O Brasil foi, e ainda continua a ser, a nação que por último consegue avançar no sentido das conquistas sociais, mas, infelizmente, sempre foi o primeiro a dar passos no sentido retrógrado e anacrônico, no sentido ditatorial e do conservadorismo dos seus vícios sociais e políticos, e em sanar suas dívidas sociais. Fomos o último a conquistar a independência da dominação européia e a pôr fim à escravidão, mas fomos o primeiro a adentrar o submundo da ditadura militar em toda a América; todos os países do continente já puniram os seus torturadores, inclusive ex-presidentes – o Chile foi um bom exemplo neste sentido – e nós, além de não punirmos os nossos torturadores, quiçá ainda somos os últimos a quebrar as forças oligarcas e totalitárias.
Hoje, ainda estamos atrás de várias nações da América no quesito educação; enquanto Cuba e Estados Unidos ostentam um percentual de 60% dos seus jovens frequentando os bancos da Universidade, o Brasil, depois de tantos programas paliativos, ainda se arrasta com um pífio 13% de estudantes frequentando a universidade. Ainda amargamos a dolorosa marca de mais de quinze milhões de jovens entre 15 a 18 anos fora do nível de ensino médio. As nossas crianças continuam sem escola, sim, digo sem escola porque o que temos é um ‘tapa-buraco,’ não é escola no sentido lato do termo; as nossas crianças ficam meio período na escola, isto quando existem vagas, e o resto do dia ficam em situação de risco, expostos ao tráfego, quando o certo era haver escola em período integral para todas as crianças deste país; mas como faltam vagas nas escolas, o sistema educacional nacional cria turnos, deixando as crianças ficarem meio dia desamparadas.
Ainda vemos estas mesmas crianças e adolescentes serem exibidas pela Globo realizando a prática esportiva de pés descalços, no asfalto escaldante, e a emissora televisiva exaltando o heroísmo individual dos garotos e garotas, ao invés de deplorar a desigualdade social do país. Neste momento, a mídia brasileira está veiculando a possibilidade de termos mais uma beata brasileira; trata-se de uma jovem mineira. Assisti na terça feira (1/9) a uma reportagem veiculada pela TV Globo sobre o assunto. Foram entrevistados alguns beneficiados por supostos milagres intercedidos pela futura beata. Foram ouvidas duas testemunhas: uma afirmou ter conseguido uma cirurgia e atribuiu isto a um milagre; outra pessoa disse ter conseguido o milagre de ter conseguido encontrar um emprego. Que país é este, onde todos deveriam ter direito à saúde e à proteção contra o desemprego como política de Estado, mas ainda encara como milagre, como uma interferência do sobrenatural quando alguém consegue uma cirurgia, ou um emprego?
Questões néscias
Enquanto isto, o que temos testemunhado são os nossos agentes do poder público e a nossa mídia, preocupados com conspirações políticas, pensando pequeno no que concerne ao contrato social, a um agente republicano, ou até mesmo de outros regimes que não sejam o republicanismo, mas que tenham como função e fundamento cuidar da coisa pública. Não precisa ser um Péricles para atender os direitos dos governados, mas o agente público precisa pensar para além de conspirações para se chegar ao poder. Precisam pensar em governar, se não com os governados, pelo menos para os governados. Temos, hoje, no Brasil, um presidente de orientação popular, mas ainda lidamos com um Congresso do tipo do parlamento que levou Luiz Bonaparte a desferir o golpe de Estado na França. Se Tocqueville afirmava, em A Democracia na América, que os Estados Unidos, já no século 19, primavam pelo municipalismo, o Brasil ainda se encontra longe de consolidar o seu pacto social federativo. O nosso Congresso ainda está povoado por figuras que compõem uma miscelânea de gente ligada ao ancien régime. São oligarcas pouco afeitos à busca da efetivação do que versa no artigo 3º da Constituição cidadã de 1988, no qual Constituem os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, que são:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
A mídia brasileira ainda não tem como propósito primeiro informar a sociedade e caminhar lado a lado com esta na busca da construção do que está escrito no inciso I do artigo 3º da Constituição cidadã de 1988. Uma prova eloquente disto é o comportamento desta mídia no que se convencionou chamar ‘crise no Senado’. Na verdade, o que a mídia intitulou de crise, não passa de mais uma onda de querelas, de intrigas palacianas, de uma oligarquia que quer reassumir a hegemonia do poder gerador de benesses a uma minoria e, com isso, alijando de vez a sociedade civil organizada ligada às classes populares. Uma outra clarividência de que a mídia brasileira destina mais atenção a questões néscias do que às grandes questões nacionais foi quando da morte de Marcio Moreira Alves (o Marcito). Na oportunidade, o programa global Fantástico dedicou dez vezes mais tempo para falar do chulé de um garoto e falou superficialmente da morte do parlamentar que desafiou o regime militar. Da mesma forma, a mídia tem tratado a querela e a disputa pelo controle do Estado brasileiro que se instalou no Senado da Federação brasileira. Da mesma forma que a mídia não tem cumprido o seu papel como agente público – todo veículo de comunicação é uma concessão pública –, o Senado Federal também tem deixado a desejar no cumprimento das suas funções.
Parâmetros da lei de diretrizes orçamentárias
Segundo a nossa Constituição de 1988, o Senado Federal do Brasil teria, dentre as diversas funções, a de assegurar a unidade da Federação. Esta Constituição afirma textualmente no seu art. 52 que, compete privativamente ao Senado Federal:
I – processar e julgar o presidente e o vice-presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os ministros de Estado e os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles (redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 02/09/99);
II – processar e julgar os ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o procurador-geral da República e o advogado-geral da União nos crimes de responsabilidade (redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004);
III – aprovar previamente, por voto secreto, após argüição pública, a escolha de:
a) Magistrados, nos casos estabelecidos nesta Constituição;
b) Ministros do Tribunal de Contas da União indicados pelo presidente da República;
c) Governador de Território;
d) Presidente e diretores do Banco Central;
e) Procurador-geral da República;
f) titulares de outros cargos que a lei determinar;
IV – aprovar previamente, por voto secreto, após argüição em sessão secreta, a escolha dos chefes de missão diplomática de caráter permanente;
V – autorizar operações externas de natureza financeira, de interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios;
VI – fixar, por proposta do presidente da República, limites globais para o montante da dívida consolidada da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
VII – dispor sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público federal;
VIII – dispor sobre limites e condições para a concessão de garantia da União em operações de crédito externo e interno;
IX – estabelecer limites globais e condições para o montante da dívida mobiliária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;
XI – aprovar, por maioria absoluta e por voto secreto, a exoneração, de ofício, do procurador-geral da República antes do término de seu mandato;
XII – elaborar seu regimento interno;
XIII – dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias; (redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998);
Querelas e picuinhas
XIV – eleger membros do Conselho da República, nos termos do art. 89, VII;
XV – avaliar periodicamente a funcionalidade do Sistema Tributário Nacional, em sua estrutura e seus componentes, e o desempenho das administrações tributárias da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios (incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003).
Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.
Como se percebe, são muitas as competências do nosso Senado, não deveria haver espaço e tempo para os nossos nobres senadores e senadoras se ocuparem com querelas e picuinhas. O que temos visto são as parvoíces ocuparem a agenda do nosso nobre Senado. Um país com as dividas sociais como são as do Brasil, não deveria ter um Sendo e uma mídia tão ocupados em nada fazer. Se formos olhar e analisar bem, o nosso Senado tem trabalhado até demais, mas só que tem concentrado a maior parte do seu tempo em bate-bocas e conspirações, sendo pouco produtivo naquilo que é do interesse público.
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Filósofo e educador