Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Suzana Singer

Muita gente se surpreendeu com as posições editoriais da Folha, resumidas na quarta-feira passada, dia do aniversário do jornal. Para uma senhora avançada na terceira idade (93 anos), a Folha é até moderninha. Defende a legalização das drogas, desde que seja “gradual” e aprovada por plebiscito ou referendo. Já o casamento gay deve ser igualado ao heterossexual, sem necessidade de consulta à população.

O jornal considera imprescindível o pedágio urbano. É a favor dos médicos estrangeiros, embora considere a medida paliativa. Na área econômica, defende a redução do gasto público e o aumento da idade da aposentadoria.

A Folha não faz a linha Sheherazade: é contra o endurecimento das penas e contra a redução da maioridade penal, mas acha necessário mudar a lei para que menores que cometeram delitos graves possam ficar internados por mais tempo.

Em política, é a favor do voto facultativo porque a participação em eleição deve ser um direito e não um dever imposto pelo Estado. Está correto concluir que o jornal se coloca no “espectro da social-democracia”, segundo o editor de “Opinião”, Uirá Machado. “Mas sem se confundir com partidos. O jornal é apartidário e não apoia candidatos.”

“O que a Folha pensa” (folha.com/no1414326) foi útil para o leitor que não tem paciência para os editoriais e para desfazer imagens equivocadas sobre o jornal. “Achei ‘animal’ explicitar as posições em campos polêmicos, alguns bem espinhosos. Com certeza, já não vejo vocês com os mesmos olhos”, diz o geógrafo Paulo Castro, 26.

Por causa de alguns colunistas e da forma como o jornal cobriu as manifestações de junho, Paulo considerava a Folha mais conservadora. “É bom saber que isso não é uma verdade por completo”, diz.

Num jornal com mais de uma centena de colunistas, a balbúrdia de opiniões é tamanha que muitas vezes a voz oficial, expressa nos editoriais, se apaga. Iniciativas como essa, de sistematizar pontos de vista assumidos ao longo dos anos, ajudam o leitor a entender melhor o jornal que ele tem nas mãos. Serve ainda de instrumento de fiscalização: sabendo o que a Folha pensa, fica mais fácil cobrar que o noticiário se mantenha plural e sem influência dos editoriais.

Imagens que enganam

Era uma vez um menino sírio de quatro anos que, fugindo do seu país, cruzou sozinho o deserto. Um conterrâneo seu, desamparado, dormiu entre os túmulos do pai e da mãe, vítimas da guerra civil.

As histórias, de cortar o coração, circularam pela internet e foram publicadas em alguns órgãos de imprensa. Felizmente, eram falsas.

O garotinho Marwan, com sua sacola de plástico, não foi encontrado perambulando sozinho rumo à Jordânia, como noticiou, na terça-feira, o site da Folha, o “Estado de S. Paulo” e o “Yahoo”, entre outros.

Marwan tinha se distanciado por alguns momentos do resto da família, que caminhava mais à frente, quando foi abordado por funcionários da ONU que ajudam refugiados.

Um deles colocou a foto de Marwan no Twitter, mas sem falar em cruzada solitária pelo deserto. Quem acrescentou a pitada dramática foi uma âncora da CNN que tem 122 mil seguidores na rede social. Dali, a imagem se espalhou.

O outro menino, do cobertor vermelho, não é sírio, os montes ao seu redor não são túmulos e ele não estava dormindo.

Nesse caso, houve má-fé. A imagem foi pinçada do Instagram de um fotógrafo saudita e ganhou uma legenda mentirosa. Era um ensaio artístico, em cenário montado, sobre o “amor insubstituível dos pais”. O menino é sobrinho do fotógrafo, não é órfão e não vive na Síria.

O propagador do engano é um americano que vive na Arábia Saudita e tem 179 mil seguidores no Twitter. A imagem explodiu na web, em janeiro, mas a grande imprensa não caiu na armadilha.

Os dois casos ilustram como não dá para confiar no que está nas redes sociais, onde “quem conta um conto aumenta um ponto”.