Tergiversaram, relutaram e, afinal, eis que O Globo assumiu a contratação de um ombudsman (ou defensor do leitor – dá no mesmo). Ele não é jornalista, não tem salário, mas tornou-se uma unanimidade nacional: não se intimidou, exerceu plenamente o direito de expressar suas opiniões.
O texto assinado pelo poeta-compositor-cantor Caetano Veloso na edição de domingo (16/2) do próprio Globo, condenando as caluniosas insinuações do jornal feitas sete dias antes contra o deputado fluminense Marcelo Freixo (PSOL), foi fulminante: na manhã seguinte, O Globo sentiu o golpe, fingiu que não era bem assim e que seu comportamento foi correto.
E capitulou na segunda-feira (17/2), por meio de um grande editorial com inusitada chamada na capa, praticamente na mesma localização da perfídia da semana anterior contra o parlamentar, com um pretensioso título que só engana os focas: “O dever de um jornal”.
O dever de um grande jornal – e O Globo é um grande jornal, independente do seu porte empresarial – é reconhecer o erro, sem sofismar, sem frescuras deontológicas ou teológicas. E deveria tê-lo feito imediatamente, antes que os jornais de outras praças, por preguiça, caiporismo e/ou má-fé convertessem o abjeto factoide em fato.
Como fazer
O Globo foi ágil ao fazer o upgrade de precárias suposições apresentando-as como firmes evidências, porém não teve a mesma presença de espírito nem senso de responsabilidade para perceber que a demora em reconhecer seu erro seria fatalmente transferida à instituição jornalística.
Ao afirmar que “a imprensa agiu corretamente”, O Globo apela para o mesmo e deletério corporativismo que tentou converter a brutal violência que matou um jornalista de TV em atentado contra a liberdade de expressão.
No mesmo domingo em que Caetano Veloso deixava de ser colunista e envergava o inconfortável e indispensável uniforme de cão de guarda dos cães de guarda, a Folha de S.Paulo, o único grande jornal brasileiro que tem um ombudsman, saía-se com um levantamento de página inteira sobre as violências contra a imprensa na América Latina sem mencionar (certamente por falta de espaço) a perigosa formação de um oligopólio midiático no Peru contestado com veemência pelo Nobel de literatura, Mario Vargas Llosa (ver “Um castelo de cartas?”).
O dever de um grande jornal é ter a consciência de que existem, sim, cidadãos acima do bem e do mal: os inocentes. E o formidável time de repórteres do Globo não precisa exibir a carteirinha de “investigativos” para cumprir com o seu dever. São repórteres, ponto. E estão prestando um enorme serviço ao país denunciando todos os militares implicados no atentado do Riocentro, inclusive dois generais.
Caê dispensa-se do título, diploma e carteirinha: um “defensor do leitor” faz-se: com decência e coragem. É o suficiente.
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