Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sobre a difícil arte de cobrir uma guerra

Por ocasião do terceiro aniversário da invasão americana no Iraque, a ombudsman do Washington Post, Deborah Howell, fez uma análise da cobertura do jornal sobre a guerra – que, assim como a da mídia americana em geral, vem sendo criticada por cobrir demasiadamente a violência. Em sua coluna de domingo [26/3/06], Deborah alega que é compreensível que leitores civis e militares, principalmente aqueles que têm parentes no Iraque, queiram ler notícias boas sobre o país. O Post, segundo a ombudsman, já publicou diversas matérias com enfoque positivo, mas os leitores guardam mais na memória os artigos com imagens de violência.

Para Thomas E. Ricks, repórter do Post especializado em temas militares, os jornalistas no Iraque estão divulgando um panorama muito mais fiel à realidade do país do que o Exército. ‘O Exército quer ser julgado em termos militares – ‘vejam todos os caras maus que matamos, e não esqueçam da escola que nossos soldados pintaram’. Mas a mídia sabe que a resposta não está em matar caras maus, nem em pintar escolas. Ela está provavelmente em fornecer segurança à população’, afirma.

‘Não há muitas pessoas que querem ir ao Iraque. Talvez seja por isso que os repórteres são suscetíveis a críticas. O trabalho dos soldados lá é incrivelmente difícil. Eu tenho um profundo respeito por eles. Mas às vezes eu acho que as críticas não cabem. Nós deveríamos realmente focar na pintura de uma escola quando o Iraque está à beira de uma guerra civil?’, opina o jornalista do Post Steve Fairanu, que retornou recentemente do Iraque, onde ficou 14 meses.

Os repórteres do jornal se esforçam para manter os leitores informados sobre os eventos diários no Iraque, mesmo que a situação no país seja tão perigosa que é impossível circular livremente por Bagdá ou outras cidades. Cerca de 60 jornalistas do Post cobriram a guerra até agora – todos eles se ofereceram para ir. O trabalho mais difícil é o dos três funcionários do jornal que prestam serviço em tempo integral na sucursal de Bagdá: a chefe do escritório, Ellen Knickmeyer, o correspondente Jonathan Finer e um repórter em esquema de rodízio (John Ward Anderson está no Iraque atualmente). O Post também tem quatro repórteres-tradutores iraquianos – Naseer Nouri, Omar Fekeiki, Bassam Sebti e K.I. Ibrahim – que produzem freqüentemente matérias assinadas. Além desta equipe, Ricks, Ann Scott Tyson, repórter que cobre o Pentágono, e o colunista David Ignatius foram ao Iraque recentemente e adicionaram maior profundidade à cobertura diária.

Cobertura equilibrada

Para avaliar melhor a cobertura do Post, Deborah releu as matérias publicadas pelo jornal em fevereiro deste ano, deixando de fora os artigos editoriais. No total, 17 matérias foram escritas durante o mês sobre as tropas, sua missão ou a construção da democracia – cinco delas com destaque na primeira página. Sobre violência e corrupção, foram publicados 15 artigos – cinco deles também de primeira página. Duas matérias sobre o cotidiano no Iraque foram publicadas nas páginas internas do jornal. ‘Eu considero a cobertura equilibrada e confiável’, conclui a ombudsman.

Algumas das melhores coberturas do Post foram aquelas escritas por repórteres que estavam junto com as unidades militares, com liberdade para trabalhar desde que não comprometessem a segurança das tropas, ressalta Deborah. Nem todos os militares permitem a presença de jornalistas, tendo em vista que a situação é perigosa também para eles. O âncora Bob Woodruff, da rede de TV ABC, foi seriamente ferido enquanto acompanhava um grupamento militar durante uma viagem, em janeiro.

David Hoffman, editor assistente para notícias internacionais, supervisiona a cobertura no Iraque. Para ele, a maior dificuldade é a falta de mobilidade que os jornalistas têm no país. ‘Nós fazemos o melhor que podemos no tempo que podemos. O Iraque é um país em guerra. Nós estamos no meio dela. É o que fazemos: observamos, descrevemos, divulgamos. As pessoas que reclamam ignoram a realidade do trabalho corajoso dos repórteres’, afirma.

Diferentes pontos de vista

Para Deborah, uma excelente descrição das diferenças culturais entre o Exército e a imprensa foi feita pelo tenente-coronel e relações públicas David Lapan. ‘Os repórteres são em geral idealistas, treinados para ser céticos, e nós somos geralmente otimistas e realistas. Os repórteres são ensinados a questionar autoridade; nós aprendemos a segui-la’, conclui.