Há algum tempo, minhas pesquisas têm se centrado no tema das sensações nas mídias, e principalmente no universo do jornalismo. Concluí recentemente que, no meio desse turbilhão de emoções imediatas e sensações fugazes pelo qual somos bombardeados e compelidos todos os dias, existem certos tipos de sensações que apresentam possibilidades de levar o indivíduo à autorreflexividade, e até mesmo conduzi-lo a novas experienciações estéticas.
Mas minha reflexão aqui não diz respeito necessariamente a essa “outra face da sensação”, porque meu objetivo é fazer uma ponte entre os atuais acontecimentos que nos deram oportunidade de entender melhor quem é e como se comporta esta nova geração de adolescentes que se apresenta no Brasil (principalmente esta da metrópole que faz parte dos “rolezinhos”), e a sociedade da sensação, de que nos fala o filósofo alemão Christoph Türcke, em Sociedade Excitada: filosofia da sensação (Editora Unicamp, 2010).
Na obra, o filósofo apresenta uma tese complexa e bastante instigante acerca do atual modo de nossa vida em sociedade. Ao afirmar que “as sensações estão a ponto de se tornar as marcas de orientação e as batidas do pulso da vida social como um todo” (2010, p. 14), Türcke afirma que não se trata mais em falar de uma “sociedade da informação” ou “sociedade pós-industrial” como uma sociedade que esteja entrando em uma nova época, mas sim, numa sociedade em que não é mais possível dominar as sensações, onde os meios de comunicação de massa não deixam escapar a torrente de estímulos e sensações e competem para fazer parte deles. Dentro desta configuração social, iniciada, segundo o autor com o advento da modernidade, é que se torna possível entender vários aspectos que norteiam nossos comportamentos e nossos modos de ser, como também entender como funciona a máquina midiática, que também dita tais comportamentos, modos de ser e subjetividades.
Presença corporal e presença midiática
De fato, vivemos num momento histórico-social em que a palavra sensação (outrora sinônimo de percepção) tornou-se a mola propulsora da vida em sociedade, e os meios de comunicação de massa as grandes peças da engrenagem. São os meios midiáticos que volatilizam as sensações, convertendo-as no espetacular, no chamativo, no extraordinário, sendo que a própria espetacularização da vida é consequência desta era da sensação.
O caso dos adolescentes que promovem os chamados “rolezinhos” e que viraram notícia recentemente ilustra e atesta muito bem tal fato. Por meio do exorbitante sucesso que fazem através dos seguidores que possuem nas redes sociais, estes jovens têm sido alvo de reportagens e entrevistas nos meios jornalísticos. Em algumas dessas entrevistas, pude fazer uma ligação muito óbvia entre a teoria de Türcke e a busca destes jovens por “causar e fazer sensação”.
Em uma de suas reflexões, o filósofo explica que a expressão criada pelo teólogo anglicano George Berkeley esse est percipi (ser é ser percebido), refere-se àquilo que vivenciamos com mais intensidade nos dias de hoje, se comparado há dois séculos: o que não é visto, notado ou percebido, simplesmente não é. Assim, para que alguém seja alguém é preciso ser visto, notado, levado em consideração.
Este argumento vale para pessoas poderosas, as quais são percebidas e levadas em consideração, como também para as celebridades. Não é à toa que muitos indivíduos se sujeitem a humilhações ou passem por constrangimentos em público somente para ter na sua vida um momento de fama, e em consequência ser notado e percebido. Para aqueles que são desconhecidos ou não têm condições de andar bem vestidos e usar roupas de marca, estes não são notados por outros que pensam assim. Apesar de serem percebidos, por conta de sua presença corporal, eles não são notados, não chamam atenção. Este fato nunca mudou. O que mudou é que hoje a presença corporal desaparece por detrás da presença midiática.
Notoriedade e consumo
Grande parte dos jovens declarava nas entrevistas que era essencial para eles andar bem vestidos, sendo que a ostentação era a palavra de ordem. Ter um carro legal, dinheiro no bolso, tênis de marca, poder gastar à vontade e ao mesmo tempo ter fama parecia o grande sonho desses meninos. Como muitos dos adolescentes que fazem parte dos “rolezinhos” advêm da periferia, grande parte necessitava trabalhar fora para poder conseguir sustentar este “estilo de vida”; e, em outros casos, eram os pais que mantinham e valorizavam tal way of life.
No afã de se tornarem conhecidos, o objetivo destes jovens é causar sensação. As redes sociais são o suporte que eles têm para apresentar seus selfies e serem seguidos por milhares de pessoas. Desta forma, tomando emprestada de Max Weber a ideia do “aí de seu ser”, Türcke esclarece que o “aí” da presença do corpo desaparece, criando o “aí” da presença midiática que se apresenta de forma muito mais intensa e dando um efeito muito mais forte. A presença midiática destes jovens manifestada pelas redes sociais mostra-se muito mais eficaz e avassaladora do que se o adolescente fosse popular somente entre seus amigos “físicos”.
A necessidade de se sentirem incluídos socialmente leva tais adolescentes a basearem seus valores em dois propósitos: se tornarem famosos e consumir, sendo que este último é o principal. Nada mais triste do que constatar que os valores e busca por realização social e pessoal desta nova geração tenham se voltado para o consumo em todas as suas faces.
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Paula Roberta Santana Rocha é jornalista e mestre em Comunicação