Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Bolinhas de papel

Uma ausência e uma revelação saltam aos olhos da enxurrada de livros lançados no embalo da Copa do Mundo que começa em 12 de junho. A revelação é O Drible, do jornalista Sérgio Rodrigues, um raro romance brasileiro cadenciado pelo universo do futebol e que desde o seu lançamento, há seis meses, é saudado pela crítica como um acontecimento. Na volta do Mundial ao Brasil, 64 anos depois, a ausência é a do maior clássico sobre a derrota para o Uruguai na final de 1950, no Maracanã. Anatomia de uma Derrota, de Paulo Perdigão, retrato minucioso do “Maracanazo”, está fora de catálogo e não será reeditado.

Entre um e outro livro, há incontáveis títulos de autores nacionais sobre o tema, a grande maioria de não ficção. Livrarias que abrigam clássicos como O Negro no Futebol Brasileiro, de Mario Filho – pioneiro ao investigar a contribuição da miscigenação ao jogo e que ganhará tradução ao inglês para ser distribuído a estrangeiros durante a Copa –, preparam-se para receber carradas de papel descartável sobre o tema.

“O grosso [dos lançamentos] é caça-níquel. Os chamados de ‘oportunidade’, para não se chamar de oportunista”, resume o jornalista Juca Kfouri, colunista da Folha. Há no pacote duas biografias de Neymar (Neymar – O Último Poeta do Futebol, do italiano Luca Caioli, e Neymar – O Sonho Brasileiro, do dinamarquês Peter Banke), ambas prestes a vir a público e parecidas entre si pela ligeireza e trivialidade, embora a primeira seja menos inconsistente que a segunda.

Almanaques e guias, assim como reuniões de crônicas, saíram (ou sairão) aos borbotões, mas poucos merecem menção como Quando É Dia de Futebol (textos de Drummond sobre futebol, já lançado) e Os Garotos do Brasil (textos de Ruy Castro sobre craques do país, a sair). Entre as reedições, o destaque é outro livro de Mario Filho, Histórias do Flamengo, cuja última edição era de 1966. Autor de 73 prefácios de livros sobre o tema, Juca destaca uma surpresa: Uma História das Copas do Mundo – Futebol e Sociedade, trabalho em dois volumes e mais de mil páginas do historiador cearense Airton de Farias, que esmiúça os Mundiais em paralelo ao seu contexto histórico.

Revelação

Ao definir O Drible como “obra-prima”, Juca integra um time de admiradores que inclui Tostão (“o livro que gostaria de ter escrito”, disse em sua coluna na Folha) e Luis Fernando Verissimo. Crítico literário (escreve no site www.todoprosa.com.br) e autor de outros seis livros, o mineiro radicado no Rio Sérgio Rodrigues, de 52 anos, conta que o romance – originalmente um conto sobre um craque com poderes sobrenaturais que foi maior que Pelé – foi cevado por quase 20 anos.

Ao narrar a relação atormentada entre pai e filho, sendo o primeiro um velho cronista esportivo que escreve um livro sobre o tal craque, Peralvo, O Drible passeia pelo futebol do país no século 20 e está salpicado de referências pop e literárias. Tem um desfecho engenhoso e surpreendente.

É um tributo aos irmãos Mario Filho (e ao seu “O Negro no Futebol Brasileiro”, que ecoa ao longo do romance) e Nelson Rodrigues (é, à maneira das peças do dramaturgo, a história trágica de uma família com tons de melodrama), ambos personagens de “O Drible”.

Ausência

Escrito pelo crítico de cinema e programador de TV Paulo Perdigão, um intelectual tradutor de Sartre morto no final de 2006, Anatomia de uma Derrota é um misto de documento histórico com sessão de psicanálise. Presente naquele dia no Maracanã, Perdigão transformaria a derrota para o Uruguai numa de suas obsessões.

Editor da L&PM, casa que detém os direitos de publicação de Anatomia…, Ivan Pinheiro Machado conta que cogitou reeditá-lo. “Mas decidimos investir só no superclássico do Eduardo Galeano Futebol ao Sol e à Sombra [que ganhará nova edição] e lançar os dois livros do [biógrafo italiano] Luca Caioli, Messi e Neymar”, relata. “Apesar de toda a sua perfeição como ensaio, texto, documentação e estrutura, o chamado mercado sempre resistiu um pouco ao livro. Infelizmente, no que diz respeito à relação qualidade/sucesso, as coisas nem sempre são como nós gostaríamos que fossem”, diz o editor.

Anatomia… tornou-se artigo raro até em lojas de livros usados. Na rede de sebos online Estante Virtual, há só nove exemplares à venda, com preços entre R$ 105 e R$ 350. Se pode servir de consolo, sairá, só em e-book, o ensaio Maracanã, espécie de análise do “Maracanazo” pela ótica dos vencedores, do uruguaio Franklin Morales.

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Ministro edita crônicas de Nelson

Patrocinados pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que gastou R$ 595 mil com o projeto, dois livros com crônicas de Nelson Rodrigues foram lançados pelo governo federal no final do ano passado. Um deles, A Pátria de Chuteiras, reúne 40 crônicas de Nelson selecionadas pelo ministro do Esporte, Aldo Rebelo, com tom em geral ufanista, e é voltado, conforme o prefácio assinado pelo político do PCdoB, aos que “não acreditam no Brasil”.

No texto, após mencionar os que achavam o dramaturgo “tarado” e os “que se melindravam com as diatribes ideológicas”, Rebelo chega a “um terceiro grupo que o fantasma de Nelson Rodrigues continua a assombrar: os do que não acreditam no Brasil. A estes é endereçada esta seleção de crônicas”. À Folha, o ministro negou que se trate de bancar patriotismo com dinheiro público. “Não é ufanista. Nelson tinha uma visão crítica, falava também dos problemas do país, mas com otimismo.”

A Pátria de Chuteiras teve tiragem de 50 mil exemplares, distribuídos em escolas e bibliotecas públicas do país. O segundo livro é Somos o Brasil, edição bilíngue em capa dura, com trechos de crônicas de Nelson intercalados à história da industrialização do país e tiragem de 5.000 exemplares, distribuídos a parceiros do governo na Copa. Editados pela Nova Fronteira, ambos os livros estão disponíveis para download no sitewww.ediouro.com.br.

Ao discorrer com estilo literário raro sobre o drama humano peculiar ao futebol, Nelson Rodrigues (1912-1980) criou, com suas crônicas, o melhor deste gênero no país. Esse conjunto de textos publicado na imprensa entre os anos 1950 e 1970 foi revitalizado nos anos 1990, quando Ruy Castro organizou duas antologias, À Sombra das Chuteiras Imortais e A Pátria em Chuteiras, (Companhia das Letras), ambas esgotadas.

Em 2012, Sonia Rodrigues, filha de Nelson, organizou outra reunião de crônicas sobre o tema, O Brasil em Campo (Nova Fronteira), segundo ela, a maioria inéditas em livro.

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Fabio Victor, da Folha de S.Paulo