Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Suzana Singer

A imprensa fez um estardalhaço com o resultado da pesquisa sobre violência contra a mulher, corrigida anteontem pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão do governo federal.

Os números impressionavam: 65% dos brasileiros teriam concordado que “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas” e 58% que, “se as mulheres soubessem se comportar, haveria menos estupros”.

Foram publicadas pelo menos dez colunas sobre a pesquisa na grande imprensa, todos textos indignados com o poço de machismo em que está mergulhado o país.

“Nenhum orgulho de ser brasileiro”, “é o nosso lado obscuro”, “dá arrepio na alma”, “não há nada [na pesquisa] que eu já não soubesse”, “os que têm orgasmos com a democracia direta deveriam escutar mais vezes as aberrações que o povo defende” foram algumas das conclusões dos analistas.

Até a presidente Dilma escreveu no Twitter: “A sociedade brasileira ainda tem muito o que avançar no combate à violência contra a mulher”. E depois deu apoio à jornalista que criou a campanha virtual #nãomereçoserestuprada.

O Ipea foi parar na novela das oito, “Em família”: o marido lê para Helena a notícia “absurda” no “Globo”. “É uma sociedade machista e retrógrada”, diz a protagonista.

A imprensa não poderia ter adivinhado que havia um erro tão grande na pesquisa –são 26% (e não 65%) os que concordam que mulher que veste roupa sexy merece ser atacada–, mas deveria ter desconfiado de resultados tão extravagantes.

“A primeira coisa que um engenheiro faz quando vê uma medida absurda é questionar o termômetro”, escreveu um leitor que estranhou os dados do Ipea.

Surgiram algumas críticas à pesquisa na internet, questionando sobretudo a forma como as perguntas foram feitas e dando pistas de que havia algo errado com a amostra.

As entrevistas foram feitas em domicílio, no horário comercial, quando tem menos gente economicamente ativa em casa. Há uma overdose de mulheres, idosos, pessoas com baixa escolaridade e moradores do interior. A amostra tem 66% de mulheres (no Brasil, entre os maiores de 16 anos, elas são 52%), 19% de idosos (deveriam ser 15%), 5% com diploma universitário (em vez de 11%) e 29% de moradores de áreas metropolitanas (são 41%).

O instituto poderia ter feito uma ponderação dos resultados, dando, por exemplo, um peso maior às respostas dos que têm alta escolaridade, mas não o fez. Como essas variáveis fazem muita diferença em pesquisa de opinião, não dá para extrapolar nenhum resultado para toda a população brasileira, embora o Ipea não admita isso.

Em vez de desconfiar do tamanho da esmola, a imprensa reproduziu sem hesitar os dados. Jornalistas, sempre desconfiados dos políticos, são facilmente seduzidos pelo que vem embalado em números e com a chancela de um instituto.

Denuncismo

Três repórteres da Folha gastaram três semanas monitorando as saídas dos condenados do mensalão que estão no regime semiaberto. Constataram que Valdemar Costa Neto, ex-presidente do PR, recebeu visitas de deputados no local de trabalho e que passou uma vez no McDonald’s. Jacinto Lamas, também ex-PR, rezou, por dez minutos, em uma paróquia e encontrou-se uma vez com a mulher.

A reportagem, que ocupou uma página, é exemplo do denuncismo estéril que se critica na imprensa. Com tanta investigação séria em andamento, e daí que um tenha comido Big Mac e o outro tenha rezado para Nossa Senhora de Guadalupe?

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Suzana Singer é ombudsman daFolha de S. Paulo