Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quem quer ser um narrador?

Lembrei-me de um papo com Fernando Bonan, na ocasião da entrevista na Quinta da Boa Vista. O locutor da Transamérica falava que narrador bom tem talento nato. Neste final de semana, ouvi de tudo. Erros de concordância, bordões até pitorescos, informações erradas. Sim, era o rádio do Rio de Janeiro. O mesmo consagrado por Jorge Curi, Waldir Amaral, Doalcei Camargo e tantos outros.

Nas faculdades de comunicação, o aluno faz quase de tudo. Mas ensinar a pensar é raro. Um coleguinha repórter, por exemplo, após a vitória de uma equipe considerada grande, repetiu por seguidas vezes. “Essa vitória dá um gás a mais no campeonato?” No começo da partida, o mesmo coleguinha perguntou para dois personagens do mesmo time a célebre… “Qual a expectativa para a partida?” Incomodou o fato de que muitos falam “brasilero”, e não brasileiro. Ou então “Goiais”, e não Goiás. Como receita de bolo, alguns vomitam palavras como se máquinas fossem.

Nas entrevistas coletivas, alguns se manifestam apenas para constar que estão ali, repetindo assuntos já abordados (como se não perguntar fosse uma derrota profissional). Deixo claro que não é minha intenção minimizar o valor que uma boa universidade tem na formação de um profissional. No CPOR-RJ, um conhecido sargento, amante do futebol, sentenciou. “Na comunicação hoje tem um bando de faladores de notícias. Ninguém raciocina sobre o que fala. Acionam a boca pra garantir o salário no fim do mês.” Será que ele está errado?

Bons exemplos

Não é segredo que nosso país atravessa uma avassaladora crise educacional. O pacto entre professores, alunos e familiares está fragmentado. Professores, como sempre, estão mal remunerados. Universidades mal geridas estão à beira da falência, diretores de escolas públicas pressionam os mestres para darem notas “adequadas” apenas para bater metas garantindo a bonificação para a escola. Uma massa de estudantes está chegando às universidades e ao mercado de trabalho como analfabetos funcionais. Não conseguem participar de todas as atividades em que a alfabetização é necessária 20,4% dos brasileiros com mais de 15 anos, o mesmo índice observado em 2009 pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Obviamente, temos como produto desta equação sombria profissionais muito piores em todas as áreas. Estamos muito distantes dos dias em que um repórter lia muito, assim como Danilo Bahia, que levava ideias diferenciadas para um microfone. Divido essa visão com o veterano cronista que me lê e dou a mão à palmatória caso estiver exagerando. Não sou saudosista. Mas ao constatar que José Carlos Araújo, Apolinho, Francisco Aiello, Ronaldo Castro, Carlos Eduardo Éboli, Eugênio Leal não são eternos, me bate uma tristeza fenomenal. O futuro, de repente, ficou menos interessante. Lógico que os tempos são outros. Mas é flagrante que houve uma perda qualitativa entre os locutores esportivos do rádio, a ponto da atividade estar se tornando uma coisa comum.

Vamos combinar algumas coisas. Narrador tem que posicionar permanentemente a bola, criar cenários para quem não está vendo a partida, comandar a transmissão. Ficar falando “ali” para quem não está vendo chega a ser risível. Jorge Curi tinha um vozeirão. Mas respeitava os ouvidos alheios. Assim como Kléber Leite e Dennis Menezes, quando estavam atrás dos gols, davam detalhes além do que o narrador já disse. Os exemplos são feitos para serem seguidos. Talento nato sem esforço e um pouco de leitura não basta.

Que tipo de mídia nós temos e estamos formando?

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Sergio Solon Santos é jornalista, Rio de Janeiro, RJ