Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mais comunicação

Meu avô por parte de mãe, Antônio Ferreira de Melo Santiago, foi rádio amador. Seu prefixo era PY-7VA. O primeiro, segundo diziam, a cruzar a linha do Equador com transmissões do Ceará para o mundo. Também radiotelegrafista dos Correios, construiu sua estação de transmissão na ponta do canivete. Seu equipamento, com válvulas gigantes, do tamanho de uma garrafa térmica, ocupava um quarto de doze metros quadrados na casa em que residia em Fortaleza, na Rua Agapito dos santos, no bairro de Jacarecanga, até 1966, quando veio a falecer. Não o conheci pessoalmente. Mas, em 1970, quando eu mudei de residência do Rio de Janeiro para Fortaleza, com meus pais, ainda ouvi transmissões sendo feitas por minhas tias, Leda e Ivone, ambas rádio amadoras.

Se meu avô estivesse vivo, certamente teria se entusiasmado com a internet e as facilidades da comunicação. Redes sociais, com o Twitter, Youtube, Facebook e outras ferramentas iriam lhe encher os olhos tantas as facilidades para se fazer o que ele fazia naquele tempo, restrito ao áudio e com precárias tecnologias. Apesar disso, não é das ferramentas que quero falar. É do que elas transmitem, como e sobre o que informam, quais as opiniões, visões, abordagens expressam quando tratam das coisas do cotidiano, do jogo de futebol, do arrastão no comércio, da morte de artistas e celebridades, da sexualidade, das enchentes, das epidemias, dos protestos, dos costumes, das artes, da educação, da memória, dos direitos humanos e, sobretudo, da economia.

É impossível dissociar a estrutura e as engrenagens de comunicação vigentes num país daquilo que as mesmas produzem e transmitem à sociedade. De que modo essa estrutura de produção de informações influencia o olhar, o ouvir e o pensar daqueles aos quais se destinam as informações? Como age a máquina? Esclarece? Elucida? Clarifica? Turva? Impõe ou não opiniões, visões de mundo, atitudes, condutas e pontos de vista? De que modo a comunicação interfere nas escolhas que as pessoas fazem ao comprar, pensar, optar, querer, rejeitar e, por que não, votar?

Sou a favor de mais comunicação, mais ferramentas nas mãos de mais pessoas, governos, instituições sociais, públicas ou privadas, o que, de cara, contrasta com as atuais estruturas, concentradíssimas, em poucos grupos empresariais que, além disso, se multimidiatizaram. Grupos que, a um só tempo, são detentores de concessões públicas para exploração de emissoras de rádio, de TV, atuando também com editoras, canais pagos, empresas fonográficas, provedores de acesso à internet. Autênticas redes de espera de pescador na maré cheia, captando os fatos e os noticiando, com amplitude tal qual uma tarrafa gigante jogada num canto de açude. Impossível não pegar os peixes que ali se concentram. Isso é democrático? Não creio.

A concentração da mídia

Em 2013, quando fui abordado por um grupo de pesquisa e perguntado sobre a polêmica “controle social da mídia” x “mais comunicação”, permiti-me dar um exemplo. Quando a Globo News e a CBN abrem espaço para os jornalistas Miriam Leitão ou Ronaldo Sardenberg falarem de inflação e taxas de juros, deveria haver tempo igual, antes ou depois, para que outra opinião fosse levada aos telespectadores e ouvintes. No mínimo isso. Cinco minutos com Miriam Leitão e depois mais cinco minutos com Tânia Bacelar, ou Carlos Lessa, ou José Carlos de Assis. Em casa, o telespectador e o ouvinte, pelo menos, teriam dois lados da moeda, entre tantos, para refletir e formar suas convicções.

Confunde-se a propriedade da empresa que explora a concessão com o direito absoluto de expressar, apenas, através das emissoras concessionárias, os pontos de vista dos empresários que as controlam. Imaginem essa intervenção multiplicada por rádio, TV, jornal, revistas e outros meios de comunicação e seu agressivo poder de influenciar a formação da opinião na sociedade?

Nos Estados Unidos da América, há um consenso público de que essa máquina tem um poder extraordinário que não se coaduna com a democracia. Por isso, lá não é permitida a propriedade multimídia. A liberdade de imprensa é essencial, mas não se confunde com a propriedade da empresa. Estaria incompleta se assim fosse. Para que haja liberdade de imprensa plena deve haver multiplicidade de meios de comunicação em mãos de diferentes atores. Quanto mais atores públicos e privados houver à frente dos meios de comunicação mais haverá liberdade de imprensa, de informação, de expressão do contraditório. Isso é essencial, sobretudo quando grandes capitais se reúnem e, através dessa capacidade de mercado, montam estruturas tecnológicas gigantescas, capazes de galvanizar e concentrar a audiência num país de dimensões continentais como o nosso.

A democracia nas comunicações, essencial para uma sociedade mais democrática, é a democracia do acesso aos meios de produção da comunicação e da informação. Quando poucos têm capitais em alta monta e concentram os meios de produção da informação isso deixa de ser democrático, passando a ser uma situação de risco para a própria democracia. Defendo que sempre seja assegurada à sociedade a liberdade de ser informada ou de se comunicar de forma plural.

Com alguns grupos concentrando rádio, TV, editoras, gravadoras, provedores de acesso e de conteúdo na internet, agências de notícias e TVs pagas, não há a garantia da liberdade de informação e de comunicação. O antídoto a essa situação que se perpetua há anos no Brasil é: mais comunicação, com a democratização da mídia e a garantia do direito humano à comunicação para todas e todos!

Precisamos ter mais protagonistas à frente de mais instrumentos de produção da informação e sua disseminação para a sociedade.

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Paulo Rubem Santiago é deputado federal pelo PDT de Pernambuco