“Follow the money” (siga o dinheiro). Fonte. Isso é em on/isso é em off. Gate para sufixo de escândalo, como em Collorgate. Impeachment.
Nada disso existia ou era de uso tão popular antes da publicação do livro Todos os Homens do Presidente (All the President’s Men), de 1974, dos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, e do filme baseado nele, de Alan J. Pakula, de 1976, com respectivamente Robert Redford e Dustin Hoffman nos papéis dos dois jornalistas.
O livro estava fora de catálogo no Brasil desde os anos 80. A editora Três Estrelas o relança agora, com nova tradução, de Denise Bottmann, prefácio de Eugênio Bucci, colunista de O Estado de S. Paulo, e posfácio de Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha. É um making of do mito fundador do jornalismo investigativo contemporâneo. Que é: munidos apenas de bloco de anotações, caneta, telefone e um bom contato, dois jovens jornalistas escrevem série de reportagens que leva à queda do homem mais poderoso do mundo.
Publicados no jornal Washington Post, os textos de Woodward e Bernstein revelaram o que ficaria conhecido como Escândalo de Watergate e, em última análise, fizeram com que o presidente dos Estados Unidos, o republicano Richard Nixon, renunciasse ao cargo em 1974.
A mensagem continua valendo
Em junho de 1972, cinco homens foram presos com escutas pela polícia na sede do Partido Democrata no complexo de edifícios Watergate, em Washington. Woodward é acordado na manhã seguinte – assim começa o livro de 424 páginas, que se lê como um romance de espionagem de estilo seco e direto – e enviado para cobrir o caso.
Aos 29 anos e com nove meses de jornal, era um “repórter-coxinha”, como se diria hoje, mas confiável, ambicioso e, o mais importante, com uma fonte no FBI que se revelaria muito boa, depois identificada por ele apenas como “Garganta Profunda” (Deep Throat), apelido dado por um colega com base em um filme pornô popular na época.
Aos poucos, percebe que está diante de mais que um caso de invasão de propriedade, com ramificações que talvez levem à Casa Branca. A ele se junta Bernstein, então com 28. Apesar da pouca idade, era o típico malandro de Redação, sempre fugindo do trabalho, mas (artigo raro ainda hoje) com um bom texto.
Nos meses que se seguem, com o apoio de seus superiores, principalmente do então editor-executivo do Post, Ben Bradlee, e da publisher do jornal, Katharine Graham, sob forte pressão do governo, a dupla desfaz o novelo que liga o crime ao primeiro escalão de Nixon, os tais “homens do presidente”. Isolado, o republicano acaba renunciando por temer um impeachment que parece certo. Foi o primeiro e até hoje único ocupante do cargo a fazer isso nos Estados Unidos.
No dia seguinte, 9 de agosto de 1974, o Washington Post publicou a manchete de primeira página com as maiores letras da história do jornal até então. Dizia apenas “Nixon Resigns” (Nixon renuncia). Nos meses posteriores, mais de 70 dos envolvidos foram condenados, menos o já ex-presidente, perdoado por seu sucessor, Gerald Ford.
Quarenta anos depois, muito mudou. O próprio Post foi vendido para um rei da chamada nova mídia, o bilionário Jeff Bezos, dono da Amazon, por US$ 250 milhões (R$ 569 milhões em câmbio atual). Mas a mensagem embutida em Todos os Homens do Presidente continua valendo. Se os americanos perderam a inocência com o assassinato de John F. Kennedy, em 1963, descobriram o cinismo com a renúncia de Nixon. Compreenderam também a importância de uma imprensa independente.
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Alguns homens de Todos os homens do presidente
>> Richard Nixon – 37º presidente dos EUA (1969-1974), o republicano foi o único na história do país a renunciar, no começo do segundo mandato, para evitar um processo de impeachment dado como certo; morreu em 1994, aos 81
>> Bob Woodward – Cabeça da dupla que revelou o caso Watergate, ainda é ligado ao Washington Post e continua escrevendo livros sobre a gestão de presidentes norte-americanos; o mais recente é Obama’s Wars (as guerras de Obama, 2010)
>> Carl Bernstein – Parceiro de Woodward no caso, sucumbiu à fama pós-Watergate: namorou celebridades e seu tumultuado casamento com a roteirista Nora Ephron virou filme, em que era interpretado por Jack Nicholson; colabora com diversas publicações
>> “Garganta Profunda”/W. Mark Felt – Apelidado à revelia com o título de um filme pornô famoso à época, o informante de Woodward, segredo mais bem guardado do jornalismo, foi revelado por familiares em 2005: era um ex-diretor-associado do FBI; morreu em 2008, aos 95 anos
William Goldman – Roteirista do filme de Alan J. Pakula, de 1976, é o autor da famosa frase “Follow the Money” (siga o dinheiro), nunca dita pelo “Garganta Profunda” de verdade; Robert Redford e Dustin Hoffman vivem respectivamente Woodward e Bernstein
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Um modelo de jornalismo investigativo – Otavio Frias Filho
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Sérgio Dávila é editor-executivo da Folha de S.Paulo