Você conhece o Plano Diretor Estratégico (PDE)? A esta pergunta, as respostas basicamente não se diferenciam. De um simples “não” a uma tentativa de chute, pouquíssimas pessoas sabem de fato para que serve o tal do PDE. Na visão de José Américo, presidente da Câmara Municipal de São Paulo, a imprensa também não tem muito interesse no assunto. “Infelizmente a imprensa deixa de lado, não discute. Nós estamos discutindo o futuro da cidade para os próximos anos”, diz. José Américo tem conhecimento de causa. Além de vereador, é o primeiro presidente da casa que é jornalista. “Falta muita cobertura porque é uma coisa fundamental e diz respeito a todo mundo.”
A falta de cobertura por parte dos veículos de comunicação pode refletir o desconhecimento nas ruas, por parte dos cidadãos. O Plano Diretor Estratégico (PL 688/2013), principal instrumento para o planejamento da cidade, está sendo revisado. O texto final, se aprovado, vai orientar as mudanças que ocorrerão em São Paulo nos próximos dez anos. A versão atual data de 2002, gestão da ex-prefeita Marta Suplicy, atual ministra da Cultura no governo federal.
Alguns grandes jornais dedicam espaço para o debate sobre determinadas questões da revisão do plano, mas, para o vereador, a imprensa eletrônica ainda ignora a importância de cobrir assuntos relacionados à cidade. A Folha de S.Paulo, entre artigos de opinião, matérias e debates, citou, desde novembro do ano passado, cerca de 40 vezes o novo Plano Diretor, a ser aprovado ainda neste semestre.
A omissão de várias administrações
A prefeitura e a Câmara, juntas, fizeram mais de 100 audiências públicas. Foram mais de 200 sugestões, críticas e recomendações recebidas por parte da população, entidades da sociedade civil, movimentos sociais, universidades e vereadores. A grande imprensa tem ignorado. “A Câmara Municipal realizou 48 audiências, que reuniram milhares de pessoas. Nelas, foram colhidas propostas que serão incorporadas ao texto substitutivo ao Projeto de Lei 688/2013 a ser votado pelos vereadores. Parece incrível, mas a mídia pouco noticiou esse processo. Mais do que nunca, precisamos democratizar o acesso à informação e de jornalistas comprometidos com o interesse público”, diz Américo.
O projeto de lei que está em andamento traz as questões de mobilidade urbana, aproximação da residência ao trabalho e adensamento de áreas com fácil acesso ao transporte público como primordiais. A falta de conhecimento acarreta em uma ausência de observação do que está sendo feito – e do que não está dando resultado. O plano está, literalmente, no papel e serve como diretriz para os avanços que ocorrerão na cidade. Assim, não é consenso.
Na opinião do pesquisador e urbanista Marcelo Bernardini, sempre há falhas em um plano diretor. “Sempre há falhas, porque ele é bastante complexo e os prazos políticos para sua aprovação sempre são curtos. Além do que, há varias divergências ideológicas sobre como conduzir a gestão da cidade.” As dificuldades de se realizar um plano diretor residem justamente em lidar com aquilo que já foi feito de maneira equivocada, que não se trata de algo difícil em uma cidade como São Paulo, fruto de um crescimento desordenado. “Os problemas de São Paulo estão diretamente ligados à omissão de várias administrações que nunca levaram em conta as necessidades da população como um todo”, diz Américo.
Problema de comunicação
Inundações, diminuição de áreas verdes, queda na qualidade de vida, trânsito ainda mais congestionado pelo excesso do transporte individual, ausência de preservação do patrimônio histórico. São problemas em longo prazo, mas que, ao mesmo tempo, já chega aos nossos olhos. A sensação de que há mais árvores, praças e parques em determinados bairros da cidade, geralmente os de classe média alta, é verdadeira. Enchentes, por outro lado, fazem parte do drama de quem lida com as chuvas tanto em bairros centrais como em zonas consideradas mais distantes. Assim, Santa Cecília e Aricanduva se encontram no mesmo barco.
“Um grande problema que temos é a falta de continuidade nas gestões uma vez que, se um prefeito contrata um serviço ou um plano e não consegue terminá-lo na sua administração, dificilmente ele terá continuidade. Há, por exemplo, vários planos de macrodrenagem que não foram implantados, inclusive um feito da gestão passada, que não tenho noticias de sua continuidade”, diz Bernardini.
No Estatuto da Cidade, lei federal que estabelece normas de ordem pública e interesse social referentes à propriedade urbana, segurança e bem-estar dos cidadãos, há um capítulo inteiro (III) dedicado ao Plano Diretor, que deve assegurar “o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas”. Para Bernardini, apesar de problemas conhecidos da cidade, há uma inabilidade na discussão dos assuntos. “[Com relação] às audiências, e eu estive em algumas, acho que ficou evidente a nossa falta de experiência no assunto. Tanto por parte do poder público quanto da população. As perguntas eram genéricas, as respostas evasivas, os assuntos gerais demais para serem partilhados por todos”, diz.
Duas votações acontecem na Câmara: uma no início de abril e outra em maio. Em abril, o texto, preparado pelo relator Nabil Bonduki (PT) é votado e aprovado pela Comissão de Política Urbana. Após a aprovação, ele segue para o plenário. Neste meio tempo, as emendas são apresentadas ao texto-base. O compromisso com a verdade, defendido por jornalistas, equivale ao compromisso com a sociedade. Não discutir a cidade, como esta deveria ser debatida, é o primeiro passo para se encontrar uma falha neste empenho primordial do jornalismo. Há um problema aí. E é um problema de comunicação.
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Milena Buarque é estudante de Jornalismo, São Paulo, SP