As TVs comerciais vão se afastando de seus públicos tradicionais, ao mesmo tempo em que os novos públicos vão abandonando as TVs. Grandes eventos, grandes shows, grandes filmes e bons documentários – que deram lugar à mesmice de baixo nível – são ainda a melhor alternativa na transição tecnológica e comportamental. Bons produtos “vendem” com uma boa promoção.
As TVs despendem energia, tentando atrair o público conectado do mundo virtual com armas da internet (“tudo ao mesmo tempo agora”), em vez de focar e valorizar os diferenciais inigualáveis do veículo televisão: espaço de emoção coletiva, de entretenimento grupal, de celebração do espetáculo da vida. A televisão é a terceira geração do teatro e do cinema: é veículo quente de riso e de lágrimas, sonhos e esperança. A internet, híbrido digital de telefone e computador, é plataforma fria, espaço individual para troca de informação, conhecimento, serviços e, agora, mobilização.
Cuidado com a armadilha tentadora dos produtos multimídia. Produtos multimídia são em geral medianos: mais ou menos ruins em todas as plataformas. A convergência das mídias não implica a pasteurização dos produtos: cada mídia tem a sua linguagem e o seu tempo. O sucesso criativo das TVs levou à vaidade de seus integrantes e a vaidade deu lugar à competição destrutiva, interna e externa. A exaustiva exploração de celebridades-minuto acabou por gerar mais inveja, despeito e intriga do que admiração e respeito. No momento em que as TVs vão perdendo poder de influência e prestígio, a vaidade deixa de ser moeda de valorização profissional para ser um peso indesejado. Televisão é obra de equipe, espaço de criação colaborativa, da cocriação. E de trabalho duro. O “empobrecimento” do setor reduzirá a atração dos melhores talentos gerenciais e artísticos.
A competição errática levou as emissoras a estruturas de custo insustentáveis e a tabelas de preços incompatíveis com a capacidade de investimento do mercado e com o retorno projetado. O dilema das TVs não é apenas o da criatividade e da inovação, mas da produtividade e da competitividade estratégica.
À espera da banda passar
Não há estratégia clara de programação. Todas as emissoras querem fazer tudo igual e, no final, todas as programações se parecem, com rara exceção. Os frequentes fracassos da concorrência são festejados como confirmação da supremacia decadente. Mesmo os intervalos comerciais, aqueles em que as emissoras podem se diferenciar e promover a própria marca e seus programas, estão hoje tão iguais que o telespectador não distingue em que canal está sintonizado. Ao esconderem suas marcas e “despersonalizar” o intervalo, é como se as emissoras dissessem a seus anunciantes: “não confiem nos nossos intervalos, nós mesmos temos o pudor de esconder nossas marcas”.
A arrogância do poder excessivo e descontrolado fez as emissoras comerciais se esquecerem de que são concessões públicas, a serviço do entretenimento, da informação, da educação, da cultura e da cidadania. Canais de TV aberta “vendem” espaços da programação para terceiros não concessionários. Canas de TV por assinatura fugiram da proposta inicial e, hoje, atuam como TVs comerciais, interrompendo programas para anúncios e promoções sem fim.
TVs públicas buscam audiência quantitativa – a mesma audiência das TVs comerciais – quando o diferencial delas deve ser o da audiência de qualidade, com foco na educação, na cultura e na promoção da cidadania diversa, inclusiva e transformadora. É o desafio de fazer o que os outros – por interesse mercadológico – não fazem. As emissoras, mesmo com mais investimento, abandonaram o jornalismo relevante, falseando-o com o jornalismo “popular” de denúncias e de violência, criando, através desse falso “garantidor” de audiência, um mundo de falsas dicotomias e mágicas manipulações, que nivelam por baixo as expectativas de confiança, esperança e transformação. E deixam em situação desconfortável – e até de risco – os telejornalistas e o patrimônio físico e moral das emissoras.
As emissoras deixam na mesa o valor dos mercados regionais, em especial o das grandes regiões metropolitanas e das novas fronteiras de desenvolvimento. Preferem ser compradas pelo mercado nacional, valendo-se de descontos irreais para tabelas irreais e provendo bonificações que “fidelizam” grandes anunciantes.
As emissoras erraram a estratégia de escolha do sistema de TV digital, mirando mais na concorrência com as teles do que na exploração do potencial tecnológico a serviço do telespectador, e erram, de novo, na estratégia de implementação, “sentando” na tecnologia à espera da banda passar.
******
Eduardo Simbalista é jornalista