No dia 12 de dezembro do ano passado a presidenta Dilma Rousseff e o presidente francês, François Hollande, assinaram acordo para a criação no Brasil de um sistema de computação em escala petaflópica com transferência de tecnologia. Caberá agora à Secretaria Executiva do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) a implementação desse projeto histórico e estratégico, que colocará o Brasil entre os países mais avançados do mundo na área de computação. Trata-se, simplesmente, de adquirir soberania na área de computação de alto desempenho.
Todas as grandes potências tecnológicas globais se valem de serviços de supercomputação próprios, com o domínio da tecnologia correspondente, pois se trata de recurso dinamizador de diversas atividades estratégicas, econômicas e sociais, sobretudo as intensivas em pesquisa e desenvolvimento. Nesse sentido, a supercomputação em escala petaflópica consiste em elemento central da competitividade da indústria e do setor de serviços, bem como da eficiência de determinadas atividades do Estado.
Para ter uma noção da potência da computação de alto desempenho imaginemos que toda a população mundial fizesse um cálculo por segundo durante 48 horas. Essa é a capacidade de um supercomputador de um petaflops, mas com uma diferença: ele faz essa mesma quantidade de operações – um quatrilhão – em apenas um segundo.
Pelo lado francês, a implementação do acordo caberá à empresa Bull, que é responsável pelo atendimento da maioria das encomendas e dos serviços de supercomputação requisitados pelo Estado francês e desde 2001 coopera estreitamente com a Comissão de Energia Atômica da França e com centros especializados europeus para o desenvolvimento de supercomputadores.
Aplicações para a competitividade
A cooperação brasileira com a França em ciência, tecnologia e inovação já contempla várias áreas, como a nuclear e a espacial, mas este acordo se reveste de especial importância ao permitir multiplicar, de modo transversal, as possibilidades de desenvolvimento tecnológico dos mais diversos setores públicos e privados. O projeto petaflópico será estruturante e, segundo as prioridades definidas pelo governo brasileiro, deverá beneficiar áreas como as de medicina, biologia, indústria farmacêutica, meio ambiente, astronomia, biotecnologia, nanotecnologia, agronegócio, biodiversidade, oceanografia e segurança pública.
Exemplos mais concretos nos ajudam a entender melhor a importância da supercomputação. No setor aeronáutico, ela pode ser usada para simular o comportamento aerodinâmico e testar os sistemas de navegação; no petrolífero, para prospectar e explorar novas jazidas; no farmacêutico, para descobrir moléculas ativas e desenvolver componentes sintéticos; no financeiro, para desenvolver sistemas seguros de processamento de dados; no ambiental, para simular mudanças climáticas e alertar em tempo real sobre a ocorrência de desastres naturais; no de segurança, para aprimorar os serviços de criptografia e evitar os ataques cibernéticos e a interceptação de telecomunicações.
Alguns segmentos da nossa economia já utilizam a supercomputação, principalmente o petrolífero. Acontece que até o momento não houve maior preocupação em dominar as tecnologias de base e em assegurar a soberania nacional sobre este que será um dos maiores ativos estratégicos das próximas décadas. No acordo com a França, a transferência e o domínio da tecnologia são o foco principal, garantindo a soberania tecnológica para a continuidade dos projetos de desenvolvimento. Para reforçar o amplo acesso a tecnologias básicas futuras todo o projeto petaflópico brasileiro está baseado em tecnologias abertas e em software livre, facilitando futuras cooperações científicas com outros países.
O acordo com a França permitirá ao Brasil contar com máquina petaflópica que se situará entre as mais potentes do mundo, atendendo à transformação gradativa do perfil produtivo brasileiro e capacitando o País a ocupar nova posição na divisão internacional do trabalho. O acordo prevê a instalação de dois centros de pesquisas e de planta industrial, bem como a realização de programas de formação e treinamento, na França e no Brasil, de, no início, pelo menos 60 engenheiros de alta qualificação. Além disso, graças à parceria com a França, o Brasil terá acesso às inovadoras pesquisas europeias no campo da computação de alto desempenho.
As aplicações da supercomputação são fundamentais para a competitividade brasileira, pois permitem grande redução de custos. Como esta tecnologia ainda não está muito difundida, esse fator não chama a atenção, mas, com os enormes investimentos realizados no mundo todo, em poucos anos os países que não dispuserem dos supercomputadores perderão mercados e oportunidades. Ademais, há o risco de os detentores dessa tecnologia restringirem cada vez mais a sua transferência, em razão de sua crescente importância estratégica e econômica.
Divisor de águas
No século 21 é impossível conceber uma estratégia nacional de desenvolvimento sem os serviços de supercomputação em escala petaflópica. Tais serviços correspondem ao meio mais rápido, ágil e seguro para que os recursos do Estado e da sociedade sejam geridos com mais eficiência e que as políticas públicas e o planejamento empresarial possam fiel e plenamente alcançar os seus objetivos.
Mais uma vez a cooperação com a França – forte usuária da supercomputação – poderá servir de referência para a modernização e o aumento da competitividade da economia brasileira, a partir do extraordinário incremento de nossa capacidade de cálculo, de processamento de dados e de redução de custos. A implementação do acordo será um divisor de águas, ao permitir que o Brasil se torne importante protagonista no desenvolvimento e na aplicação das novas e avançadas tecnologias. Vale lembrar que hoje apenas a França, os Estados Unidos, a China, o Japão e a Coreia do Sul dominam a tecnologia petaflópica…
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José Maurício Bustani é embaixador do Brasil na França