As operadoras de telecomunicações e os provedores de acesso comemoraram discretamente a aprovação do Marco Civil da Internet pela Câmara dos Deputados na noite de terça-feira. O resultado põe fim a um pesadelo para as empresas do setor, que corriam o risco de se submeter a regras muito mais rígidas do que as que constam do relatório final.
A proposta vinha sendo construída há cinco anos e entrou em fase de votação há dois anos. Depois de muita discussão entre grupos que defendiam os interesses das empresas do setor ou dos consumidores, prevaleceu o meio-termo no relatório do deputado Alessandro Molon (PT-RJ). Assim, o Brasil tornou-se o quarto país a aprovar uma legislação de internet, depois da Eslovênia, da Holanda e do Chile. A legislação brasileira, no entanto, é considerada mais ampla que as demais, que se restringiram a questões da neutralidade da rede. A neutralidade significa que qualquer conteúdo legal na rede deve ser tratado de forma isonômica, sem que os provedores de acesso e operadores favoreçam ou discriminem usuários.
Um dos pontos relevantes para as empresas do setor é a preservação do modelo de negócios, com preços diferentes dependendo da velocidade contratada. As teles temiam que fossem obrigadas a oferecer uma única velocidade, no limite de sua capacidade, sem poder cobrar um preço correspondente. Ao mesmo tempo, defendiam o direito de dar prioridade no tráfego para quem pagasse mais por isso, o que não foi aprovado. A questão é antiga. Há tempos as teles reclamam que o tráfego gerado por provedores de conteúdo e redes sociais como Google, Facebook e Netflix ocupam um grande espaço na infraestrutura. Essas empresas obtêm receita com os serviços oferecidos (assinaturas, publicidade etc.), mas não dividem o que é recebido com as operadoras.
Recentemente, o Netflix, provedor de vídeos na internet, concordou em pagar mais para melhorar a velocidade de seu conteúdo na rede da Comcast, operadora dos EUA. No Brasil, isso não será possível. “Para essas empresas de conteúdo, a lei será ótima porque os pacotes serão isonômicos. Mas haverá um impacto financeiro para as operadoras, porque não poderão vender esse serviço de forma diferenciada”, disse o advogado Fábio Pereira, sócio do Veirano Advogados. Para as teles, não há interesse que serviços como o Skype funcionem bem no celular, mas elas não poderão reduzir a velocidade disponível, disse Pereira. Nesse sentido, a neutralidade não é um bom negócio para as teles.
Cobrança adicional
O Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil) deu seu aval ao projeto, “mesmo não sendo em sua totalidade a proposta que o setor considera ideal para a sociedade”. O importante para o setor é que o texto “assegura que seja dada continuidade aos planos existentes e garante a liberdade de oferta de serviços diversificados”.
A TelComp, outra organização do setor, também apoiou o projeto, com ressalvas. “Não é o que se esperava”, disse o presidente João Moura. “A flexibilidade [prevista no projeto] é dentro de um limite bem definido; acomoda os modelos atuais, mas não permite criar novos modelos de negócios com formas diferentes de cobrança”, disse Moura.
Existe, entretanto, um mecanismo para tratar das exceções. Nesse caso, a questão será levada à Presidência da República, que deverá ouvir a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o Comitê Gestor da Internet (CGI.br), disse Rony Vainzof, professor e especialista da Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados Associados. Se for aprovada, a questão será regulamentada.
As teles também reivindicavam uma cobrança adicional para quem usa a rede mais intensamente. Além disso, queriam se igualar a provedores de conteúdo que podem usar robôs para ler as mensagens de e-mail dos clientes e depois vender publicidade dirigida. A Câmara não aceitou. “As operadoras não poderão explorar receita a partir daí”, lamentou Moura.
Para o professor Arthur Barrionuevo, da FGV, se houver muita rigidez em relação aos pacotes que as operadoras pretendem lançar no futuro, essas companhias podem se sentir desestimuladas a investir no aumento de velocidade na rede.
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Ivone Santana, do Valor Econômico