Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Redações modernas reavaliam seus valores

Assim como qualquer nova redação, a do BuzzFeed é a antítese do tradicional. Uma placa iluminada com neon comemora a Hot List, marca registrada do BuzzFeed. A recepcionista entrega aos novos funcionários uma camiseta e uma bolsa de lenços decorada com o clássico título “84 coisas que não se encontram numa rosquinha”. As salas de conferências, ao lado da redação, têm o nome de gatos virais: “Shironeko,” “Princess Monster Truck”, “Winston Bananas”.

Zomba-se da maneira que os velhos jornais fazem as coisas. Numa reunião pela manhã, a discussão sobre como fazer a cobertura do discurso do presidente sobre o Estado da União tem como foco dois aspectos: preparar um vídeo do aplicativo móvel Vine para gravar quando “alguma coisa idiota acontecer” e editar o texto sobre como ninguém se preocupa com o Estado da União.

O editor-chefe, Ben Smith, o único entre as 29 pessoas na reunião que usa um casaco, convoca seus assessores a narrarem mais matérias como questionários. “As pessoas vão nos gozar e dizer que somos o site que só faz questionários”, diz ele. “Mas nós estamos apenas começando”.

O BuzzFeed já não é uma mera startup rudimentar. É uma organização de mídia grande, lucrativa e influente. Os vídeos virais que publica – em geral, sem revisar – às vezes acabam sendo trotes, o tipo de equívoco que faz as delícias dos ranzinzas dos velhos jornais impressos, ávidos para afirmar sua superioridade ética. Porém, como o BuzzFeed Continua crescendo – numa manhã que fiquei esperando ser atendido, quatro novos funcionários apresentaram-se ao balcão em 10 minutos –, eles não contratam apenas brilhantes redatores de títulos e produtores amantes de gatos. O BuzzFeed decidiu que não basta consertar os erros após a publicação – pelo menos, os erros em seus posts mais populares. Decidiu que garantir aos leitores que seus posts são verdadeiros é bom jornalismo e faz sentido, em termos administrativos. Portanto, adota o símbolo fundamental das redações de jornais impressos do passado pré-digital: o BuzzFeed está contratando copidesques.

Ideias de credibilidade

Por quase duas décadas, uma guerra cultural dividiu os jornalistas. Aparentemente, a lacuna seria entre gerações, mas sempre se reduzia aos próprios objetivos do que fazer. Todas as acusações despeitadas e o antagonismo ilimitado entre os defensores do impresso da velha escola e as recém-criadas empresas digitais de jovens que incentivam o cérebro se resumiram a um debate sobre valores: a velha guarda argumentava que eram guiados pela busca da verdade e pelo que entendiam como aquilo que os cidadãos precisavam saber para serem participantes bem-informados na democracia. Antes, a reportagem consistia em apresentar os fatos aos leitores, que saberiam como tirar vantagem da luz que os iluminava. Os jornalistas digitais, por seu lado, diziam que sua maneira era mais honesta e democrática – e mais rápida. Se isso significasse apresentar as matérias antes de terem sido completamente revisadas, tudo bem, pois a própria internet faria as correções. A verdade emergiria por meio de tentativa e erro.

Com o colapso dos velhos modelos de negócios, o debate sobre valores tornou-se um combate de vida e morte. Os chauvinistas do impresso ainda zombam, horrorizados, quando alguns sites de notícias divulgam informações, sem confirmação alguma, de que o tio do líder norte-coreano Kim Jong Un aparentemente teria caído em desgraça e teria sido despido, enjaulado e devorado por 120 cães vorazes. E mais do que alguns apologistas do digital orgulham-se da distância que mantêm das estruturas indigestas, supérfluas e editadas em camadas sobrepostas que persistem em muitos jornais e revistas.

Mas consideremos uma nova possibilidade. E se a conciliação fosse possível? À medida que as linhas que separam as velhas das novas se tornam cada vez menos nítidas, estariam os principais valores das duas escolas de jornalismo se combinando num híbrido? Cada vez mais, tanto nas redações com foco no impresso quanto naquelas em que tudo é digital, o imperativo pela velocidade no jornalismo de tweets e vídeos Vine venceu os modos tradicionais: o que é notícia é o que está ali, tenha ou não sido checado e verificado. É rara a organização de notícias que de vez em quando não dá um pulo no Twitter com fatos semi-apurados e mais rara ainda aquela que se recusa a criar conteúdo a partir dos principais trending topics do dia.

Como descobri ao visitar redações com diferentes histórias e que desempenharam diferentes papéis, o que é novidade é o que sempre funcionou: na briga minuto a minuto pela audiência e pela publicidade, as ideias obsoletas de credibilidade tornam-se tão essenciais quanto a velocidade. Apesar da retórica utópica sobre a internet como mecanismo de autocorreção, organizar as coisas corretamente desde o início acaba tendo um valor considerável.

“Recebemos a mídia que merecemos”

“O impacto absoluto de fazer a coisa errada cresceu tremendamente devido à velocidade e alcance das novas mídias e isso leva muitas dessas novas marcas a mostrar muitos dos valores tradicionais”, diz Eric Newton, assessor direto do presidente da Fundação Knight e ex-editor administrativo do Newseum.

Trata-se de encontrar o ponto intermediário. Algum tipo de perfeccionismo acaba sendo bom para os negócios e o perfeccionismo absoluto pode evitar que jornalismo de qualidade seja feito. Os jornalistas não encontraram a resposta mágica – a Fundação Knight distribuiu recentemente uma bolsa de 320 mil dólares [cerca de R$ 730 mil] de apoio ao desenvolvimento de um software q   ue determina se vídeos virais são verdadeiros. E a audiência não tem certeza sobre quais os padrões a aplicar: os viciados em Twitter são muito mais condescendentes para com os erros do que, por exemplo, os assinantes de jornais impressos ou os leitores da revista New Yorker.

Em todas as redações que visitei, o sistema emblemático de verificação de fatos da New Yorker foi mencionado – não tanto como um ideal, mas como um padrão impossível, inalcançável por um mero mortal. Apesar da difícil situação da publicidade, a New Yorker ainda emprega uma equipe em tempo integral para verificar toda e qualquer afirmação em cada texto. Para um artigo que escrevi no ano passado, a revista nomeou dois verificadores que dedicaram boa parte de seu tempo à matéria por mais de cinco meses. Cada conjunto de verificações abria novas avenidas para a reportagem, enriquecendo imensamente a matéria. A partir da perspectiva de um homem de jornal, a experiência parecia acontecer em outro planeta, diferente daquele em que vivo.

Não há problema com essas diferenças, diz Newton, pois as diferentes audiências são chamadas pela mídia à qual se adaptam seu ritmo e seus interesses. “Recebemos a mídia que merecemos”, diz ele. Porém, com o tempo, “passamos a ver que as pessoas querem ter acesso a algo que seja verdadeiro.”

“Ficamos mais soltos online”

Nas atuais redações, com o acordo cada vez maior de que as audiências querem uma informação que seja verdadeira, os jornalistas chegam às mesmas questões básicas: quando é que uma informação é suficientemente apurada para ser apresentada como correta? Quem decide? Deveriam haver regras, ou apenas ideais? Basta tentar apenas estar correto?

Na noite com neve que antecedeu aquela em que dirigi para o sul da Pensilvânia para visitar o York Daily Record, seus editores sugeriram que eu desse uma olhada no liveblog [um blog que transmite ao vivo algo que está acontecendo] que eles haviam criado para fazer a cobertura da primeira nevasca importante do ano. O blog transmitia fragmentos de vídeo da equipe de repórteres e mostrava onde as estradas escorregadias complicavam o tráfego. Havia informações do Serviço Nacional de Meteorologia e tweets de repórteres e de veículos de mídia concorrentes. Os editores se orgulhavam de dizer que seu blog dava um tratamento igual ao conteúdo criado por leitores – fotografias e tweets com a hashtag #pawx.

O leitor Dan Sokil disse que as estradas estavam “lentas, com uma sólida camada de granizo, mas davam para passar, devagar”. A mensagem de Jhofford20 dizia: “Qual a melhor maneira de passar um dia de neve do que tomando duas cervejas?”. Erin Kissling acrescentava: “Assessoria de Tempestades de Inverno: os armazéns de bebidas estão fechados. Isso é uma merda.”

Ninguém edita o blog do temporal à noite, diz Jim McClure, editor do Record, mas nada é tirado dele. A passagem das cervejas “traduz os sentimentos da comunidade” e o palavrão é bom porque “ficamos mais soltos online”. Ultimamente, no Record – que tem 19 repórteres em uma equipe de 55 jornalistas, que já foram 80 dez anos atrás –, todo mundo escreve no blog, grava vídeos e envia mensagens pelas redes sociais, assim como escreve e faz reportagens. Repórteres e fotógrafos enviam as mensagens diretamente para o site, “portanto é obrigatório que, cada vez mais, o repórter informe corretamente”, diz a editora de Cidade, Susan Martin. “Os editores consertam as coisas depois que estão online, assim que podem fazê-lo.”

Reportagem tradicional e uma dose de personalidade

Escolhi visitar o Record porque a empresa a que pertence, a Digital First Media, uma cadeia de 75 jornais, transformou sua redação num turbilhão de jornalistas polivalentes, não mais divididos entre jornalismo digital e impresso. Os repórteres e produtores do Record agora estão voltados para as redes sociais, assim como para seu próprio site e para o jornal impresso. Mas exigiria essa nova saturação multiplataformas que o Record fosse mais um reflexo da sua comunidade e menos de um jornalismo investigativo? Poderia o ritmo e a abordagem do jornalismo digital desvirtuá-lo de ser o árbitro da verdade da comunidade?

A reestruturação do Record foi projetada para “manter o mesmo número de pessoas na rua”, diz McClure, que está no jornal há 25 anos. Um novo Centro de Design – basicamente, um setor de copidesque – faz a paginação e produz quatro jornais regionais a partir da redação do Record, liberando jornalistas das cidades de Chambersburg, Hanover e Lebanon para produzirem exclusivamente conteúdo local.

Randy Parker, chefe de redação do Record, quer que os jornalistas façam seu trabalho em três partes: agregação do trabalho dos concorrentes, coleta e preparação do conteúdo enviado pelos usuários e reportagens originais. Quando candidatos dizem que sua paixão é escrever histórias, “eu digo: ‘Não temos esse tipo de trabalho disponível’”, diz Parker. “Nós tentamos escapar de rotular palavras como ‘repórter’ ou ‘editor’.”

Um dia por semana, conhecido como Quarta-feira Mojo, os repórteres do Record são instruídos a não comparecer à redação, e sim, misturar-se às pessoas das quais fazem cobertura. Lauren Boyer, de 25 anos, fica, a cada semana, numa loja diferente do McDonald’s e entra em contato com as redes sociais para dizer aos leitores que está disponível. Há semanas em que ninguém vem e outras em que ela consegue uma matéria ou conhece uma fonte. Não era isso que ela previa quando saiu da universidade. “Eu só queria contar histórias e ver meu nome impresso”, lembra. Agora, no entanto, com a audiência de um público que usa o Twitter ao vivo, ela está fascinada pelo desafio de misturar a reportagem tradicional com a dose de personalidade que acrescenta.

Thunderdome

Lauren tenta manter o mesmo padrão em todas as plataformas – se as pessoas fizerem comentários difamatórios, ela não os repassa pelo Twitter, assim como não os escreveria no jornal impresso. Mas ela é mais amistosa nas redes sociais do que no Record, é mais “ela mesma” e gosta disso. Não é uma questão de baixar o padrão, e sim, de usar uma voz diferente, diz ela. E acrescenta: “Trabalhando do jeito que fazemos, você tem que ser ainda mais cuidadoso, porque incorrer num erro é muito fácil na internet.”

Na redação do Record, tanto veteranos quanto novatos preocupam-se muito com a verdade e com os padrões. Mas a ambição do Record diminuiu, sua cobertura diária é menos abrangente. Orgulhosamente, os editores mostraram-me o trabalho de um projeto premiado que fizeram recentemente – uma série de matérias sobre diabetes, o compromisso de longo prazo de narrar as angústias do retorno de veteranos de guerra –, mas a cobertura completa e constante das cidades da região, o que já foi a principal função do Record, desapareceu.

A correria dos jornalistas para entregar diariamente seus arquivos em várias plataformas, sobre múltiplas matérias, não deixa tempo para aquilo. As exigências, cada vez maiores, inevitavelmente corroem os padrões, diz Paul Kuehnel, fotógrafo do Record desde 1984. No dia em que o encontrei, ele tinha enviado um vídeo sobre um assassinato-suicídio, um sobre o tempo e um sobre um trenó puxado por cães. Também havia produzido fotografias dessas matérias. “Dizemos que nossa principal prioridade é a precisão, mas somos humanos e atualmente todo mundo está se virando com 20 empregos”, diz ele. Orgulhoso de seu trabalho, Kuehnel sabe exatamente quantas pessoas viram seu vídeo sobre o assassinato – 1.684 nas primeiras seis horas. Mais 793 visitas ao vídeo de uma derrapagem na neve. E 106 do vídeo do trenó puxado por cães – tudo isso apenas nos primeiros 25 minutos. “Isso é muita coisa”, diz ele, “e é gratificante, principalmente por uns vídeos de merda.”

Um dos motivos pelos quais o York Daily Record pode dedicar-se integralmente ao noticiário local é que a empresa que é sua proprietária opera com uma coisa chamada Thunderdome. Em 2012, a Digital First abriu uma redação no 25º andar de um prédio em Wall Street onde cerca de 50 jornalistas produzem a maior parte do conteúdo não local para cada um de seus jornais. Criam reportagens nacionais e no exterior; mandam pacotes de vídeos que enchem o site do jornal; escrevem artigos sobre alimentação, saúde e tecnologia; e conseguem grandes matérias de última hora.

Uma destruidora de tradições

Ao contrário do escritório de uma rede nacional tradicional, o Thunderdome não tem repórteres de rua cobrindo eventos importantes. O Thunderdome é um artefato da definição digital de jornalismo. Sua principal função é agregar e reempacotar material de agências, de outros parceiros de conteúdo e de jornais locais. “Se pegarmos uma matéria do Washington Post, não vamos reeditá-la”, diz o editor Mike Topel. “Estamos avaliando que tipo de melhorias o digital pode trazer.” Os produtores do Thunderdome também conseguem matérias de última hora e memes e, por isso, todos os sites da Digital First em todo o país podem refletir o que está acontecendo naquele momento.

O editor-chefe da Digital First, Jim Brady, diz que construiu o Thunderdome em parte para ajudar suas redações a se reestruturarem como lugares onde o jornal impresso ou o digital poderiam se tornar irrelevantes. A sala é amplamente ocupada por veteranos das redações dos jornais impressos e o projeto de Brady é que eles unam as tradições do impresso de perfeição, verificação e autoridade com os imperativos digitais pela velocidade e pela conexão com os interesses da audiência. “As batalhas ainda estão aí”, diz ele, “mas recuaram à medida que o pessoal do digital as mobilizou para papéis de liderança e, como todo mundo sabe, essa agregação só pode levar até certo ponto e tanto o pessoal do jornal impresso quanto o do digital aprendem que é melhor ficar em segundo lugar do que estar errado.”

Quando o Twitter se entusiasma com as imagens de um tumulto, de uma revolução ou de um incêndio, o Thunderdome apoia-se na recém-criada rede social de verificação Storyful. A equipe de 18 pessoas do Storyful monitora redes sociais, o YouTube e outras fontes de vídeo para ver quais imagens e matérias estão abafando; depois, tenta verificar se o vídeo é aquilo que pretende ser e repassa os resultados a seus clientes nas redações. “Se não houver nada das agências e tivermos visto que o Storyful está investigando a imagem, se conseguirmos encontrar um repórter que tenha enviado um tweet da imagem, então topamos a matéria”, diz Karen Workman, subeditora do Thunderdome para notícias de última hora.

Porém, mesmo que o Thunderdome encontre maneiras de criar fac-símiles do processo de verificação do qual não consegue dar conta, ainda há um fato espantoso. A maior parte daquilo que é coletado é o que alguém originalmente escreveu como reportagem. O Thunderdome tem uma única repórter, Bianca Prieto, que veio do Orlando Sentinel. Ela gosta de ser uma destruidora de tradições, o que é bom porque ela aprendeu que muitas vezes tem que ser a editora de seu próprio trabalho. Portanto, improvisa: “Quando termino uma matéria, eu a imprimo, pego um marcador vermelho e leio tudo de novo. Depois, compartilho a edição com alguém e mando uma mensagem pelo Skype: ‘Alguém pode dar uma olhadela?’”

Clip do governador fanfarrão

Na sexta-feira que passei no Thunderdome, eu tinha uma matéria que estava sendo editada para a edição de domingo do Washington Post. Depois que falei com Bianca Prieto, chequei minhas mensagens e verifiquei que cinco níveis de editores tinham perguntas ou ideias sobre a minha matéria – o editor que me encomendara o texto, um editor de copidesque, o editor da seção, outro editor de seção e o editor de domingo. Essa abordagem em camadas múltiplas – anormalmente densa porque esse texto seria publicado na primeira página da edição de domingo – conforta o autor, mas não é uma garantia de perfeição. Apenas quatro horas depois da matéria ter aparecido na internet, um dos principais protagonistas queixou-se que eu pusera sua família em perigo, ao dar detalhes demais sobre onde ele morava – uma decisão que não levantara discussão alguma entre as seis pessoas que haviam lido a matéria atentamente antes da publicação.

Apesar disso, há dias em que não me preocuparia em trabalhar de acordo com as ideias de Mike Topel: “Uma boa lida e é só divulgar.”

A velocidade sempre fez parte do jornalismo. Aquele impulso para dar o furo antes de qualquer outra pessoa às vezes leva a fazer matérias apesar de fontes muito frágeis. Portanto, o que é que há de diferente nos padrões das novas redações mistas? Tem a ver com a intenção: nos primeiros anos do jornalismo digital, evitava-se impor escolhas e valores próprios aos leitores, tentando conquistá-los por seus próprios interesses. Mais tarde, no entanto, os editores digitais apregoavam uma norma da velha escola: o que os leitores pedem é orientação e credibilidade. Querem saber o que é legítimo, o que é verdade – e os jornalistas, mesmo com orçamentos magros e equipes apressadas, podem desmascarar e checar os fatos.

A editora do Thunderdome Robyn Tomlin diz que os velhos procedimentos desapareceram, mas os valores tradicionais ainda são básicos. “Todo mundo aqui tem DNA de jornal impresso e, portanto, há determinados padrões que mantêm internamente”. Como ela diz, atrás de onde estamos Karen Workman e dois outros produtores – aqui, não há editores de copidesque – estão em meio a uma discussão acirrada para saber quando é correto escrever “Terra” com maiúscula.

NowThis News é uma pequena e recém-criada empresa com cerca de duas dúzias de produtores e editores que se sentam ao longo de mesas laminadas numa redação de segundo andar em Manhattan. Eles produzem de 40 a 50 vídeos por dia – clipes de seis segundos para o Vine, spots de 10 segundos para o Snapchat, versões de 15 segundos para o Instagram e trabalhos mais longos (de 30 segundos a um minuto) para o Facebook e a internet em geral. Quando o governador de Nova Jersey, Chris Christie, diz, numa entrevista coletiva de duas horas, que não é um fanfarrão, o NowThisNews pega alguns segundos desse clipe, junta-o a três ou quatro recortes mostrando o governador sendo um fanfarrão e envia os 15 segundos para o Instagram em uma hora.

“A velocidade é parte da marca”

“Tudo o que fazemos é irreverente, mas não hipócrita”, diz o editor-chefe Ed O’Keefe, de 36 anos, veterano da ABC News. “Tiramos todos os enfeites, qualquer coisa que nos distancie. A geração do YouTube entende que as histórias se desenvolvem. É feio e nem sempre é correto, mas é instantâneo.”

Eis aí a diferença fundamental entre a velha escola e a nova. No jornal impresso, nunca tive um editor que dissesse algo desse tipo em alto e bom som. Mas já ouvi inúmeros editores que lutam para descobrir como competir com o jornalismo digital e adotam a ideia de que, colocando alguma coisa na internet, podem abrir um precedente em relação a uma checagem completa. Não se trata de uma frase da amoralidade de um tabloide; O’Keefe é um jornalista sério que vem tentado achar um padrão que funcione no novo mundo. Ele não quer divulgar coisas erradas a sua audiência. Ao invés disso, quer dar-lhes a versão mais próxima da verdade que consiga enquanto fala com eles, que é agora. Espere uns minutos e eles não estarão mais lá; terão passado à matéria seguinte.

O NowThisNews produz poucas reportagens originais; praticamente todos os vídeos vêm de redes, de sites e de conteúdo viral. Portanto, o valor da empresa está numa forma distinta de contar histórias visuais. O NowThisNews acrescenta gráficos ousados e uma narrativa que mistura opinião e reportagem num estilo suficientemente intrigante para levar a NBC a adquirir 10% das ações da empresa, em janeiro, e concordar em usar seus vídeos.

“A velocidade é parte da marca”, diz Ashish Patel, vice-presidente para redes sociais. “É isso que vendemos. Portanto, nossa checagem é hiper-rápida, usando verificadores terceirizados.” Isso significa que “se o Times estiver divulgando uma reportagem, ela já foi verificada”.

Evitar regras rígidas

Esse tipo de declaração teria causado uma onda de protestos no Washington Post, onde Katharine Zaleski foi produtora executiva antes de entrar para o NowThisNews como sua primeira chefe de redação. Ela era um para-raios nas guerras de cultura no Post, ardente defensora de mudar uma redação à imagem do jornal impresso para uma que tivesse mobilidade com a velocidade da internet. Alguns repórteres e editores do Post equiparavam seu trabalho a baixos padrões. Olhando para trás, Katharine Zaleski não os culpa: “Quando você está perdendo circulação, dinheiro e amigos, você se volta para coisas intangíveis – a reputação e os padrões. Era a isso que eles podiam se prender.” Por outro lado, ela diz: “Organizações da velha escola devem, realmente, ser mais cautelosas. No Post, aprendi quanta paciência é necessária para fazer um jornalismo realmente de qualidade. Nas organizações jornalísticas, por enquanto não há orçamento suficiente para isso. A paciência exige receita”.

O NowThisNews pretende fazer mais reportagens e trabalhar com mais afinco na verificação e exatidão de seus vídeos. No meio tempo, eles vão se virando com um truque jornalístico: quando seus produtores avaliaram a possibilidade de divulgar um vídeo viral de um urso entrando numa loja de conveniência e pegando um pote de iogurte, pediram à audiência que decidisse: verdadeiro ou falso? (No fim das contas, o vídeo do urso era um anúncio da Chobani).

Em setembro do ano passado, o NowThisNews divulgou o vídeo de uma menina que fazia uma dança provocante, caía e pegava fogo, com as velas acesas – um sucesso viral, incrível demais para ser verdade, que acabou sendo divulgado pelo comediante Jimmy Kimmel. “Pensamos que era verdade”, diz a produtora Sarah Frank. Quando a verdade surgiu, “divulgamos um texto dizendo que havíamos sido enganados”. Os executivos do NowThisNews dizem que os espectadores gostam desse tipo de transparência, mas também dizem que gostariam de descobrir uma maneira de fazer com que esses enganos não aconteçam.

Sarah Frank, de 31 anos, veterana da Newsweek e da New York Magazine, acha reconfortante estar num lugar que explora os limites de tornar as notícias divertidas e pessoais, sem esbarrar na atitude defensiva de seus antigos colegas da Newsweek: “Você vai manchar a marca!” Ela é a coordenadora de uma promissora relação com a NBC e diz que todo mundo compreende que, para que o NowThisNews mantenha a criatividade, devem ser evitadas regras rígidas e sistemas de camadas múltiplas que diminuiriam o ritmo da produção.

Construção da confiança

O novo presidente do NowThisNews, Sean Mills, acabou de chegar do jornal satírico The Onion, onde aprendeu que as audiências jovens descartam muitas das convenções da narrativa – o apresentador, a redação com pirâmide invertida e uma cuidadosa neutralidade agora parecem, bem, parecem uma paródia do Onion. Mas Mills diz que a credibilidade que os vincula às marcas jornalísticas da velha escola ensina às recém-criadas empresas uma lição poderosa: é tudo sobre a verdade. Talvez não exista uma linha direta vinculando a história da menina da dança provocante à perda de audiência, mas Mills acredita que uma divulgação correta é fundamental para a construção da marca. O que ele ainda não conseguiu foi encontrar a proporção adequada entre opinião e simples reportagem, trabalho original e agregação, verificação e seleção por conta da audiência.

É sobre a construção da confiança, diz ele. Não há recursos para checar tudo, mas a resposta está na transparência: “Se você não sabe, limite-se a dizer que não pode verificar”, diz Mills. “O novo consumidor da notícia gosta de fazer parte desse processo.”

Em muitas redações de equipes reduzidas, transparência é a palavra da moda – você apenas tem que dizer aos leitores o que não tem condições de fazer (como verificar vídeos). Mas com o crescimento das startups, eles podem descobrir que o sucesso ajuda a resolver alguns de seus problemas.

Shani Hilton, de 28 anos, veio para o BuzzFeed de uma filiada da NBC e do Washington City Paper, ambos de Washington, com uma missão: “Encarreguei-me de trazer mais DNA da velha escola para este lugar”, diz ela. Como subeditora, Shani Hilton construiu uma seção de copidesque a partir de um dos três editores e pretende fazer mais. Ela diz aos produtores céticos que o conteúdo pode ser checado e aperfeiçoado sem diminuir o ritmo da máquina. “Eles têm que se sentir como se não estivessem sendo interrompidos, senão não conseguimos”, diz.

Os editores de copidesque agora fazem a revisão de todos os textos que fazem parte da lista dos 10 principais do BuzzFeed – um sintoma palpável de que audiências maiores criam mais responsabilidade e prudência. “Se algo se tornar viral, queremos que esteja correto”, diz Shani Hilton. “Mas há gente aqui dentro que acha que não é jornalista. Portanto, é um processo de aprendizado.” Ela pressiona os produtores para que entrem em contato com os criadores de material viral. “Ligue para eles”, diz ela. “Pense sobre influenciar o diálogo mais do que apenas conseguir tráfego.”

“As pessoas costumavam ver o BuzzFeed como um lugar em que você encontrava coisas divertidas”, diz Ben Smith, chefe de Shani Hilton. “Mas não como um lugar confiável. Agora, veem o BuzzFeed como um lugar onde você consegue notícias”, o que exige uma mudança de cultura.

Smith, que veio do site Politico, não irá diminuir o ritmo do metabolismo do BuzzFeed. “Se seus leitores gostam disto, esperar seria abdicar da responsabilidade”, diz. Ele reflete sobre o fato de seu site ter dado o nome errado ao responsável pelas bombas na correria para enviar a matéria sobre os ataques na maratona de Boston. Sua conclusão: “Foi um erro feio, mas as grandes matérias de última hora sempre acabam ficando totalmente fora de controle. A solução é mais e melhores repórteres, para não depender da CNN.”

Edição mais refinada

O BuzzFeed continuará refletindo aquilo que os usuários veem na internet, mas não de uma maneira cega. Para alcançar uma audiência que aceita o anonimato, mas desconfia dos motivos e das fontes, Ben Smith acredita que um BuzzFeed maior precisa de uma abordagem mais refinada na edição. Os produtores ainda enviam constantemente textos de rotina, sem controvérsias. Se uma matéria faz denúncias sérias, “nós queremos que sejam à prova de bala”; será cuidadosamente editada e contará com algumas olhadelas informais por parte de outros editores. E os artigos e investigações do BuzzFeed serão editados, copidescados e checados por verificadores de fatos.

Ben Smith recusa “regras formais como ‘você tem que ter duas fontes para acompanhar uma coisa’. É fácil conseguir nove fontes que digam a mesma coisa e mesmo assim sair errado. Prefiro confiar em repórteres inteligentes e no Twitter”, corrigindo as matérias à medida que se vão desenvolvendo.

A abordagem repetitiva, apesar de captar o espírito da internet, ainda irrita muitos jornalistas mais velhos. Numa crítica às “Verdades aparentes do BuzzFeed”, Andrew Sullivan diz que a ética de “primeiro enviar” prejudica o acordo entre jornalistas e leitores. O BuzzFeed foi irresponsável ao publicar a falsa matéria da semana de Ação de Graças sobre uma áspera discussão entre um produtor de TV de Hollywood e uma mulher que se queixava de um voo atrasado, disse Sullivan, argumentando que entretenimento e jornalismo pertencem a “espaços claramente delimitados”.

Depois que esse trote foi esclarecido, o BuzzFeed acrescentou uma nota dizendo que o produtor de Hollywood “pode ter nos pregado uma peça”. Para alguns críticos, essa foi uma desculpa esfarrapada. Lisa Tozzi, ex-editora do New York Times que dirige a equipe de notícias de 15 pessoas do BuzzFeed, reconhece que a mensagem original deveria ter sido mais cética, mas diz que, aqui, a exatidão é tão importante quanto era em sua redação anterior. Trata-se de algo vital para pessoas como Ben Smith, Shani Hilton e Lisa Tozzi, mas como esses refugiados de redações jornalísticas mais tradicionais perceberam quando chegaram ao BuzzFeed, nem todo mundo se baseia nas velhas maneiras de fazer as coisas.

Summer Anne Burton veio para o BuzzFeed como vieram muitos outros produtores – sem muita experiência ou ambição em jornalismo. Como garçonete e blogueira em Austin, ela queria encontrar coisas interessantes na internet e compartilhá-las com amigos. A ideia de que alguém lhe pagasse para fazer isso pareceu-lhe fabulosa. Agora, como diretora administrativa – ela supervisiona a equipe do Buzz, de 35 pessoas que, como ela diz, “fazem as coisas pelas quais o BuzzFeed é conhecido, como listas, questionários, animais…” –, ela começa a pensar em si como jornalista.

“Você tem que escrever o que as pessoas querem ler”

“Muitos de nós pensávamos nisto como uma empresa de tecnologia”, diz Summer, relembrando seus primeiros dias ali, há dois anos. “Desde que o Ben chegou, estamos aprendendo a elevar os padrões mantendo nossa atitude experimental.” A equipe de Summer costumava trabalhar com um único padrão. “Se algo fosse muito importante na internet, nós o publicávamos.”

Depois, Ben Smith chegou, trazendo com ele a paixão de editor pelas notícias de momento, o amor aos tabloides de um garoto de Nova York e uma poderosa sensação de si próprio como jornalista sério e um grande artista.

À medida que crescem a audiência, a equipe e a receita do BuzzFeed, o objetivo da empresa passou de acariciar os olhos com coisas leves para o desejo da velha escola de fazer a diferença. Mark Schoofs, um veterano repórter investigativo que trabalhou no Wall Street Journal e, depois, na ProPublica, entrou para o BuzzFeed para lançar uma unidade investigativa. A cobertura investigativa e no exterior do BuzzFeed continua mínima, em meio a uma grande sala de pessoas que fazem listas e questionários, mas a presença de Schoofs ajuda pessoas como Summer a pensar nelas mesmas não apenas como agregadoras, mas como alguém que tenta desmascarar falsas informações.

A nova mentalidade levou a outras mudanças. “Começamos a fazer correções há cerca de dois meses”, diz Summer. E ela afastou-se das manchetes marotas. “Houve uma época em que era arriscar tudo para ficar entre os primeiros resultados de busca do Google. Mas essas manchetes que decepcionam as pessoas são contraprodutivas”.

Summer pensa em seu trabalho como uma diversão, “mas as linhas divisórias estão pouco nítidas”, diz. Rega Jha, de 22 anos, há seis meses na Universidade de Columbia, tornou-se uma estrela da equipe do BuzzFeed com sua lendária lista 29 Struggles That Only People With Big Butts Will Understand[29 problemas que só pessoas com bumbum grande vão entender], que foi visitado por 4,8 milhões de pessoas em sua primeira semana. Porém, embora adore fazer listas, sua matéria preferida é um texto de quatro mil palavras sobre abuso sexual na Índia – uma matéria que levou dois meses para produzir e passou por 20 edições entre vários editores do BuzzFeed. Foi visitada 200 mil vezes, “muito mais do que se tivesse sido publicada por um jornal ou revista, que não entendem nada de internet”, diz Rega Jha.

Em termos ideais, diz, ela gostaria de escrever 28 Things That People With Big Boobs Can Simply Never Do [28 coisas que pessoas com peitos grandes simplesmente nunca podem fazer], outro de seus sucessos, e textos de reportagem sobre justiça social – trabalhos difíceis e sérios, mas do jeito do BuzzFeed: “O jeito é o mesmo, quer você esteja escrevendo sobre traseiros grandes ou sobre Bill Gates. Você tem que escrever o que as pessoas querem ler.”

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Marc Fisher é jornalista