“Vimos a público pedir desculpas e corrigir dois erros nos resultados de nossa pesquisa ‘Tolerância social à violência contra as mulheres’, divulgada em 27/03/2014”, disse o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em nota. A errata é especialmente importante pelo fato de que o resultado que foi retificado havia suscitado uma enorme onda de protestos e debates nas redes sociais, que mobilizou milhares de pessoas em torno de questões sobre a violência contra a mulher.
Desde que a humanidade viveu a chamada Revolução Científica, a partir do século 16, o método científico passou a ser considerado como requisito para alcançar a verdade. Por muito tempo, a chamada ciência foi considerada como a única verdade aceitável e, ainda nos dias de hoje, goza de autoridade única, de tal forma que o rótulo “cientificamente provado” é suficiente para nos fazer crer numa afirmação ou fato. Ao mesmo tempo, os debates em torno dos achados das pesquisas se restringiam ao ambiente acadêmico e eram, quando muito, veiculados pelos meios de comunicação tradicionais, que informavam à população sobre resultados que mereciam destaque.
A internet e as redes sociais trouxeram novos e desconhecidos desafios para o campo da pesquisa: a velocidade frenética da informação (e desinformação) e a tendência de gerar comportamentos em massa, o chamado “efeito rebanho”, aumentam a responsabilidade de pesquisadores sobre a informação a ser divulgada. Assim, o erro do IPEA pode deixar algumas lições sobre o delicado encontro entre a pesquisa e as redes sociais.
Bombas-relógio
A primeira lição é sobre o estado da própria ciência como verdade provisória e contestável. Se, por um lado, a pesquisa pode oferecer subsídios importantes para as políticas públicas, por outro lado ela deve estar sempre pronta para ser questionada e colocada em xeque. É isso que tem permitido o progresso do conhecimento.
O cuidado com a generalização dos achados num grupo para toda a população, a chamada validade externa da pesquisa, é a segunda lição importante. Questões e formalidades metodológicas, que podem parecer um excesso de zelo aos olhos de quem vê, tornam limitada a capacidade de pesquisas extrapolarem resultados e inferirem para além do grupo pesquisado. Não afirmo que é o caso, mas que cabe a reflexão.
Por fim, e como principal lição, a era da informação expõe pesquisadores e pesquisas a um novo tipo de leitor: o leitor virtual, que busca informação rápida e forma opinião a partir de fragmentos de notícias, no ritmo estonteante de circulação de ideias e notícias em rede. Esse leitor não é passivo e pode criar e influenciar comportamentos a partir das informações recebidas, gerando situações de ativismo, comoção e fúria, “tudo ao mesmo tempo agora”.
Assim, mais do que nunca, o cuidado na divulgação dos resultados se tornou uma responsabilidade maior para quem realiza pesquisas, principalmente quando os achados estão relacionados a questões de grande impacto social, como é o caso da pesquisa do IPEA. Se o jornalismo exige apuração, a pesquisa científica exige contextualização e relativização, e sempre cabem ressalvas, antes que causem furor nas redes sociais. Resultados de pesquisas viraram bombas-relógio – mais do que nunca, é preciso cautela e delicadeza ao tê-los em mãos.
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Regina Célia Borges de Lucena é especialista em Regulação e Vigilância Sanitária da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e doutora em Política Social pela Universidade de Brasília