Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

IstoÉ


PASQUIM EM LIVRO
Celina Côrtes


O Pasquim vira livro


‘O mais irreverente tablóide brasileiro virou livro: O Pasquim – antologia
1969-1971. Reúne passagens dos primeiros 150 exemplares desse jornal. O Brasil
vivia a ditadura militar e ela foi o fermento da indignação política, das
sátiras e do humor que rechearam as páginas da publicação. Prova disso é que em
1975, ao atender um telefonema de Brasília, o cartunista Jaguar levou a mão à
cabeça após ouvir o seu interlocutor. ‘Acabou a censura. E agora?’, perguntou
Jaguar a seus colegas de redação.


O Pasquim precisava mudar, o País dava os seus primeiros passos rumo à
redemocratização e, assim, o jornal foi se adaptando a tempos mais brandos e
sobreviveu por 22 anos (1969 a 1991). O Pasquim criou um estilo de entrevistas
regadas a uísque que reuniam um time de gente famosa em torno dos entrevistados.
Geralmente eram um festival de palavrões. Diversas delas estão agora no livro
(editora Desiderata, 350 págs., R$ 69).


A atriz Leila Diniz, quando foi entrevistada nos anos de chumbo, destilou o
seu estilo libertário em palavrões e mais palavrões. Eles acabaram substituídos
por asteriscos. O bandido Madame Satã criou uma versão hilária para um de seus
assassinatos: ‘O revólver é que disparou na minha mão.’ Chico Buarque,
auto-exilado na Itália, mandou para O Pasquim uma pesquisa imaginária atribuindo
o título do jornal a um personagem que abalara Roma no século XV. Fizeram
história os perfis saídos da pena de Vinícius de Moraes. E, ao entrevistar o
escritor Gabriel García Márquez, o cineasta Glauber Rocha ouviu uma profecia:
‘Ninguém jamais filmará Cem anos de solidão’, disse o escritor referindo-se à
obra que lhe dera o Nobel. Para Ziraldo, o melhor do jornal foram os fradinhos
do cartunista Henfil. Mas ele admite: ‘Todos ali tinham muito
talento.’’


LÍNGUA PORTUGUESA
Luiz Chagas


Por dentro do Museu da Língua Portuguesa


‘O visitante que pisar o Museu da Língua Portuguesa, inaugurado na
segunda-feira 20 em São Paulo, estará pisando o primeiro espaço cultural do
mundo destinado exclusivamente ao idioma de um país. Mais: entrará numa
instalação gigantesca concebida num cenário futurista – luzes, efeitos
especiais, computadores, telões, projeções digitais, tudo isso exibindo obras
clássicas da literatura brasileira e jogos que mostram a riqueza de nossa
língua. Essa parafernália faz desse museu uma espécie de parque de diversão
tecnológico onde os brinquedos são letras e palavras – e o público pode brincar,
ou melhor, interagir, o tempo todo. O passado reverbera nas austeras linhas
inglesas da centenária Estação da Luz, um dos marcos arquitetônicos de São Paulo
e sede do museu. O presente se traduz na tecnologia que faz dessa casa um museu
do século XXI. O empreendimento consumiu R$ 37 milhões e levou sete anos para
ser concretizado. Assina o projeto museográfico o americano Ralph Appelbaum – o
mesmo que fez o Museu do Holocausto de Washington. Assinam o projeto
arquitetônico Paulo Mendes da Rocha e seu filho Pedro – o pai foi quem restaurou
a Pinacoteca do Estado de São Paulo.


O envolvimento e o deslumbre do público no Museu da Língua começa no elevador
panorâmico que dá acesso ao terceiro andar da instalação – é por ele que se
inicia a visita. Do interior do elevador vê-se a Árvore da língua, escultura em
ferro de 16 metros de altura. A atmosfera high tech se prolonga ao Auditório de
166 lugares no qual é projetado filme de 20 minutos sobre a origem da nossa
linguagem. A narração dessa história é de Fernanda Montenegro.


No final da projeção, uma surpresa: a tela dobra-se e dá passagem para a
Praça da Língua, um planetário que trocou os astros por letras em movimento. Na
antologia multimídia, vozes e textos se misturam. Poemas de Carlos Drummond de
Andrade, Gonçalves Dias e Gregório de Matos são declamados, respectivamente, por
Alice Ruiz, Chico Buarque e o rapper Rappin’Hood. Agora, vamos a um choque
visual no segundo andar da instalação: a extensão do prédio descortina a Grande
Galeria, corredor com telão de 106 metros que é bombardeado, simultaneamente,
por 36 projetores. Eles exibem 11 filmes sobre a linguagem do cotidiano. A
viagem tecnológica prossegue com o segmento Palavras Cruzadas, oito ‘lanternas’
(totens) triangulares, com monitores que são sensíveis ao toque das mãos. Elas
fornecem informações sobre as línguas que formaram o português falado hoje no
Brasil.


Há também um grande painel chamado Linha do Tempo, com textos e imagens
desenhados na parede ou saídos de computadores – apresenta-se assim a saga da
língua portuguesa desde a sua origem indo-européia até o ‘internetês’ dos atuais
chats de bate-papo. Com um simples movimento de mouse é possível ouvir em fones
os sotaques característicos de todas as regiões do País no Mapa dos Falares do
Brasil. Outra engenhoca que já provoca filas é o Beco das Palavras, um jogo de
etimologia composto por três telas horizontais, nas quais se expõem sufixos e
prefixos que podem ser juntados às palavras pelos visitantes. Ao se reunir, por
exemplo, os termos bibli (livro) e tec (caixa), forma-se a palavra biblioteca –
e a sua origem é assim exibida.


No primeiro andar, destinado às exposições temporárias, está montada a
instalação Grande sertão: veredas, de Bia Lessa, em comemoração ao
cinqüentenário do lançamento do livro de Guimarães Rosa. Reproduzidas em
gigantescos banners, as páginas da terceira versão corrigida da obra (cedidas
pelo bibliófilo José Mindlin) podem ser lidas por meio de um sistema de roldanas
com sacos de terra como contrapeso. A escolha não poderia ser melhor. Grande
sertão é a maior prova de que a língua portuguesa está exuberantemente viva. E a
sua casa só poderia ser um museu voltado para o futuro.’


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