O governo gastou R$ 773,4 bilhões, até o ano passado, no PAC 2, a segunda versão do Programa de Aceleração do Crescimento. Gastou bem, gastou mal, foi eficiente na elaboração e na execução dos projetos? Boa parte dos leitores nem soube dos últimos dados. O novo balanço do programa foi apresentado na terça-feira (18/2) pelos ministros do Planejamento Miriam Belchior e da Fazenda, Guido Mantega. No dia seguinte, o assunto nem apareceu, ou foi registrado apenas burocraticamente, em alguns dos maiores jornais. A atenção foi concentrada na fala do ministro da Fazenda e nos possíveis indícios de como seriam os novos cortes orçamentários. O anúncio das metas fiscais estava previsto para a quinta-feira (20).
Os jornais do dia 19 trouxeram muita citação de Mantega e muita especulação sobre o sentido oculto de suas palavras. O corte imediato de gastos poderia ficar em R$ 35 bilhões (de fato, o número revelado no dia seguinte foi R$ 44 bilhões). O superávit primário, dinheiro separado para os juros da dívida pública, ficaria na faixa de 1,8% a 2% do produto interno bruto (PIB). A informação oficial, na quinta-feira, indicou R$ 99 bilhões, soma equivalente a 1,9% do PIB estimado para 2014. Terá valido a pena, afinal, dar prioridade a essa especulação, sem grande efeito prático ou informativo, e desprezar o balanço do PAC?
O assunto mais quente da semana, dirão os defensores dessa decisão, era sem dúvida o anúncio da meta fiscal. Os números fixados no Orçamento Geral da União, aprovado em dezembro, estavam superados, a começar pela projeção de 3,8% de crescimento econômico, Além disso, o governo estava empenhado em ganhar a confiança do mercado e dos avaliadores de risco de crédito. Isso dependeria, em boa parte, das condições anunciadas para a gestão orçamentária. Até ai, tudo bem, mas parece haver, nessa história, um argumento escondido: prevaleceu, de certa forma, a concepção do jornalismo como espetáculo.
Carta na manga
Muito mais importantes que as especulações de terça para quarta-feira foram outras antecipações. Com maior antecedência, jornais haviam indicado os problemas do governo com o custo da energia das centrais térmicas. O assunto foi retomado no correr da semana. Como ficaria a meta fiscal, se o subsídio ao consumo fosse mantido e o Tesouro assumisse o encargo?
Outra boa antecipação apareceu na Folha de S.Paulo na quinta-feira (20/2) – várias horas antes, portanto, da entrevista sobre a meta fiscal. “Governo já busca verba extra para garantir superávit”, informou o jornal no caderno “Mercado”. O Tesouro, segundo a notícia, poderá arrecadar até R$ 5 bilhões a mais com a extensão do Refis, o programa de refinanciamento de dívidas tributárias. A reabertura do Refis vai depender do Legislativo.
Na sexta-feira (21), quando todos os jornais noticiaram o plano fiscal do governo, o Valor foi um passo à frente, indicando o possível aumento do PIS/Cofins sobre importações. O governo também poderá, segundo a reportagem, estender às distribuidoras de cosméticos a tributação por enquanto restrita às indústrias. A estratégia para alcançar o superávit primário de R$ 99 bilhões (R$ 88,1 bilhões no caso do governo central) é mais ampla, portanto, que a anunciada oficialmente na quinta-feira.
O assunto apareceu nos outros jornais na edição de sábado (23), já com declarações do ministro da Fazenda sobre o possível aumento de tributos. O aumento do PIS/Cofins sobre importados poderá, segundo o Estado de S.Paulo, render R$ 1,5 bilhão. Mas o governo, ressalvou o ministro, só apelará para uma tributação maior se os outros meios forem insuficientes para garantir o resultado pretendido para as contas públicas.
Informação relevante
Na quarta-feira, dois dos grandes jornais do eixo Rio-São Paulo apresentaram cobertura mais detalhada do balanço do PAC. O Valor destacou o atraso das obras de mobilidade urbana: menos de 20% dos projetos com apoio financeiro da União foram iniciados ou estão concluídos. Segundo o Globo, o governo deixou fora dos cálculos do balanço várias grandes obras com atrasos importantes. A lista foi apresentada numa tabela com os dados principais do programa.
Por que gastar esforço e espaço com o PAC, se as avaliações apresentadas pelo governo são sempre contestadas e criticadas? A resposta parece muito simples: porque esse é, afinal, o principal programa de investimentos do governo federal. A análise dos grandes números nem dá muito trabalho. Mesmo sem apresentar um exame tão detalhado quanto o do Globo, pode-se produzir algo interessante sobre o assunto. Basta examinar os grandes itens e fazer algumas continhas simples. O leitor será beneficiado com informação relevante sobre como o governo elabora e executa seus planos.
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Rolf Kuntz é jornalista