Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Jornalismo ou partidarismo?

A crise política na Venezuela tem protagonizado a programação da CNN em espanhol. À primeira vista, isto não deveria ser encarado como surpresa, considerando que a referida emissora existe para o público latino-americano e caribenho, além da população dos Estados Unidos de língua espanhola. No entanto, quem acompanha o canal sabe que, em muitas ocasiões, determinados acontecimentos significativos não tiveram tanta repercussão quanto a crise venezuelana – a exemplo da onda de protestos que assolou o Brasil em 2013 ou, ainda, os protestos de estudantes ocorridos no Chile por melhoria na Educação –, que tiveram apenas coberturas factuais. Diante desta constatação, pergunta-se: por que a Venezuela merece tanto destaque? Trata-se, realmente, de um interesse meramente jornalístico?

Ben Bagdikian (1969), citado por César Arrueta (2010) na obra Qué realidad construyen los diarios? – una mirada desde el periodismo en contexto de periferia, afirma que em um meio de comunicação a política é exercida de maneira tácita, com executivos editoriais que decidem qual história será publicada e com que ênfase. Quando acompanhamos os noticiários da CNN em espanhol não podemos deixar de relacioná-los a esta afirmação de Bagdikian porque fica evidente o interesse político da emissora em desgastar a imagem do chefe de Estado venezuelano, Nicolás Maduro, assim como fez com seu antecessor, Hugo Chávez.

Não se trata de defender a orientação de governo da Venezuela ou de qualquer outro país; nem o contrário. Trata-se, apenas, de procurar refletir, de modo crítico, como os meios de comunicação podem, para além do interesse público, selecionar as informações de modo a deixar outras completamente fora das suas agendas temáticas. Isso evidencia que o público consumidor dessas informações não pode deixar de considerar os pilares estruturantes de uma empresa jornalística, quais sejam: critérios de noticiabilidade, valores-notícia, manejo de fontes e rotinas de abordagens.

Intervenção de grupos de pressão

Ademais de enfatizar a crise venezuelana, em detrimento de outras questões que acontecem na região latino-americana, caribenha e em outras partes do mundo, a CNN em espanhol peca duplamente ao enfatizar, de modo explícito, seu apoio aos setores oposicionistas venezuelanos, tornando-se, de maneira bastante contundente, uma mídia partidarista, embora travestida de mídia democrática e plural. São inúmeras entrevistas nas quais as fontes consultadas deixam explícito seu ressentimento com o Poder Executivo venezuelano, sobretudo por conta de certos cortes de privilégios aos setores elitistas. E quando a emissora cede espaço ao governo, o faz de modo a “atacá-lo” explicitamente, deixando transparecer que apenas está cumprindo uma “formalidade” (a de dar espaços a todos os lados envolvidos no fato), posto que, constantemente, lhe cerceia a oportunidade de expressão.

Essa maneira de agir por parte de um meio de comunicação pode ter sérias implicações, sobretudo ideológicas, porque, como afirma Doris Graber (1981, p. 79) citada por Arrueta (2010, p. 50): “Sensíveis ao poder dos meios informativos para influenciar na agenda política, os governos de todo o mundo tratam de controlar a mídia, formal e informalmente.”

Em outras ocasiões já escrevi acerca do papel antidemocrático exercido pela CNN em espanhol, a exemplo do trabalho de cobertura das eleições estadunidenses que deixa de fora os demais partidos políticos, em favor da ênfase exacerbada ao dualismo Democratas-Republicanos (ver o texto “CNN, Estados Unidos e Democracia Polarizada”, na edição de número 790 do OI: http://www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/cnn_estados_unidos_e_a_democracia_polarizada). Embora o mundo clame por diversidade, os “donos da mídia” insistem em apresentar a este mesmo mundo mediações carregadas de exclusões, que dão conta de uma “evidente intervenção dos grupos de pressão” […], em função de diretrizes recebidas ou simplesmente das tabelas de valores sociais vigentes, conforme enfatiza Gutiérrez Palacio (1984, 19) citado por Arrueta (2919, p. 52).

“Ferramentas” para ler nas entrelinhas

Essas questões põem em pauta as discussões levantadas na década de 1980 pela Comissão Internacional para Estudo dos Problemas da Comunicação (da Unesco), que originaram o Relatório MacBride, documento que, apesar dos seus mais de 30 anos, ainda mostra-se atual, posto que os principais problemas nele apontados ainda se fazem presentes na comunicação em escala mundial.

O referido relatório, entre outras muitas questões afirma que “as redes de comunicação deverão ser tão diversificadas e independentes entre si como as fontes de informação; caso contrário a diversidade se tranasforma em pura fachada” (p. 47). Ou, “as práticas monopólicas e discriminatórias inerentes à disseminação atual da informação internacional devem ser consideradas como uma das características piores, ainda que sutis, do sistema atual” (p. 63). Ou, ainda: “[…]se o mundo quer se aproximar de um entendimento mútuo e uma aceitação da diversidade, e se quer promover a coexistência com as nações independentes, haverá a necessidade de modelos novos e diferente na comunicação internacional” (p. 64).

Como se vê, o documento encontra-se perfeitamente atual, porque os principais problemas que permeiam o campo da comunicação ainda não foram solucionados e, consequentemente, contribuem para a manutenção de um sistema excludente, de uma comunicação que desempenha um papel “despótico” (SANTOS, 2002, p. 38), como este que vem desempenhando o grupo Time Warner, através da CNN.

Essas questões nos fazem reafirmar o fato de que jamais se deve esquecer de que “a análise do jornal [neste caso da televisão] como ator é inseparável da análise do sistema do qual faz parte”, conforme adverte Héctor Borrat (1989, p. 11) citado por Arrueta (2010, p. 56). Neste sentido, torna-se cada vez mais premente, ademais de um sistema de comunicação democrático, uma preparação dos consumidores de informações, a fim de que possam estar instrumentalizados com “ferramentas” que lhes permitam ler nas entrelinhas antes de usar os conteúdos difundidos pelos mass media de maneira indiscriminada para formar suas opiniões.

Referências

ARRUETA, César. Qué realidad construyen los diarios. Buenos Aires: La Crujía, 2010.

MacBride et al. Un solo mundo, Voces múltiples. Comunicación e información en nuestro tiempo. Fondo de Cultura Económica: México, 1980.

SANTOS, Milton. Por uma Outra Globalização. Rio de Janeiro: Record, 2002.

******

Verbena Córdula Almeida é doutora em História e Comunicação no Mundo Contemporâneo pela Universidad Complutense de Madrid e professora adjunta do Departamento de Letras e Artes da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Ilhéus, BA