RTV6, a repetidora da rede ABC de TV no estado de Indianapolis publicou uma matéria com alguns erros técnicos, mas que continha uma informação valiosa: um jovem de 14 anos da cidade de Fishers conseguiu comprar, através da “Silk Road Drugs” (por duas vezes) uma quantidade razoável de ecstasy, – que é um “parente” da anfetamina, potencializado e muito mais forte que aquela contida em muitos remédios para emagrecimento. A mãe do rapaz percebeu sua ansiedade durante a espera da entrega pelo correio. Esperou sua chegada, recebeu o ‘produto’ em nome do filho (que veio escondido dentro de uma embalagem de DVD) e depois chamou a polícia. Que tipo de mãe entrega um filho adolescente envolvido com drogas à polícia, sem a mediação de algum órgão de apoio e assistência aos menores?

A droga conhecida como ecstasy foi inicialmente produzida através da síntese da Hidrastinina, uma substância extraída do caule subterrâneo da Hydratis Canadensis, segundo o Nuovo Dizionario di Merceologia e Chimica Applicata, Volume 4(G. Vittorio Villavecchia, Hoepli Editore, 1973, pg. 1752-1753). Já foi usado em psiquiatria até 1984 por produzir extremo bem estar. Até que seus efeitos colaterais mortais apareceram nas raves e jovens começaram a morrer por superaquecimento, desidratação ou ataques cardíacos.

O dr. Dráuzio Varela acredita que ecstasy e metanfetamina são a mesma coisa. Não é bem assim. Ele também acha que usuário e traficante são a mesma coisa: todo viciado é traficante e vice-versa. Desculpe, doutor, mas isso não é aceitável. É uma acusação temerária que eu não esperava de um homem tão bem informado. Em entrevista concedida pelo médico Táki Cordas (sem data), este afirmou ao dr. Varela que a maior parte do ecstasy produzido atualmente no Brasil contém anfetamina em sua fórmula, associada a outras substâncias letais.

FBI fechou o site do “mercadão”

As anfetaminas foram proibidas no Brasil pela Anvisa em 2011, informou o Portal Brasil (04/10). Mas em 2013 foram liberadas pelo Conselho Nacional de Justiça, publicou a revista Exame (20/11). Será que o augusto Conselho não sabe que as anfetaminas são a base principal na produção de ecstasy no país? E que mesmo remédios proibidos à venda sem receita acabam sendo vendidos sem elas? Por que estas drogas legais tão perigosas para certos grupos de risco (como os hipertensos não-diagnosticados ou pessoas com deficiências na saúde não descobertas) não são proibidas definitivamente? Por que estas drogas sempre voltam ao mercado?

Existem formas menos letais para quem quer ou precisa emagrecer. O canal pago da National Geographic, o NatGeo, no dia 23/01 mostrou aos espectadores que as anfetaminas são mais usadas que a síntese da hidrastinina para a produção de um similar ao ecstasy porque seu método de produção é muito mais barato. E mortal em proporção inversa ao seu preço para o consumidor desta droga maligna. O produto final é ainda mais danoso que o verdadeiro ecstasy produzido em laboratório farmacêutico. A droga também é produzida no México e vendida nos Estados Unidos como ecstasy. A população brasileira é uma das maiores consumidores de anfetaminas do mundo. É um caso sério de saúde pública que vem sendo negligenciado por governo e imprensa igualmente.

O deputado Décio Lima (PT-SC) declarou na época que iria sugerir ao presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) que “leve o debate sobre a liberação das anfetaminas ao plenário”, já que houve “dúvidas sobre a constitucionalidade do projeto”, avisou a revista Exame. O ecstasy não é uma anfetamina, mas um composto aparentado a ela (3,4-metilenodioximetanfetamina) que pode ser letal, e estava ao alcance de adolescentes como o de Indianápolis através da “Silk Road Drugs”. O FBI fechou o site do “mercadão” de todas as drogas no final de setembro de 2013, informou a página do fornecedor virtual de drogas, que tentou apontar um sucessor (o Black Market Reloaded) e anunciou seu fechamento “por razões de segurança” em dezembro do ano passado (03/12/2013). Dias depois, o site surgiu de novo (12/12), anunciando um suspeito upgrade da segurança.

Anonimato na web

Na realidade, nada mudou: há o mesmo link para uma rede virtual privada (VPN) que já existia quando o site foi fechado. Através desta, o interessado deverá, segundo as instruções da página, acessar a página do Tor, baixar o programa e comprar “anônimo” a droga que quiser. Esqueceram de avisar que até o momento da compra do acesso a rede virtual privada o incauto e possível candidato à cadeia estará visível para todas as autoridades na web. Sempre há um ponto de entrada na anonimidade que denuncia quem a procura. Seja lá quem esteja no comando do site, não é o “Dread Pirate Roberts” – apelido do responsável pelo site banido que comerciava drogas, armas e outros bens e serviços proibidos.

Por que recomendar um programa que promete anonimidade, mas não garante de fato a mesma? Essa nova versão de acesso ao mercado negro das drogas mais parece uma armadilha para tolos ou ingênuos. O Tor foi desenvolvido com o apoio da Marinha Americana. Recebeu ajuda dela até 2012. Como confiar em um software desenvolvido por militares, profissionais ligados as agências americanas de espionagem? Seja lá quem for que esteja lá agora no site, não são os piratas do tráfico virtual. Quem poderia ser então?

A nova “rota da seda” das drogas, de acordo com a Forbes (20/12/2013) foi desmantelada pelo FBI. A Corte do Distrito Sul de Nova Iorque acusou três membros da organização: Andrew Michael Jones, Peter Phillip Nash e Gary Davis por participação em “conspiração para tráfico de drogas”. E avisou que Ross Ulbricht (suspeito administrador da Rota da Seda das drogas) “poderia passar o Natal na cadeia, no Brooklyn”. Ele nega ser o “Dread Pirate Roberts”, o homem que comandava o infame site até o FBI acabar com a farra. Ele acabou atrás das grades e aguarda julgamento. E o site suspeito ainda está na web. Será que falta alguma informação essencial aqui? O site de convite ao acesso ao supermercado das drogas ainda está no ar. Eu não quis pagar para ver. Literalmente. Não vou pagar com cartão de crédito um programa que promete tornar-me “anônimo” na web porque não existe anonimidade na web. Também não vou seguir instruções de um site suspeito que já levou gente para a cadeia.

Moedas digitais

A revista Techcrunch (07/01) informou que outro do grupo, Gary Davis, foi solto sob fiança na Irlanda, seu país de origem. O FBI foi atrás do homem na antiga terra dos celtas mas pouco conseguiu, além de pedir sua custódia para interrogatório naquele país. Os irlandeses negaram. Enquanto isso, Ross Ulbricht, na cadeia no Brooklyn, ensinava ioga aos presos, publicou o site inglês “The Register“ (03/01). Ele declarou-se inocente, mas disposto a negociar, segundo a Forbes. Afinal, ele foi pego em flagrante com 173 mil bitcoins. O equivalente em moeda nacional a 380.482,74 reais, de acordo com o conversor de moedas em tempo real “Currency Web Rate”, um domínio suspeito e sem nome que só pode ser acessado por seu endereço numérico (IP) na web ou pesquisa no Google: 198.71.59.3 (ele faz conversões em tempo real). O rapaz alega que os bitcoins são moeda virtual e como tal não estão sujeitas à apreensão. E que o governo deveria devolver o valor a ele. Que tem interesse na criptomoeda “apenas como proprietário”, informou a Forbes (25/12/2013).

A família do rapaz organizou um fundo para sua defesa em juízo, já que fiança lhe foi negada pelo Juiz da Corte Nova Iorque – Sul. Há uma página do Facebook postada por seus defensores. E um site na web, que aceita doações em ‘bitcoin’s e outras moedas para pagar seus advogados. O caso é realmente único: se ele não é o “Dread Pirate Roberts” e tudo não passa de um engano, por que insistir na posse desta moeda, que já foi usada para compra e venda de drogas, armas e contrabando? Investimento pessoal? O site especializado em moeda virtual “CoinDesk“ (18/01) esclareceu a questão: a moeda é legal, mas depende do que seu dono faz com ela. Ela é tão legítima quanto às outras moedas virtuais.

A preocupação das autoridades é com o potencial para uso anônimo e descentralizado da moeda. Que poderia levar à lavagem de dinheiro e outros usos ilícitos. O “CoinDesk” explicou:

“No início de abril de 2012, o FBI publicou um documento assinalando seu temor sobre o bitcoin especificamente, traçando uma distinção entre as moedas digitais centralizadas como a eGold e WebMoney. Demonstrou preocupação porque enquanto trocas realizadas nos Estados Unidos são reguladas, serviços em outros países podem não ser, e podem tornar-se um ‘céu’ para criminosos usarem bitcoins para atividades ilícitas sem serem detectados.”

Sem parcialidades e conveniências

O site também apresentou as inquietações do órgão regulador de Títulos e Câmbio dos Estados Unidos (SEC – US Securities and Exchange Commission):

“A Comissão de Títulos e Câmbio não publicou sólidas regulações sobre moedas virtuais, mas seu Escritório para Educação do Investidor e Advocacia emitiu um alerta para informar pessoas sobre esquemas fraudulentos de investimento envolvendo o bitcoin.” Em particular, ele alertou sobre os esquemas “Ponzi”, depois de acusar o residente do Texas Trendon T. Shavers (conhecido como “Pirateat40”, Pirata aos 40), fundador e operador de uma pequena agência de poupança e crédito que prometeu aos investidores juros de 7% por semana. O homem levantou 700 mil bicoins com sua promessa de lucros atraente e fraudulenta.

Caso complicado, o de Ross Ulbricht, com várias ramificações e desdobramentos imprevisíveis: apanhado com moeda virtual ligada ao tráfico de drogas e ao crime, o rapaz pode ter sido vítima de alguma armadilha. Todas as evidências legais apontam para ele. Por outro lado, quem nunca viu gente inocente apanhada por provas falsas ou circunstanciais ser condenada em primeira instância? Até que seja provada sua culpa, ninguém pode afirmar a culpa do sujeito.

Ross Ulbricht é apenas um suspeito. Muito suspeito. Um caso excelente para o jornalismo investigativo. Eu gostaria de ver a imprensa brasileira independente envolvida no caso. Queria ouvir sua história de modo mais próximo, contada a um repórter sem intermediações sujeitas a parcialidades e conveniências de qualquer tipo. Mas eu sonho. Quem quiser entrar em contato com Ulbricht vai ter que usar o endereço do jovem na cadeia do Brooklyn que foi postado por seus defensores no Facebook:

“Ross William Ulbricht
#18870-111
MDC Brooklyn
Metropolitan Detention Center
P.O. BOX 329002
Brooklyn, NY 11232”.

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Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor