Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quando credibilidade vira notícia é porque se tornou exceção

Alguns dados da Pesquisa Brasileira de Mídia 2014 sopraram aos ouvidos dos donos dos principais grupos de jornal impresso do Brasil como uma aparente sinfonia da salvação. Tanto que O Estado de S. Paulo não perdeu tempo ao lançar editorial sob o definitivo título “O patrimônio da confiança“, no último 11 de março, para apresentar os números e reafirmar aos seus leitores que ainda é nos grandes jornalões que mora a confiança dos brasileiros. Um ponto final e um suspiro aliviado.

Mas para que os números apontem tendências é necessária base de referência anterior ou confronto. Como essa é a primeira pesquisa do gênero e amplitude no país, caberá a segunda opção. O confronto de dados será com o meio internet, uma jovem de 25 anos, que chegou e desestruturou o modelo atual de negócio jornalístico e está mudando as bases de como o jornalismo é feito atualmente no mundo.

Não há dúvidas, de acordo com os dados revelados pela pesquisa, de que as notícias divulgadas nos jornais impressos brasileiros desfrutam do posto de maior credibilidade. Mais da metade dos entrevistados (53%) oscilam entre confiar sempre ou muitas vezes no que é publicado pelos jornais. Mas, é importante colocar uma lupa sobre outros dados para entender se há mesmo tanto a ser comemorado.

Primeiro a comparação simples entre os dados de confiança de cada meio. Se 53% dizem confiar sempre ou muitas vezes no impresso, que já goza de 300 anos de vida e tempo suficiente para mostrar a que veio, as notícias de blogs e redes sociais que possuem menos de 10% desse tempo em existência, já conquistaram a confiança de quase 1/4 dos entrevistados. Ao arrastar um pouco a lupa na tabela, um dos dados mais inquietantes. Não é tão grande a diferença na quantidade de pessoas que desconfiam tanto das notícias divulgadas pelos jornais impressos (39%), quanto blogs e redes sociais (53%). Em Santa Catarina, por exemplo, mais gente afirmou “confiar poucas vezes” (o que significaria desconfiar na maioria dos casos) nos impressos (45%), do que nas notícias divulgadas por redes sociais (42%). Se o tempo de existência de cada um desses tipos de veículos for mais uma vez levado em consideração, a desconfiança do público no mais velho dos suportes jornalísticos deixa a situação, no mínimo, desconfortável.

Obrigação funcional

Há ainda o dado sobre o meio de comunicação preferido dos brasileiros. A internet, em seus 25 anos, já está na segunda colocação (13,1%), perdendo para a TV (76,4%). Os jornais impressos aparecem com apenas 1,5% da preferência dos brasileiros. Além disso, apenas 6% dos entrevistados afirmaram ler (não comprar, mas ler) jornal todos os dias. Enquanto 75% confessaram não o fazer. Levando a lupa novamente para outro recorte, vê-se que entre jovens de 16 a 25 anos, a preferência pela TV cai para 70%, a internet sobe para 25% e o impresso fica próximo a zero. Números que já apontam o futuro, ainda mais se somar os 53% que nunca acessaram a internet – um mercado ainda a ser explorado.

Não se pretende com essas ponderações anunciar o apocalipse dos jornais impressos. Mas, comemorar uma taxa de credibilidade, nitidamente ameaçada pelos próprios erros de apuração e checagem cometidos por grandes jornais, aparenta certo desespero.

Já em 1690, o alemão Tobias Peucer, autor da primeira tese a tratar do jornalismo em uma universidade, situou claramente a importância da credibilidade para os relatos jornalísticos e sua sobrevivência. Conceito que se solidificou ao longo da história da profissão e que segundo Karam (2009), qualifica o jornalismo e deve ser mantido como norteador da conduta dos profissionais e empresas que atuam na área. Se esta é a convicção que se formou ao longo dos últimos três séculos de exercício da profissão, o que está acontecendo nos tempos atuais? Afinal, uma boa taxa de credibilidade é obrigação em um jornalismo sério, que preza apuração. Quando credibilidade de jornal vira notícia, é porque se tornou exceção. O jornalismo sabe bem disso.

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A ‘Pesquisa Brasileira de Mídia 2014’ como primeiro passo – Wladimir G. Gramacho

Um retrato da mídia no Brasil – Luciano Martins Costa

A briga pelo leitor domingueiro – L.M.C.

A importância da observação crítica dos telejornais – Carlos Castilho

Sobre pesquisas de mídia, empadas e pastéis – Rogério Christofoletti

Referência

KARAM, Francisco J. C. The paradigm of Antigone and Gacel Sayah: an approach to historical and contemporary Ethical/moral dilemmas of Journalism. Brazilian Journalism Research, revista da SBPJor/Sociedade Brasileira de Pesquisa em Jornalismo, v. 5, n. 2, pp. 37-52, 2009.

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Melissa Bergonsi é mestranda no POSJOR/UFSC e pesquisadora do objETHOS