Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Integração com Facebook seria ruína do WhatsApp

No início da tarde de ontem [terça, 25/2], ao pé da montanha de Montjuic, um mestre de cerimônias pedia paciência à plateia. “Ele é uma estrela”, dizia, para justificar o atraso do convidado. O auditório estava apinhado de representantes de start-ups, num dos vários eventos que acontecem em Barcelona no rastro do Mobile World Congress.

Quem apareceu a seguir foi o príncipe de Astúrias, Felipe de Bourbon, o herdeiro da Coroa espanhola. Entrou e sentou-se numa cadeira da plateia. A estrela mesmo veio depois: Jan Koum, criador do WhatsApp e novo bilionário americano – há exatamente uma semana, vendeu a empresa para o Facebook por US$ 16 bilhões (R$ 37,45 bilhões). Após festejar seu 38º aniversário na noite anterior, Koum cumpria mais uma etapa da rotina de estrela que viveu nos últimos dias na cidade. Falou sobre seus planos para o aplicativo usado por 465 milhões de pessoas.

Saciou a curiosidade do público pelos detalhes da negociação com Mark Zuckerberg. Foi longamente assediado para fotos e conversas ao sair do palco. E, numa rara concessão, deu uma entrevista exclusiva. À Folha, falou sobre a possibilidade de aumentar a mensalidade do aplicativo e sobre privacidade.

“Toda a internet foi construída sobre e-mail”

Como será a comunicação entre as pessoas daqui a dez anos?

Jan Koum – Há muitas pessoas que têm tempo para pensar no futuro, imaginar, oferecer seus conselhos. Eu tenho uma empresa para tocar, um produto para construir e meio bilhão de usuários para atender. Não tenho tempo para sentar e ficar pensando no futuro. Mas, dito isso, penso que a parte estimulante é que estamos ainda numa fase muito inicial desse progresso tecnológico. Se você pensar lá atrás, no início da web, estamos como se ainda fosse 1997 no que diz respeito a conectividade da internet. Daqui a dez anos, todo mundo vai ter um smartphone, em algum formato, pode ser que seja dobrável, pode ser que [a tela] seja 3D, quem sabe.

Os aparelhos móveis que se vestem [como roupa] vão ter um papel na comunicação?

J.K. – Sim. Algum tipo de integração com o corpo será um fator. Isso [mostra seu smartphone] só está aqui por cinco anos. Antes deles, havia telefones que não podiam fazer muita coisa. A tecnologia está evoluindo num ritmo muito rápido, por isso é difícil demais prever o que vai acontecer em dez anos.

Vamos ver algum tipo de sistema de texto e voz que faz as duas coisas ao mesmo tempo, intercaladas, a voz virar texto e o texto virar voz?

J.K. – Isso seria bastante divertido. Eu não tinha pensado nisso. Mas é uma boa ideia.

Os serviços de mensagem mudam a maneira como maneira como comunicamos ideias? Porque é diferente até do e-mail, não tem corretor…

J.K. – As coisas estão mudando num sentido de serem mais rápidas, mais em tempo real. No e-mail, você manda a mensagem, não sabe se a pessoa respondeu, espera um tempo, recebe uma resposta um dia depois, ou uma semana depois. E ainda assim foi possível tanta coisa com e-mail. Toda a internet foi construída sobre e-mail, as pessoas criaram protocolos e softwares livres em cima de e-mails. A coisa está ficando mais em tempo real, mais pessoais. Do jeito que a tecnologia está indo, vamos ter aquela coisa do Minority Report, de trocar arquivos. No fim das contas, isso vai tornar a vida das pessoas mais fácil.

“Essa parceria é para o WhatsApp continuar a crescer”

Essa coisa toda vai ajudar ou atrapalhar as pessoas a falarem corretamente sua língua?

J.K. – Espero que não [atrapalhe]. As pessoas sempre tiveram preocupações quando novas tecnologias apareceram. Quando surgiu a TV, preocupavam-se porque as crianças estariam vendo TV demais. Preocupam-se porque as crianças estavam ouvindo rock and roll. Preocupavam-se que as crianças estavam jogando videogame demais. Ou gastando tempo demais na internet. Lembro-me que 15 anos atrás, as pessoas estavam falando sobre vício em internet. Agora todo mundo está na internet e isso é normal, não é? Há um risco de que a linguagem e a gramática possam evoluir e mudar um pouco. Mas acho que, apenas porque cada tecnologia carrega preocupações e questões, não deveríamos entrar em pânico por causa disso. Tudo em moderação, não?

O sr. já falou várias vezes sobre o quanto privacidade é importante, tanto para o sr. pessoalmente quanto para a empresa. Agora o WhatsApp é parte do maior banco de dados de humanos já feito. As pessoas deveriam se preocupar com a informação que dão para o WhatsApp?

J.K. – Nós não coletamos dos nossos usuários nenhuma informação que seja personalizada. Não sabemos seu nome, não sabemos sua idade, não sabemos seu sexo, não sabemos onde vive, não sabemos seu endereço de e-mail, não sabemos onde trabalha, não sabemos o que comprou, não sabemos seu cartão de crédito. Se você nos paga, toda a transação acontece pelo Google ou pela Apple, então não temos sua informação de pagamento. E não guardamos suas mensagens. Elas são enviadas para o seu celular. Nós sabemos muito pouco sobre nossos usuários. Tudo o que sabemos é o seu número de celular e quem, dos seus amigos, também está usando WhatsApp.

É importante que as pessoas entendam que, em vez de enlouquecerem dizendo “meu Deus, o WhatsApp é parceiro do Facebook”, elas deveriam ter uma abordagem mais simples. O que isso significa? Significa duas coisas: 1 – nós não retemos nenhum dado que você nos dá; 2 – não temos planos de mudar isso. O WhatsApp vai continuar operando da maneira que tem operado. Todo o motivo para essa parceria é para o WhatsApp continuar a crescer. Queremos que ele chegue a 1 bilhão de usuários. Queremos que ele chegue a 2 bilhões de usuários. E a maneira de chegar a 2 bilhões de usuários é continuar a fazer o que você tem feito. Se nós mudarmos, não teremos tanto sucesso.

“Não temos planos de integração”

O que deveria ser feito em relação à crescente preocupação das pessoas ao redor do mundo com privacidade?

J.K. – Como empresa, temos assistido isso do lado de fora do campo. Não estivemos envolvidos. Em geral, eu tenho visões políticas muito libertárias. Penso que o governo deveria ser muito pequeno e não se meter na vida das pessoas, seja em assuntos sociais ou em quaisquer outros assuntos. Na minha opinião, esse não é um debate tecnológico. Esse é um debate político. Então, eu discutiria isso com as pessoas dentro da perspectiva política e perceberia que esse é um exemplo de como o governo tem sido grande demais. Esse é um exemplo de como o governo se coloca como obstáculo das empresas, no caminho do progresso, e temos que tirá-lo daí.

Algumas pessoas dizem que o negócio da semana passada levou as cifras da internet a um novo patamar. Vamos ver mais negócios desse tamanho de agora em diante?

J.K. – Não acredito que esse negócio tenha tanto a ver com as cifras. Estamos olhando isso mais como uma parceria. Mark me pediu para fazer parte da diretoria do Facebook e a maneira como olhamos o futuro, a visão que temos para a empresa, é muito semelhante. Nós pensamos mais em como podemos trabalhar juntos para tornar o mundo mais aberto e conectado. Como fazer essa parceria funcionar. Não temos planos de mudar nada. Não temos planos de integrar. O WhatsApp vai ficar como uma empresa independente, autônoma. Para nós, isso não tem tanto a ver com o preço. Tem a ver com a maneira como pensamos a parceria.

“O Facebook tem a publicidade e as assinaturas”

Por que escolheu o North County Social Services para assinar o contrato?

J.K. – Na verdade, não foi minha ideia. Foi do pessoal da Sequoia. Jim Goetz, que era um investidor na nossa empresa, alguns anos atrás eu lhe disse, numa caminhada fora do escritório, passando ao lado de um edifício, eu disse: aliás, veja esse edifício, era aqui, 20 anos atrás, quando vim para os EUA, que eu pegava os tíquetes de comida do governo. Então, ele lembrou, e enquanto os advogados preparavam os papéis, dez minutos antes de assinar, ele disse, ok, vamos para o carro. Então foi ah… Eu me senti um pouco acabrunhado, um negócio tão grande que assinamos, eu sou o cara, mas no fim eu gostei de termos feito isso, foi um momento muito marcante.

É verdade que vocês assinaram o contrato na quarta-feira porque o sr. tinha passagem com milhas para vir aqui [a Barcelona, na quinta-feira]?

J.K. – Sim, é verdade.

O sr. disse que a negociação não foi tão sexy assim. Mas pelo menos gostou dos morangos com chocolate?

J.K. – É, estavam bem bons mesmo…Mas na verdade eu me senti mal, ontem era o aniversário de Priscilla, a mulher de Mark, então nós mandamos flores para ela, bolo, tentamos ser especialmente carinhosos no aniversário dela.

No passado, o sr. disse que, quando a publicidade está envolvida, o usuário é o produto. O sr. acredita que o Facebook tem agora 1 bilhão de produtos?

J.K. – O Facebook agora fortaleceu seus negócios porque conta com dois caminhos de receita. Eles têm um canal de renda na publicidade e outro canal das assinaturas via mobile [no WhatsApp]. No geral, isso faz do Facebook uma empresa mais forte, que pode ser construída para o longo prazo. Olhe para as grandes companhias do século passado, como a General Eletric. Ela diversificou suas unidades de negócios para fazer coisas diferentes, mas todas contribuem para uma grande empresa e uma grande causa. É a mesma coisa aqui. O resultado é que teremos uma companhia como o Facebook que terá duas maneiras muito boas de conseguir renda.

“O que é tempo livre?”

Vocês farão algum tipo de integração entre as ferramentas do WhatsApp e as do Facebook?

J.K. – Não temos planos de fazer nenhum tipo de integração. Vão ser muito minimalistas. A razão para isso é simples: temos um time de engenharia muito pequeno [a equipe inteira do WhatsApp hoje é de 55 pessoas]. Integrações são destruidoras de valor nas aquisições. Eu já vi integração do Geocities, do Flickr, de Altavista, todas essas companhias tentaram se integraram e falharam, falharam e falharam. Tanto eu quanto Mark acreditamos que, quando você começa a integrar, é quando tudo quebra. Nosso objetivo é não ter integração.

Vocês vão cobrar mais com o serviço de voz [que será lançado no próximo trimestre; a anualidade hoje é de US$ 0,99]?

J.K. – É uma possibilidade. Ainda não discutimos de verdade. Seria categórico demais eu dizer que não. Mas não temos planos de cobrar mais agora. Pode ser uma possibilidade no futuro. Você sabe, a moeda muda, há inflação, vamos ter de contratar mais gente obviamente.

Me contaram que, no sábado, quando o WhatsApp saiu do ar, o sr. estava jantando em um restaurante em Barcelona e deixou o lugar para ajudar a resolver o problema. O que o sr. fez?

J.K. – Eu fui embora de volta para o hotel, abri meu laptop e comecei a trabalhar. O que mais eu fiz? Eu digitei comandos. Trabalhei algumas horas. Mas não fui só eu. Todo mundo trabalhou. Todo mundo estava envolvido, o co-fundador.

O serviço Telegram caiu depois de vocês [o WhatsApp ficou fora do ar no sábado, no seu mais longo bug] porque não podiam administrar a quantidade de pessoas que tentava usá-lo. O servidor é a questão mais importante do seu negócio?

J.K. – É. Por isso que quando me perguntam o que vai ser do futuro daqui a dez anos, eu digo que não tenho tempo de pensar em dez anos porque estou tão ocupado fazendo com que nossos servidores funcionem agora para que atendamos nossos usuários hoje.

Por que o sr. se sentiu atraído para morar no Vale do Silício?

J.K. – Há um monte de venture capital, muitos engenheiros querendo mudar-se para o Vale do Silício e escolas na região, como Berkeley e Stanford, produzindo bons engenheiros. É uma combinação de todas essas três coisas. Mas não acho que o Vale do Silício seja único. Acho que há outros lugares do mundo onde são construídas grandes companhias. Há ótimas empresas sendo montadas em Moscou, em Berlim, na América Latina.

Como é virar bilionário e pop star?

J.K. – Eu nem penso nisso. Para mim, o importante é completar a missão, tocar a companhia e construir um produto que as pessoas possam aproveitar.

O que gosta de fazer no seu tempo livre?

J.K. – O que é tempo livre? Gosto de ler e ficar com amigos, viajar. Se eu posso não trabalhar, já está suficientemente bom para mim.

Já foi ao Brasil?

J.K. – Está na minha lista de países a visitar. Já fui à Argentina, mas não ao Brasil.

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Buginterrompeu primeiro jantar como bilionário

No sábado passado [22/2], Jan Koum foi comer no Tickets, bar de tapas do chef Ferran Adrià, em Barcelona. Mas seu primeiro jantar de final de semana após fechar o bilionário contrato com o Facebook acabou interrompido prematuramente pelo maior bug da história do WhatsApp. “Fui embora de volta para o hotel, abri meu laptop e comecei a trabalhar. O que eu fiz? Digitei comandos”, disse Koum à Folha. “Trabalhei algumas horas, até os servidores voltarem. Mas não só eu. Todo mundo, meu cofundador, todos os engenheiros.”

Nem foi, aliás, o primeiro jantar interrompido que Koum presenciou na série de dias nada ortodoxa que vem vivendo. A conversa definitiva com Zuckerberg aconteceu em 14 de fevereiro – Dia dos Namorados nos EUA. Ele chegou à casa do dono do Facebook, descobriu que ele estava oferecendo morangos cobertos com chocolate à sua mulher, Priscilla Chan. “Eles [os morangos] estavam bons mesmo”, reconhece. “Mas na verdade eu me senti mal [por interrompê-los].” Anteontem, aniversário tanto de Koum quanto de Chan, ele tentou limpar a barra com a mulher do novo parceiro de negócios, que também estava em Barcelona. Ofereceu flores e bolo, para ser “especialmente simpático”.

Depois que Koum e Zuckerberg acertaram o preço em meio aos morangos e anunciaram a novidade ao mercado, faltava assinar os papéis. Mas ele começou a temer que os advogados não conseguissem terminar os contratos até o dia D, quarta-feira passada [19/2]. O problema é que havia comprado a passagem para Barcelona para quinta – e tinha usado milhas. No blog de aviação “Flyertalk”, descreveu assim a situação: “Quando o risco de atraso ficou real, eu disse: Tenho bilhete que comprei com milhagens e eles não são facilmente trocáveis. Isso tem que ser feito na quarta” (ontem, ele confirmou à Folha ser mesmo o autor do post).

Depois que os papéis ficaram prontos, nova surpresa. Dez minutos antes da assinatura, Koum foi chamado por Jim Goetz, investidor do Sequoia – fundo que, segundo a agência Bloomberg, colocou US$ 8 milhões no WhatsApp em 2011 e faturou US$ 3,5 bilhões com a venda. Goetz lhe disse para irem para o carro. Levou-o até o prédio do North County Social Services. Era ali que, após se mudar para os EUA, em 1992, Koum pegava tíquetes do programa de alimentação do governo. “Eu me senti um pouco acabrunhado”, explicou ontem. “Um negócio tão grande que assinamos… mas no fim eu gostei [de ter assinado os papéis ali], foi um momento muito marcante.”

Até agora, tentou manter um estilo low profile, pessoalmente e para a empresa. “Se posso ter tempo livre, sem trabalhar, já está suficientemente bom para mim.” Mas, como pergunta o próprio Koum: “O que é tempo livre?”

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Roberto Dias, da Folha de S.Paulo, em Barcelona