Na sala de controle da sede da ESPN, uma série de monitores mostra os sinais de vídeo sendo transmitidos para os provedores de cada um de seus canais de televisão a cabo. Mas grande parte do futuro da empresa está do outro lado da sala, onde equipamentos semelhantes acompanham as transmissões para a internet.
Num sábado recente, os técnicos da rede estavam ocupados com a transmissão simultânea de dezenas de jogos, alguns passando ao mesmo tempo na televisão, outros indo direto para a web. Damon Phillips, responsável pelo serviço, usava um tablet para monitorar quantas pessoas assistiam aos jogos online.
“Estou obcecado com isso”, diz, apontando para o número de usuários ativos, que ele começa a checar ainda de madrugada, às 5h30, enquanto pedala sua bicicleta ergométrica. “Fico de olho nele o dia todo.”
Chamado WatchESPN, o aplicativo é parte de uma aposta ambiciosa da ESPN em serviços online, em resposta ao amadurecimento do mercado de TV paga nos Estados Unidos. A ESPN foi pioneira da televisão esportiva neste mercado e por 30 anos teve um aumento constante nas assinaturas de cabo e satélite no país. Esse crescimento se estabilizou e agora parece estar declinando. Hoje, a ESPN lidera as iniciativas do setor de TV para expandir a transmissão via internet.
A empresa, responsável por cerca de 40% do lucro operacional de sua controladora, a Walt Disney Co., vê o WatchESPN como uma maneira de capitalizar a crescente demanda por vídeo online. Mas como seus canais de TV ainda são lucrativos, a ESPN caminha numa corda bamba, tentando evitar qualquer passo que incentive clientes a abandonar suas assinaturas de TV paga.
Outros canais enfrentam o mesmo desafio. A estratégia da ESPN é permitir que só os assinantes de TV tenham acesso ao streaming de jogos na internet.
Oportunidade de crescer
A rede de esportes desenvolveu um modelo de negócio complexo. Embora o aplicativo seja acessível via internet, os provedores de TV paga, como empresas de TV a cabo, pagam à ESPN pelo direito de oferecer o app a seus clientes. A publicidade presente no aplicativo é ainda uma segunda fonte de receita para a ESPN.
A estratégia de desenvolver serviços online e ao mesmo tempo proteger os de TV paga é resultado de anos de experimentação e debate dentro da ESPN, e do setor em geral, sobre como lidar com a saturação do segmento de TV por assinatura e com a sede do público por vídeos online. A HBO, da Time Warner Inc., já informou, por exemplo, que considera oferecer uma versão do seu aplicativo HBO Go para internautas mediante uma taxa de inscrição, dependendo de como o mercado de TV paga evoluir, embora continue, por enquanto, limitando o acesso a assinantes do seu canal.
A maioria das grandes redes de TV, incluindo a ESPN, afirma que o risco de canibalizar seus negócios de TV por assinatura é grande demais para que possam oferecer serviços on-line independentes. Não está claro se elas poderiam cobrar o suficiente para tornar esses serviços tão rentáveis quanto os acordos com provedores de TV por assinatura. Embora esteja crescendo, a receita de publicidade móvel ainda não é suficiente para substituir as verbas da propaganda na TV.
Por outro lado, os provedores de conteúdo estão sofrendo uma queda nas assinaturas de TV paga. A ESPN perdeu cerca de 1,5 milhão de assinantes nos EUA entre setembro de 2011 e setembro de 2013, segundo dados da Nielsen fornecidos pela empresa. A ESPN, porém, afirma que a redução não afetou sua audiência de forma substancial.
John Skipper, diretor-superintendente da ESPN, chama as perdas de “marginais”, dado que a rede de esportes chega a 98,4 milhões de lares americanos. Ainda assim, ele não descarta a ameaça. “A pressão sobre o sistema apresenta perigos para a ESPN”, disse Skipper em uma entrevista ao The Wall Street Journal. “Mas a ESPN está bem posicionada, desde que o sistema não quebre.” Ele disse ainda que o WatchESPN torna as assinaturas de TV paga mais valiosas.
Outro fator a considerar é que, embora o setor de TV paga já esteja maduro nos EUA, ele ainda está crescendo em outros lugares, como a América Latina. Segundo uma análise de 2013 da Dataxis, firma de pesquisa do setor de telecomunicações, haverá um total de 98,3 milhões de assinantes de TV paga nos sete maiores mercados da região em 2018. Isso equivale a uma presença em 68,1% dos lares com TV, ou quase 3,6 vezes mais que em 2008. No Brasil, o número de assinantes de TV paga mais do que quintuplicou nos últimos dez anos, para aproximadamente 17 milhões até junho de 2013, segundo dados da Anatel citados no site da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura.
De fato, Skipper citou a expansão da ESPN na América Latina como uma das oportunidades que a rede ainda tem de crescer no setor de TV. A ESPN afirma ter hoje cerca de 44 milhões de assinantes na região, sendo 8,7 milhões no Brasil. Destes, 1,5 milhão assinam também os serviços de internet no país. A ESPN, que tem os direitos no Brasil de transmissão por TV dos jogos da Copa do Mundo, mas não os direitos digitais, afirma que tanto a expansão da classe média quanto a do setor de TV paga devem impulsionar seu crescimento no país.
Os lucros da TV paga
De volta aos serviços online, vários obstáculos estão no caminho da ESPN. Ligas esportivas tradicionais, que atualmente já recebem altas somas pelo direito de transmissão de TV, veem uma oportunidade nos próximos dez anos de vender seus direitos digitais ou oferecer por conta própria serviços de transmissão online dos jogos. Para a ESPN, adquirir direitos de streaming é complicado e amplia os custos.
A estratégia de limitar o acesso online aos assinantes, adotada também pela maioria das outras redes de TV, tem seus riscos. Além de excluir clientes que deixaram a TV cabo, ela exclui os que nunca foram assinantes: fãs de esportes, na maioria jovens, que nunca assinaram antes serviços de TV a cabo ou via satélite. E se os provedores repassarem para assinantes de TV a cabo as taxas que pagarem à ESPN, mais clientes poderiam cancelar o serviço.
Skipper, que tem 58 anos e assumiu o comando da ESPN em 2012, disse que a empresa planeja fazer vários experimentos online, mas que sua prioridade é proteger os lucros gerados pela TV paga: “Nosso plano neste exato momento é que vamos seguir assim. Vamos seguir assim pelo tempo que fizer sentido” (colaboraram Claudia Sandoval e Luis Garcia).
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Shalini Ramachandran, Amol Sharma e Matthew Futterman, do Wall Street Journal, em Bristol (Connecticut)