Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Pavel Durov: o Mark Zuckerberg da Rússia

Ele é jovem. Criou uma rede social quando ainda estava na faculdade. Tornou-se milionário ao construir uma outra para colocar amigos em contato. Já foi biografado e fez inimigos. Tem uma dose de excentricidade, mas é cultuado pela nova geração. Ao menos entre os russos. Aos 29 anos, Pavel Durov é para muitos o Mark Zuckerberg da Rússia. À imagem e semelhança do prodígio americano, alcançou o sucesso por seus próprios meios. É o programador por trás da maior rede social de seu país, o VKontakte (expressão russa para “em contato”) e do recentemente lançado aplicativo de mensagens Telegram, o gratuito mais baixado da AppStore em 48 países. Mas, ao contrário de seu paralelo americano, Durov conquistou popularidade e adversários não apenas por suas inovações digitais, mas também por pregar liberdade em um Estado que vigia e controla seus cidadãos e ser um empreendedor à margem do modelo paternalista que vem desde os tempos soviéticos, feito raro no país.

– Ele é o fundador do maior canal de mídia independente (até janeiro 2014) russo. É um libertário. Durov é o herói de um romance perfeito e o VK, um objeto perfeito de investigação – afirma o jornalista Nickolay Kononov, autor da biografia “Durov’s Code”, que refuta o paralelo entre o russo e o americano.

Durov nasceu em São Petersburgo, mas passou parte da infância em Turim, na Itália, devido ao trabalho de seu pai, Valery, um filólogo renomado. É fluente em russo, inglês, espanhol e italiano, segundo enumerou em seu perfil no VKontakte.No retorno à Rússia, Durov entrou no Ginásio Acadêmico da Universidade Estadual de São Petersburgo, onde o interesse pela programação começou a se desenvolver aos 13 anos. Foi na universidade, onde seguiu o pai no estudo de filologia, que criou sua primeira rede social. O site Durov.com foi lançado em 2002 como uma biblioteca eletrônica para alunos da disciplina de humanismo.

Em seguida, ele criou o Spbgu.ru, fórum que permitia a estudantes e professores usarem apelidos e avatares para travar discussões.Foi apenas em seu ano de graduação, 2006, que Durov lançou a rede social que se tornaria a versão russa do Facebook. Vyacheslav Mirilashvili, um antigo colega, entrou em contato e propôs criar uma plataforma semelhante ao Facebook – na ocasião, a rede de Zuckerberg era limitada aos e-mails de universidades americanas. À dupla, uniram-se Lev Leviev, um amigo de Mirilashvili, e Nikolai, irmão de Durov e Ph.D. em matemática.

– O VK foi fundado por Mirilashvili (70% das ações), Pavel Durov (20%) e Lev Leviev (10%). O pai de Mirilashvili (Mikhail) estava na prisão quando o VK lançado. Ele deu um crédito a seu filho de US$ 30.000. Acredito que este fato gerou um rumor sobre a máfia – explica Konovov, que além desse mito buscou em sua biografia eliminar as suspeitas de cooperação do VK com o Kremlin.

Inicialmente chamado Student.ru e depois rebatizado como VKontakte, o site exigia que os usuários usassem seus nomes reais para se inscrever. A interface intuitiva e a bem estruturada versão móvel ajudaram a popularizar o site rapidamente. Sem descartar o apelo inegável de permitir que usuários façam upload de filmes e músicas para assistir e ouvir gratuitamente – um recurso que já rendeu ao VK processo de gravadoras e estúdios de cinema, além do bloqueio de acesso em países como a Itália.Em um ano o VK tinha mais de três milhões de usuários. Em quatro, era 25 vezes maior.

Hoje, tem mais de 240 milhões de usuários, entre eles celebridades como Kevin Spacey, Shakira e Enrique Iglesias, e é a segunda página mais acessada da runet (como a internet russa é conhecida), atrás do buscador Yandex, mas na frente do Odnoklassniki, espécie de Orkut de lá, e do Facebook.

– Durov entendeu que as redes sociais e outros serviços de comunicação de massa são show-business (e não apenas TI-business) e desde então vem atuando como uma estrela do rock – aposta Kononov.

Dinheiro pela janela

Embora não preencha literalmente o quesito “sexo, drogas e rock’n roll”, Durov tem atração por polêmicas. Em maio de 2012, atirou notas de 5 mil rublos (aproximadamente R$ 320) pela janela do escritório da companhia em São Petersburgo. Depois, publicou um vídeo em sua página no VK e comentou que as pessoas começaram a agir como animais antes do esperado.O russo também atraiu uma enxurrada de críticas depois de escrever no Twitter que a vitória de Stalin sobre Hitler na Segunda Guerra Mundial permitiu que o ditador continuasse a repressão contra o povo soviético. Aliás, é na rede que ele mostra sua predileção por Steve Jobs, o filme “Matrix”, o músico John Cage, além de distribuir provocações.”No #MWC (maior congresso de tecnologia móvel do mundo) ouvindo um cara que quer que operadoras forneçam acesso gratuito ao Facebook. Será que isso adiaria a morte lenta do FB?”, escreveu.

No mesmo dia em que Edward Snowden, ex-analista da NSA, ganhou asilo temporário na Rússia, Durov ofereceu-lhe um emprego no VK. “Acredito que Edward pode estar interessado em trabalhar para proteger informações pessoais dos nossos milhões de usuários”, escreveu ele em sua página na rede social.Em outro episódio, em 2011, Durov publicou uma selfie em seu Instagram em que mostrava o dedo do meio para a câmera. Na legenda, a seguinte frase: “Resposta oficial ao grupo-lixo Mail.Ru em sua mais nova tentativa de comprar o VKontakte”.

Apesar da turbulência inicial, o Mail.ru, maior provedor de e-mail da Rússia, controlado pelo bilionário Alisher Usmanov, adquiriu, inicialmente, 40% das ações do VK, mas cedeu o direito de voto a Durov, dando-lhe carta branca para gerir o negócio.Nos últimos dois anos, entretanto, o cenário começou a mudar. Leviev e Mirilashvili venderam 48% de suas ações ao fundo de investimento russo United Capital Partners (UCP), no que muitos analistas identificaram como uma manobra do Kremlin para exercer maior controle sobre a plataforma.

O UCP é gerenciado por Ilya Sherbovich, empresário que faz parte do conselho da gigante estatal de petróleo Rosneft, cujo CEO, Igor Sechin, é um dos aliados mais próximos de Putin. O fundo passou a acusar Durov de gastar muito tempo em projetos paralelos, como o Telegram, e não monetizar suficientemente o VKontakte – o russo, um abstêmio, não permite, por exemplo, anúncios de cigarros e bebidas na rede social.Seja por pressões, ou por vontade própria, como declarou, Durov vendeu em janeiro deste ano seus 12% do VK ao diretor geral da operadora de telefonia móvel russa Megafon, Ivan Tavrin, que posteriormente repassou as ações ao Mail.ru.

O que, para analistas, torna sua permanência como chefe-executivo do VK uma questão de tempo e a independência da rede social uma incógnita. “Nos últimos anos, eu ativamente me livrei de bens, dando e vendendo tudo que eu tinha, de móveis e objetos a imóveis e empresas. Para atingir o ideal eu precisava me livrar da maior propriedade que eu tinha, a participação de 12% no VKontakte”, explicou Durov sobre a transação, estimada em cerca de US$ 300 milhões.A mudança de rumos do VK coincidiu com a maior pressão que o governo de Vladimir Putin passou a exercer sobre a internet.

Se no início dos anos 2000, quando o líder voltou-se apenas ao controle das emissoras do país, substituindo propriedades oligárquicas por controle estatal, as empresas digitais tornaram-se alvo a partir de 2011, após as fraudulentas eleições parlamentares levarem às ruas de Moscou milhares de russos.Em 2012, a Duma, o legislativo russo, aprovou uma lei que põe na lista negra do governo sites que fazem apologia à pornografia, à pirataria e às drogas. Em 2013, outra lei passou a permitir o bloqueio, em caráter de urgência, de páginas que incitem tumultos e atos extremistas. Com base nesta legislação, diversos sites russos de oposição foram tirados do ar na semana passada, inclusive o blog do líder opositor Alexei Navalny, que está sob prisão domiciliar e impedido de usar telefones e se conectar a internet.

– Antes de 2011, o governo estava basicamente satisfeito em deixar o conteúdo da internet ser o que é, mas desde então vem prestando mais e mais atenção. Basicamente, o sucesso da oposição em utilizar a internet foi percebido. Quando mais bem utilizada a internet, mais ela atrai a atenção das autoridades – relembra Mark Adomanis, analista russo e contribuidor da “Forbes”.

– O Kremlin tem um leque de táticas à sua disposição. Eles ainda (na maioria das vezes) gostam de manter uma abordagem “soft”. Portanto, convencer pessoas a vender ações é uma maneira muito fácil de fazer as coisas.

Durante as manifestações, a agência de segurança do Kremlin pediu o bloqueio de sete páginas de grupos opositores no VKontakte que estavam organizando manifestações. A reação imediata veio no Twitter: a foto de um cachorro vestido com um moletom e com a língua para fora.

Poucos dias depois, escreveu uma resposta oficial:”Se os sites estrangeiros continuam a existir em um estado livre, e os russos começam a ser censurados, a runet pode aguardar apenas a sua morte lenta”, escreveu.– A recusa em cooperar com os pedidos da polícia certamente ampliou sua popularidade nos círculos sociais politicamente ativos, mas eu suspeito que ele ainda é mais mais admirado por seu empreendedorismo do que pela desobediência civil – afirma Kevin Rothrock, blogueiro e analista russo.

Quinto empresário mais popular do país

Numa pesquisa do instituto Superjob para o jornal econômico “Vedomosti”, realizada no ano passado em mais de 300 cidades russas, Durov foi eleito o quinto empresário mais popular do país, empatado com outros três magnatas. Ao comentar sobre o perfil do jovem, um dos entrevistados citava: “Ele roubou ideias, mas não roubou gás e petróleo”.

– Todos os outros nomes relacionados no top dez, à exceção de Evgeny Kaspersky, fundador da empresa de antivírus Kaspersky Lab, são empresários que enriqueceram nos anos 1990 com a privatização de várias empresas de petróleo e gás. Durov é mutio mais jovem e é considerado uma pessoa que construiu sua fortuna por conta própria e não abusou dos bens públicos – aponta Marina Darmaros, jornalista e doutoranda em cultura russa na USP.

A postura libertária que Durov busca imprimir também tem sido adotada na divulgação do aplicativo Telegram, que absorveu milhares de usuários. Ao site “TechCrunch”, Durov disse que sua principal motivação para criar a plaforma “foi criar um meio de comunicação que não pode ser acessado pelas agências de segurança russas” e que o app não se trata de um projeto comercial. O russo assegura que a criptografia do aplicativo é a melhor disponível e, para comprar sua máxima, mantém em oferta uma recompensa de US$ 200 mil para qualquer um que conseguir hackeá-lo.

– É difícil especular suas motivações para a criação de Telegram, mas Durov parece apreciar a ideia de competir contra o Facebook novamente (desafiando a sua nova aquisição, o WhatsApp) – aposta o blogueiro russo.

Quatro dias depois da compra do WhatsApp em fevereiro desse ano, embalado por usuários afoitos por uma alternativa ao monopólio de Zuckerberg, o Telegram ganhou 4,95 milhões novos membros, tornando-o o aplicativo gratuito mais baixado em 48 países. O app americano cobra uma taxa de US$ 1 após um ano de uso.

– Durov e Zuckerberg não compartilham apenas uma biografia comum, mas são homens capazes de exercer influência muito pessoal sobre suas empresas e a Internet de forma ampla. Ao responder às necessidades de segurança nacional, soberania do Estado, e sucesso comercial, tanto Durov como Zuckerberg ajudaram a moldar a evolução da privacidade na Internet. Isso é tão verdadeiro para Durov na Rússia, quanto é para Zuckerberg nos Estados Unidos e grande parte do resto do mundo – define Rothrock.

******

Thais Lobo, do Globo