“O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males.” (Paulo, Primeira Epístola a Timóteo, já naquele tempo)
A globalização da indiferença, que encobre inaudita crueldade no trato das questões sociais, promove incessantemente, diante da insensibilidade geral, um desfile assustador de acontecimentos que não poderiam jamais passar despercebidos nas reflexões e comentários críticos da sociedade humana sobre estes nossos tempos amalucados.
Vejam só esta revelação! Oitenta e cinco megatrilionários possuem patrimônio equivalente ao conjunto de valores pecuniários de 3 bilhões e 500 milhões de seres humanos. Ou seja: metade da população mundial. Para que esta informação possa ser devidamente assimilada, cuidemos de gravar bem gravado que não se está a falar aqui de 85 milhões, nem de 85 mil indivíduos bem aquinhoados pela roda da fortuna, parcelas numéricas, aliás, já escandalosamente desproporcionais num quadro justo de partilhamento de bens universais. Do que se está falando mesmo é de apenasmente, tão somente, 85 pessoas. Quer dizer: número talvez equivalente ao da lotação de um desses veículos articulados apelidados de “move”, ora em fase de testes pra correr nas linhas do futuro BRT.
Tão atordoante revelação veio a furo numa pesquisa da ONG britânica Oxfam. Foi apresentada aos “donos do mundo” no recente encontro das lideranças politicas e econômicas de Davos, Suíça. Trocada em miúdos, a pesquisa aponta entre outras absurdidades que a hiperconcentração da riqueza mundial só tem feito crescer. Paralelamente a isso, como fica fácil deduzir, a vergonhosa desigualdade social não para de aumentar.
Mais para quem tem mais
Colho na CartaCapital, em trabalho assinado por Luiz Antônio Cintra, mais dados impactantes do referido estudo. Carlos Slim, magnata mexicano, considerado o cara mais rico do mundo, possuía em 2009 bens avaliados em 35 bilhões de dólares. Isso correspondia, a valores de hoje, a mais de 80 bilhões de reais. Importância comparável ao PIB do Uruguai em 2013. Já no ano passado, a fortuna de Slim escalava as altitudes everestianas dos 73 bilhões de dólares. Quase 200 bilhões de reais, algo próximo do PIB inteiro de Portugal ou do Peru.
Já o financista Warren Buffet, norte-americano, outro afortunado, detinha patrimônio de 40 bilhões de dólares antes da bolha imobiliária que tantos estragos promoveu justamente na área em que se especializou e em que construiu retumbante carreira. Isso não afetou seus guardados financeiros, sabe-se lá porque cargas d’água, nadica de nada. Contabilizando agora haveres de 59 bilhões de dólares, ele engrossa com essa dinheirama toda no bolso a lista dos 85 viventes premiados com a Megasena do Olimpo. Cidadãos que, juntos, repita-se, conseguiram amealhar patrimônio igual ou superior ao da metade da população deste planeta azul do bom Deus, onde o diabo aprecia fixar seus enclaves.
O estudo da ONG inglesa acerca da hiperconcentração da riqueza mundial entrega à apreciação dos estudiosos em questões socioeconômicas muitos outros elementos desconcertantes. Por exemplo: em função do poderio das grandes corporações financeiras, 95% do ganho de renda registrado nos Estados Unidos a partir de 2009 foram carreados para o contingente humano dos 1% mais abonados. Em 2012, de outra parte, enquanto o grupo dos 1% mais ricos lograva abiscoitar 22% da renda do país, 0,01% deles, ainda mais afortunados (se é que seja possível imaginar algo assim), abocanhavam 11% do bolo. A lógica seguida no jogo do “mercado”, idêntica noutras paragens do atlas, foi a de garantir mais para quem tem mais, valha-nos Deus, Nossa Senhora!
O dinheiro existe para servir ao homem
Enquanto isso, anotando dados numéricos de uma das vertentes mais perversas dos problemas gerados pela concentração da riqueza nas mãos de poucos, chegamos a aterrorizante constatação. O desemprego, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho, cresce incessantemente em todos os continentes. Os “sem salários” os “sem carteiras assinadas” totalizavam, em 2013, 202 milhões de criaturas. Cinco milhões a mais do que em 2012.
De tudo quanto aqui colocado, indicadores candentes de uma questão momentosa de descomunal proporção, projeta-se inarredável certeza. Para que o mundo funcione melhor transformações substanciais terão que ser introduzidas na sistemática que rege as atividades econômicas. A economia há que ser vista como meio. Não como fim em si mesma. O dinheiro, como lembra o papa Chico, existe para servir ao homem. Não para governá-lo.
******
Cesar Vanucci é jornalista