Já que este mundo é um pandeiro, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) é um palanque.
Na chanchada de 1947, de Watson Macedo, cujo título era exatamente Este Mundo é um Pandeiro, o ator Oscarito fazia uma imitação de Rita Hayworth em Gilda, numa atuação que se tornaria clássica. Em A Fiesp é um Palanque, a chanchada temporã que não existe e, portanto, nunca entrou nem entrará em circuito comercial, o atual presidente da entidade, Paulo Skaf, faz a paródia de candidato a alguma coisa aí. Oscarito se passava por mulher e fazia a gente (daquele tempo) rir. Skaf se passa por astro da política e faz a gente (deste tempo agora) se preocupar. Já veremos por quê.
Além da Fiesp, o empresário preside o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), o Serviço Social da Indústria de São Paulo (Sesi-SP) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial de São Paulo (Senai-SP). Na televisão ele é o fulgurante protagonista, o apresentador, o garoto-propaganda de uma intensíssima e extensíssima campanha que enaltece a gestão que ele mesmo comanda. A acreditar no que ele diz no vídeo, o complexo formado por Sesi, Senai, Fiesp e eticeteresp garante a inclusão social das pessoas portadoras de deficiência, constrói a felicidade dos trabalhadores paulistas, leva ensinamentos (e equipes de filmagem) a cidadezinhas do interior e é, consequentemente, a solução para todos os problemas do Estado. Graças a quem? A Paulo Skaf, naturalmente.
A forma, a linguagem e a estética geral dos filmetes promocionais são descaradamente inspiradas na escola do marketing político – sim, isso já é uma escola à parte dentro da indústria e do negócio comunicação brasileira –, o que causa no telespectador uma, digamos, ilusão de ótica. O público mal se dá conta de que aquilo é (ou deveria ser) uma mensagem institucional da Fiesp. Desprevenido, pensa que está diante de mais uma peça de propaganda política obrigatória, com um supercandidato no centro dos holofotes. Do mesmo modo que Oscarito e Macedo faziam a paródia debochada das superproduções hollywoodianas, o atual presidente da Fiesp faz paródia sisuda do horário eleitoral.
Definitivamente, ele não quer fazer ninguém cair na gargalhada. Quer inspirar simpatia e confiança. Deveria inspirar apreensão, isso sim. A manobra de ilusionismo (publicitário, político e institucional) é tanto mais preocupante quanto mais dá bons resultados nas pesquisas. Trata-se de um truque que dá certo. Em levantamento realizado pelo Datafolha nos dia 28 e 29 de novembro do ano passado, o nome de Paulo Skaf apareceu com 19 pontos na preferência do eleitorado, ocupando um folgado segundo lugar, atrás apenas de Geraldo Alckmin, com 43. É público e ostentatório: o presidente da Fiesp, filiado ao PMDB, é candidatíssimo ao Palácio dos Bandeirantes e com o auxílio luxuoso não de um pandeiro, mas da Fiesp, vem se tornando conhecido do eleitorado, com uma imagem de benfeitor desinteressado.
Custos publicitários
Aqui, a expressão “auxílio luxuoso” significa dinheiro. Como noticiaram os repórteres Pedro Venceslau e Ricardo Chapola, deste jornal, na reportagem Com Skaf, Fiesp turbina propagandas, publicada em 24 de janeiro, a entidade patronal paulista destinou R$ 32 milhões para a saga estelar do seu presidente em 2013 e destinará outros R$ 32 milhões agora, em 2014. Para efeitos de comparação: em 2012 a mesma instituição gastou R$ 17 milhões nessas campanhas. Ou seja, estamos falando de um crescimento de quase 100% nas verbas publicitárias que catapultam a popularidade de Paulo Skaf.
Além de potenciais eleitores, a estratégia rendeu dissabores ao líder industrial. Conforme reportagem de Diógenes Campanha, da Folha de S.Paulo, publicada em 1.º de fevereiro, a Procuradoria Regional em São Paulo calculou que os comerciais em que ele faz as vezes de protagonista ocuparam, só em 2013, 97 horas de programação na TV e 119 horas no rádio, a um custo de R$ 33,9 milhões. Por isso entrou com representação contra o pré-candidato do PMDB, “por propaganda eleitoral antecipada”.
Com ou sem representação do Ministério Público, porém, o jogo imagético do pré-candidato do PMDB já está jogado. Mesmo que ele nunca mais apareça em nenhuma peça publicitária da entidade que preside, sua construção industrial de imagem já é fato consumado – e é a partir desse saldo (positivo) que Skaf poderá entrar na corrida eleitoral que começará em poucos meses. Conclusão: o mundo, ao menos nestas terras da Atlântida, o célebre estúdio de onde saíam as chanchadas, é realmente um pandeiro.
Agora, fora a discussão jurídica – que é de competência da Justiça, não de um artigo de jornal –, há uma discussão de ordem ética e política. Esta, sim, é de competência da sociedade e dos cidadãos. Aqui ninguém vai acusar o presidente da Fiesp de qualquer deslize de natureza ética. Ninguém aqui é juiz dos costumes, bons ou maus. O debate, no entanto, precisa ser aberto – em tom respeitoso e franco.
Nessa discussão que compete à cidadania, a pergunta inicial poderia ser a seguinte: em que medida a quantidade industrial de propaganda de Paulo Skaf realiza a missão da Fiesp? No site da entidade podemos ler que “hoje a Fiesp tem como principal causa a luta pela competitividade brasileira, com reivindicações para diminuir os custos de produção e conter a desindustrialização”. Se essa é realmente a “principal causa”, a resposta para aquela pergunta seria fácil: a campanha publicitária da Fiesp não ajuda em nada na luta pela competitividade brasileira e muito menos na diminuição dos custos de produção. Aliás, ela apenas aumentou os custos de produção publicitária. Outra pergunta possível: a julgar pela publicidade em cartaz, a Fiesp está a serviço da indústria ou a serviço do PMDB? São indagações que o eleitorado paulista deveria considerar.
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Eugênio Bucci é jornalista e professor da ECA-USP e da ESPM