Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Último Segundo


CRISE POLÍTICA
Alberto Dines


Intervalo e interinos, 17:40 de 31/03/06


‘Dia da Mentira (ou dos Tolos), além das gozações este 1º de Abril tem um
lado penoso – é o início formal da temporada do vazio. Estamos na véspera do
vácuo, beira da cavidade. No buraco — negro ou cinza, de qualquer forma algo
parecido com uma cova. O intervalo dos próximos nove meses prenuncia-se como
enorme vão, espaço aberto onde se exibirão sozinhas nossas vanidades (ou
vaidades). E também nossas mazelas.


Hora do transitório e do provisório, tempo dos interinos, insignificâncias.
Reino do efêmero e dos arranjos. As noções de ‘deixa prá lá’, ‘esquece !’,
‘embrulha e manda’ vão dominar o repertório das ações e reações.


Nosso espírito cartorial criou a figura da desimcompatibilização, outro dos
artifícios em que os candidatos que disputam o próximo pleito fingem que não se
aproveitarão da maquina e dos recursos oficiais. O mensalão e o valerioduto,
devidamente dicionarizados no relatório da CPMI dos Correios, desvendam nosso
infinito engenho para contornar as leis e a decência.


A ultrapassada legislação eleitoral combinada à apressada emenda da reeleição
criou um emaranhado de postulados que torna ainda mais confuso o funcionamento
das instituições políticas. Acrescentem-se as coligações entre partidos
ideologicamente opostos bem como a virulência da nossa mosca azul e temos os
principais ingredientes da interinidade que vai dominar este resto de 2006.


O presidente Lula confessou a um auxiliar que vai sentir-se muito só: perdeu
oito ministros atraídos pelas oportunidades parlamentares e está condenado a
despachar com gente que sequer conhece. Perdeu sobretudo o seu ministro-vedete e
junto foi-se o coordenador da campanha da reeleição. Além disso não ficou muito
confortável no relatório preparado pelo deputado Osmar Serraglio e, como se não
bastasse, o novo ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, há pouco
tempo proclamava a necessidade de refundar o PT depois da serie de
estarrecedoras revelações iniciada em maio.


Na oposição, o quadro político não é mais animador, embora eleitoralmente
promissor. O PSDB, teoricamente social-democrata, vai entregar suas duas jóias
da coroa – a cidade e o estado de S.Paulo — a um partido que no final do último
mandato do presidente FHC era seu ferrenho e traiçoeiro adversário. Cláudio
Lembo, o substituto do governador Geraldo Alckmin, é um liberal stricto sensu,
político maduro, respeitado e responsável. Já o substituto de José Serra,
Gilberto Kassab é uma incógnita sob todos os pontos de vista.


Mas o que é o PFL, tão beneficiado pelos fados, se não uma federação de
coronéis sazonados apenas pelo convívio com os privilégios do poder ? Além do
prefeito César Maia (que sempre almejou entrar no PSDB e sempre foi barrado) e a
capitania hereditária instalada na Bahia, quais as suas reais qualificações
administrativas e políticas ?


O prefeito José Serra que há duas semanas era moralmente o vitorioso na
disputa com o governador Alckmin agora terá que engolir alguns sapos porque vai
descumprir a promessa de completar o mandato. Não é a primeira vez que isso
acontece: Jânio Quadros, eleito em 1953, no ano seguinte deixou a prefeitura
para conquistar o governo do estado com a aprovação entusiástica dos seus
eleitores e com isso pavimentou o caminho para a presidência.


O precedente janista seria mais palatável se a próxima disputa presidencial
conseguisse aparentar opções verdadeiramente empolgantes. Lula e Alckmin são as
candidaturas possíveis, o país mais uma vez abre mão da sua fabulosa riqueza
humana para contentar-se com o que existe de disponível nas prateleiras do
mercado político. Não chega a ser trágico, a situação argentina é ainda
pior.


Este 1º de Abril pode trazer surpresas, não necessariamente engraçadas. As
nulidades interinas que desfilarão nos próximos meses podem produzir algo
benéfico. No mínimo aumentarão nossos níveis de exigência.’




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