Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ônibus de Google e Facebook gera debate sobre desigualdade

Peter Seto acorda às 5h30m, toma café e faz o trajeto de 18 minutos até a orla de San Francisco. Lá, ele ocupa o assento de motorista do ônibus de luxo, equipado com vidro fumê, assentos macios, TVs e internet sem fio, para trabalhar como chofer de um veículo repleto de programadores da Bay Area.

Seto, de 60 anos, está se beneficiando de um setor tecnologia cada vez mais rico e que vem recrutando motoristas de ônibus para transportar empregados para Google, Facebook e outras companhias. No entanto, o salário anual de US$ 50 mil dificilmente pode ser considerado luxuoso, numa cidade onde os engenheiros de software recém-formados podem ganhar mais de o dobro desse valor e que provocaram um boom imobiliário que empurrou os preços médios dos imóveis para mais de US$ 850 mil.

“É muito difícil para algumas pessoas”, diz Seto, que virou motorista de ônibus depois que sua empresa de roupas fechou. “Vi muitos amigos se mudando. Preferem comprar uma casa fora da cidade.”

“O desafio de nosso tempo”

Os motoristas particulares de ônibus de San Francisco estão no centro de um debate sobre desigualdade de renda e o papel do novo rico tecnológico em tornar a cidade economicamente inacessível aos demais residentes. Com os maiores preços de aluguel dos Estados Unidos e o volume de despejos residenciais no maior nível em sete anos, a crescente presença de ônibus corporativos nos bairros mais densamente populosos provocou protestos e atos de vandalismo ocasional numa cidade conhecida por sua tolerância.

A crescente desigualdade de renda está chamando a atenção, com o presidente Barack Obama classificando-a como “o desafio definidor de nossos dias”, no discurso do Estado da União feito no mês passado. O Boletim da CIA coloca o país no 41º lugar entre 136 países no ranking da distribuição de renda familiar. A crescente disparidade entre ricos e pobres foi o estopim do movimento Occupy Wall Street, em 2011.

Em San Francisco, essa tendência criou um enigma econômico. A oferta pública inicial de ações de Facebook e Twitter, e o influxo de companhias de tecnologia criou empregos, maior arrecadação e uma demanda crescente por jantares de luxo e reformas multimilionárias de imóveis. Só na semana passada, o Facebook comprou a empresa do aplicativo de mensagem móvel WhatsApp por nada menos do que US$ 19 bilhões.

A taxa de desemprego na cidade caiu para menos de 5%, comparado aos 6,6% do país. Por outro lado, o custo médio mensal de um apartamento de dois quartos saltou 12% em janeiro, frente ao mesmo mês de 2013, para US$ 3.350, segundo o site de mercado imobiliário Trulia. San Francisco tem o segundo maior nível de desigualdade do país, perdendo apenas para Atlanta, segundo relatório do Brookings Institution, divulgado no último dia 20. “Enquanto muita gente está se beneficiando, especialmente aqueles que estão se mudando para cá para trabalhar no setor tecnológico, muitos moradores antigos não estão se beneficiando”, analisa Erin McElroy, de 31 anos, que organizou bloqueios para protestar contra os ônibus como membro do grupo “Fim do Despejo em San Francisco”. “Os ônibus são definitivamente um símbolo de uma mudança sistêmica maior e gentrificação.”

No último dia 12/02, trabalhadores da saúde fizeram um protesto em frente à sede do Twitter, contra isenções de impostos. Por outro lado, o ex-investidor Tom Perkins provocou uma tempestade on-line no mês passado, depois de comparar o recente tratamento dos ricos americanos à perseguição dos judeus pelos nazistas.

Classe média

Seto, que é motorista da Bauer’s Intelligent Transportation, não presta muita atenção ao debate sobre desigualdade, mesmo após um incidente em dezembro, no qual manifestantes quebraram o vidro de uma das janelas e cortaram um pneu de um ônibus da Google, em Oakland. Vestido com um uniforme escuro e cabelos cortados na moda, Seto diz que ele aprecia as viagens em seu ônibus de 56 passageiros, alguns dos quais já lhe deram vinho, chocolate e cartões no Natal. Em geral, eles ficam na deles, escrevendo em seus laptops e celulares, diz ele.

Contratos de confidencialidade impedem que a Bauer e seus empregados revelem para quais companhias estão trabalhando. No site, a Bauer lista Facebook, Yahoo! e Hewlett-Packard, entres seus clientes.

Seto, que imigrou para San Francisco de Hong Kong há 40 anos, teve sorte. Conseguiu comprar uma casa por US$ 150 mil nos anos 1980. Com sua mulher, funcionária da prefeitura, Seto criou dois filhos na casa, localizada no bairro de Sunset, uma área de névoas que se projeta sobre o Oceano Pacífico. Alguns de seus colegas se mudaram para regiões mais baratas, como Stockton, 129 quilômetros distante, o que exige demoradas baldeações para chegar ao trabalho. “Tive muita sorte por ter comprado (a casa). E é por isso que posso viver na cidade”, diz Seto. “Estive pensando em vendê-la, mas mudei de ideia porque meus filhos gostam e eu adoro viver na cidade.”

Muitas pessoas na faixa salarial de Seto estão lutando em San Francisco, à proporção que as companhias tecnológicas proliferam. Engenheiros de softwares em Google, Facebook, Apple e Twitter ganham em média entre US$ 110 mil e US$ 120 mil por ano, sem incluir bônus, de acordo com o site de emprego Glassdoor. O prefeito Ed Lee disse, em uma entrevista recente para a revista Time, que a classe média em San Francisco abrange aqueles com renda entre US$ 80 mil e US$ 150 mil por ano.

Conflito cultural

A rota de Seto o leva através do bairro Mission, tradicionalmente proletário e latino, que vem sofrendo um processo de gentrificação, com a chegada de uma leva de desenvolvedores de software e cafeterias que funcionam como espaços de trabalho.

Jordan Price, um designer de software de 34 anos, trabalhou recentemente como contratante para a Apple e viajou no ônibus de San Francisco para Cupertino. Ele classifica os ônibus como “presas fáceis para situações complexas”, porque até mesmo programadores bem pagos podem ter problemas para acompanhar o aumento do custo de vida. “As pessoas no ônibus não eram milionárias”, diz Price, que cresce como grafiteiro em San Francisco. “Definitivamente ouvi pessoas que estavam bem conscientes de seus orçamentos.”

Christopher Carrington, professor de Sociologia da State University e morador da cidade há 25 anos, vê uma diferença cultural entre moradores de longa data e os empregados de empresas tecnológicas. E os ônibus alimentam uma percepção de que a comunidade tecnológica é insular e desligada dos valores da cidade, cuja tradição de engajamento cívico é valorizada por moradores tradicionais. Ele cita como exemplo um amigo que trabalha na Apple e tirou a camiseta com slogan corporativo antes de entrar num bar. “Ele disse: ‘Não posso usar isso aqui. Vou sofrer muito’”, diz Carrington.