Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Velhos e bons conselhos

Lago Burnett (1929-1995) elaborou o primeiro manual de redação do Jornal do Brasil, em 1964, quando a sala dos copidesques, a que tinha janelas para a Avenida Rio Branco, no andar da redação (terceiro ou quarto?), reunia indivíduos altamente talentosos, formados nas melhores escolas de tratamento da língua portuguesa do Brasil.

Em alguma publicação posterior, que a cópia usada aqui não permite identificar, Lago Burnett escreveu dez tópicos e um comentário cuja reprodução pretende ilustrar e reforçar a tese de que não se faz mídia jornalística de qualidade sem o máximo cuidado com a linguagem.

Aqui vai esta página recuperada de obscuro papelório.

“1) Estar sempre equipado, se possível em qualquer situação, com papel e caneta para registrar ocorrências, impressões, achados, lembranças etc.

2) Estar atento para recusar, conforme adverte João Cabral de Melo Neto, tudo aquilo que surge com muita espontaneidade, porque:

a) ou não é de nossa autoria, mas aderência que se incorporou ao nosso subconsciente por identificação plena;

b) ou é uma vulgaridade.

3) Evitar metáforas. E se não houver meio de evitá-las, que sejam apenas sugeridas, sem minúcias, com graça e elegância.

4) Deixar os adjetivos para os lisonjeadores.

5) A fórmula gerundial e os advérbios em mente enfraquecem o texto.

6) Excesso de plural é tão megalomaníaco quanto o superlativo. A hipérbole é ingênua.

7) Rever – com serenidade e, se possível, com bom humor – as posições assumidas em torno de pessoas e temas.

8) Sempre que não prejudique o sentido da frase, evitar os artigos indefinidos.

9) Não procurar evitar a repetição, a não ser quando ela denota pobreza ou até indigência expressional. O importante é procurar a clareza.

10) Recusar tudo que for vulgar, principalmente as expressões efêmeras da moda, a pornografia e seus disfarces mais frequentes – o falso erotismo e o chulo.

E ter como lema, sempre que as circunstâncias permitam, esta recomendação do filósofo Jurgen Habermas: ‘A essência da ética surge com a primeira pessoa do plural.’

Melhor exemplo disso nos dá Walter Benjamin, talvez o mais importante entre os luminares da Escola de Frankfurt, conforme anotou Katia Muricy, a propósito do seu Diário de Moscou: ‘(…) as exigências do filósofo e a elegância do ensaísta baniram o pronome pessoal de seus escritos.’

O próprio Walter Benjamin entendia que se distinguia dos alemães de sua geração – ainda segundo a comentarista – ‘justamente pelo respeito à única e pequena regra de só utilizar o eu em cartas (…).’ Lago Burnett.”

Em relação ao emprego da primeira pessoa, os tempos mudaram. Uma evidência contundente é o marketing de uma emissora como a GloboNews, em que a personalização observa um crescendo e alcança ultimamente patamares paroxísticos. Jornalistas não apenas figuram como protagonistas de publicidade da emissora, mas fazem agora caras e bocas, como se fossem outra coisa (atores, que ninguém nos entenda mal).