Os quatro livros escritos pelo jornalista Elio Gaspari sobre a ditadura militar, que ele começou a publicar em 2002, ganharam roupa nova e chegam nos próximos dias em caprichadas versões eletrônicas.
Além das facilidades que outros livros nesse formato oferecem, essas versões trazem amostra preciosa do material que Gaspari pesquisou para produzir a série, ao qual poucos estudiosos tiveram acesso desde então.
A principal fonte documental explorada por Gaspari em seus livros é um arquivo que reúne papéis acumulados durante a ditadura por dois observadores privilegiados dos acontecimentos do período, o general Golbery do Couto e Silva e Heitor Aquino Ferreira, que foi secretário particular do presidente Ernesto Geisel e de Golbery.
Com cerca de 5.000 documentos, esse arquivo foi confiado a Gaspari em 1985, quando as caixas em que estavam na garagem do general foram atacadas pelo mofo. Colunista da Folha e de “O Globo”, o jornalista guarda os papéis em seu escritório em São Paulo. Esta é a primeira vez que alguns deles são divulgados na íntegra.
A versão eletrônica dos livros de Gaspari traz cerca de 200 documentos que, se fossem impressos, dariam um volume com 670 páginas. Para cada documento há uma cópia do original com transcrição completa e os trechos mais relevantes destacados.
Para leitores que têm iPad ou Kindle Fire, o pacote oferece também filmes de época e gravações, incluindo 17 trechos de entrevistas que Gaspari fez com Geisel nos anos 1990, interrompidas com a morte do general, em 1996.
Revisões
Gaspari fez várias revisões no texto dos livros –”A Ditadura Envergonhada”, “A Ditadura Escancarada” (que compõem a série “As Ilusões Armadas”), “A Ditadura Derrotada” e “A Ditadura Encurralada” (série “O Sacerdote e o Feiticeiro”)–, incorporando informações que obras mais recentes sobre o período trouxeram e acrescentando duas descobertas.
A primeira é a gravação de uma reunião em que o presidente americano John Kennedy cogita uma intervenção militar no Brasil em outubro de 1963, pouco antes de seu assassinato. A gravação desfaz uma fantasia em que até o presidente João Goulart acreditava, a de que os EUA não teriam apoiado o golpe se Kennedy estivesse vivo.
Trechos dessa conversa e de outra que Kennedy teve na Casa Branca para discutir a situação brasileira são reproduzidos na versão eletrônica do primeiro livro da série, “A Ditadura Envergonhada”, assim como dois diálogos mantidos por seu sucessor, Lyndon Johnson.
O outro achado, as atas de duas reuniões do Conselho de Segurança Nacional que vieram a público em 2009, mostra que o presidente Costa e Silva rejeitou a ideia de impor estado de sítio ao país em julho de 1968, mostrando hesitação cinco meses antes de baixar o Ato Institucional nº 5, que inaugurou a fase mais violenta da ditadura.
Painel vigoroso que iluminou os bastidores do regime militar e alimenta inúmeras controvérsias no meio acadêmico, a série de Gaspari ainda é uma obra inacabada.
No momento, ele escreve o quinto e último volume, que abordará as crises que marcaram o governo do último presidente do ciclo militar, João Figueiredo.
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Ricardo Balthazar editor de “Poder”, da Folha de S.Paulo