Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A linha que define o noticiário

O noticiário sobre a morte do cinegrafista Santiago Andrade, atingido na cabeça por um rojão artesanal de grande potência durante manifestação contra as tarifas de transporte público no Rio, virou um festival de lugares-comuns e perigosas aleivosias, além de mal dissimular certas omissões da imprensa.

O núcleo central das reportagens é a declaração de um dos envolvidos, o jovem Caio Silva de Souza, segundo o qual alguns integrantes dos protestos são remunerados para promover depredações e enfrentar a polícia durante as manifestações. O advogado dos dois acusados diz ter conhecimento de que os aliciadores, ligados a políticos, fornecem material explosivo e incendiário, transporte e proteção aos ativistas mais violentos. Não cita nomes, sugere que a imprensa e a polícia investiguem as conexões de seus clientes e afirma que essa organização atua não apenas no Rio, mas também em São Paulo e outras capitais.

Autoridades da segurança pública no Rio admitem que estão em curso inquéritos que apuram o aliciamento de ativistas por parte de políticos. A Folha de S. Paulo e o Estado de S. Paulo evitam personalizar a acusação, deixando no ar a suspeita de que essa articulação se consolidou no ano passado, com o acampamento montado em frente ao apartamento onde mora o governador do Rio, Sérgio Cabral.

Na edição de quinta-feira (13/2), o Globo desarma a artilharia que vinha sendo dirigida ao PSOL, na figura do deputado estadual Marcelo Freixo, e aponta diretamente para o deputado federal Anthony Garotinho, ao afirmar que o líder do PR e provável candidato ao governo do Rio tem ligação com os principais suspeitos de instigar as depredações e agressões.

Segundo o jornal carioca, a polícia coletou depoimentos, obteve gravações de conversas telefônicas e apreendeu computadores, além de contar com informações de um investigador autônomo que teria se infiltrado no núcleo partidário supostamente dedicado a intervir nas manifestações de rua. Parte dessas informações já havia sido publicada em novembro do ano passado, ou seja, não só as autoridades como a imprensa tinham dados consistentes sobre uma provável fonte da violência.

A aventura da investigação

O leitor atento, então, se pergunta: se essa informação estava disponível, por que tanta especulação? Por que não lembrar, desde o primeiro momento, que uma linha consistente de investigação aponta, há três meses, para um determinado grupo político?

Entende-se a cautela das autoridades da segurança pública em relação a essas informações de extrema sensibilidade, que poderiam ser confundidas com artifícios de disputa eleitoral. Mas qual seria a razão da imprensa ao se deixar levar por especulações, se já dispunha de sinais claros de aliciamento por trás desses fatos?

É evidente a estratégia do advogado, ao retratar seus clientes como jovens desamparados e sem recursos, um deles até apresentado como portador de problemas psicológicos, e nada mais conveniente do que afirmar que foram manipulados por uma organização política. Os próprios jornais já haviam relatado, em muitas ocasiões, como os ataques a bancos, lojas e edifícios públicos obedecem a uma tática planejada.

Com relação à pergunta acima, pode-se observar que a imprensa perdeu o gosto pela aventura da investigação, ou seja, os jornais preferem estabelecer antes uma teoria e depois ir atrás de elementos que a comprovem. Por isso, muitas vezes notamos como o noticiário persegue certas hipóteses que, para muitos leitores atentos, não têm muita verossimilhança.

Esses pressupostos da imprensa podem ser constatados facilmente cada vez que se abre um jornal: no alto da página que abriga as reportagens sobre o assunto principal, há um enunciado que tenta dirigir a interpretação do leitor. Por exemplo, o Estado de S. Paulo coloca lá a palavra “Segurança”, o que induz sutilmente o leitor a criminalizar os movimentos de protesto. O Globo escolheu qualificar o evento como “Ataque à liberdade de expressão”. Já a Folha de S. Paulo reforça a histeria das classes médias tradicionais com o enunciado “País em protesto”.

Na vida real, as manifestações guardam uma relação apenas indireta com a questão da segurança pública; a morte do cinegrafista não significa um ataque à imprensa ou à liberdade de expressão; e, por fim, o país em protesto é um típico wishful thinking, a vontade mágica da própria Folha, manifestação de uma histeria que seria mais bem compreendida no consultório do terapeuta.