O site YouPix, que melhor cobre a cultura digital brasileira, descolou uma pesquisa que bem mostra o que muitos já sentimos. Uma análise de posts publicados nas redes sociais entre janeiro de 2013 e o mesmo mês, em 2014, revela que ficamos 20% mais negativos. A pesquisa, do Centro de Inteligência e Informação do grupo Flag, usa uma técnica que permite aferir a emoção de cada texto publicado: se positiva, neutra ou negativa. O clima está mesmo ruim. Segundo a avaliação dos especialistas ouvidos, os motivos são vários. Passam invariavelmente pelas manifestações que tomaram as ruas do país, a radicalização ideológica e até uma certa falta de cultura digital. Estamos todos aprendendo a nos portar online. A explicação, porém, pode ser bem mais simples. É a economia.
Em todos os lugares nos quais ocorreram as grandes manifestações de rua nota-se uma nítida relação da insatisfação popular com a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
Até 2007, a taxa de crescimento mundial se mantinha estável. Em 2008, sofreu um baque e, em 2009, foi à lona. Os EUA ditam o ritmo. Têm a maior economia interna e deles dependem outros países. O plano de recuperação econômica posto em prática trouxe de volta o nível de crescimento para cima em 2010 e, desde então, ele vem oscilando.
A história em outros países, porém, varia de acordo com a região, com a estabilidade política. Se os EUA ditam o ritmo, cada qual traz para a fórmula suas peculiaridades. Na Tunísia, berço da Primavera Árabe, o PIB cai em 2008, cai mais em 2009 e, diferentemente dos americanos, não se recupera em 2010. A população, lá, não aguentou três anos seguidos de crise econômica. Em 2010, foi às ruas.
Motivos justificáveis para revolta
No Egito, o ritmo é o mesmo embora deslocado em um ano. A crise se inicia apenas em 2009. Em 2011, após três anos de queda constante, a população também foi às ruas. Há uma diferença. Na Tunísia, o novo governo assume em 2011 e os dois anos seguintes são de crescimento. No Egito, não. A economia se estabiliza numa taxa de crescimento muito mais baixa. Resultado é que em um país os protestos persistem. No outro, não.
Outros dois países nos quais as manifestações persistem são Grécia e Espanha. No primeiro, os protestos começam em 2010, quarto ano de queda continuada. No segundo, o padrão é um pouco mais complexo. Após uma queda brutal em 2008, a Espanha tem um princípio de recuperação. É uma busca de fôlego sofrida, que nunca se aproxima do patamar de 2005, 2006. Em 2011, volta a cair. E é neste ano que os espanhóis vão questionar seus governantes. O último, aliás, 2013, foi terrível.
No Brasil, a história é a mesma. Vínhamos num sólido ritmo de crescimento interrompido em 2008, com queda mais forte em 2009 e recuperação para 2010. Aí duas fortes quedas: 2011 e 2012. E 2013, embora um quê melhor, ainda deixa a desejar. Os protestos brasileiros tiveram início quando a classe média já estava há mais de um ano lidando com alta inflação de alimentos, moradia e serviços.
A história raramente é contada do ponto de vista macroeconômico. Entre nós, são as dificuldades no transporte e de serviços em geral. Na Índia, um longo histórico de violência sexual contra mulheres foi a fagulha da explosão social. E a mesma Índia já estava no segundo ano de fortes quedas. Na Tunísia a explosão veio quando um vendedor pobre se imolou após os constantes achaques de autoridades corruptas.
Todos são motivos justificáveis para revolta. Mas o que faz o povo se unir é uma sensação de sufoco. De que está difícil. Invariavelmente, o que torna a vida difícil é falta dinheiro. São as contas que não fecham. É ter de se mudar para um lugar pior, transferir os filhos de escola.
O PIB não existia. Foi inventado pelo governo Franklin Roosevelt na década de 1930 para medir o andamento da economia em tempos de crise. Outro presidente americano, Bill Clinton, tinha um assessor que explicava os humores da nação assim: É a economia, bobinho. Sempre é.
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Pedro Doria é colunista do Globo