E os blogs pessoais, hein?
“Você abandonou o blog!”, cobrou um leitor das antigas. “Não é bem isso”, desconversei. “Só mudei de ritmo, deixei de fazer atualizações diárias, ponho menos fotos…” “Justamente: você abandonou o blog.”
Não se pode discutir contra evidências: eu abandonei o blog, embora me custe reconhecê-lo e, ainda mais, confessá-lo. O internetc., que nasceu em 2001 e que eu não conseguia explicar para ninguém, é hoje apenas um repositório das colunas do jornal, uma forma simples de manter à mão textos dos quais posso precisar. Os mesmos textos existem no OneDrive e no Dropbox, mas, bem ou mal, ainda há resquícios de caixas de diálogos no blog, onde um que outro leitor deixa o seu recado.
Fazer um blog em 2001 exigia certa determinação. Eu escrevia para 11 pessoas; em dias de muita repercussão, 19. Nenhum dos meus amigos entendia o que eu queria com aquilo, já que eu assinava coluna no Globo e editava um caderno de tecnologia. Para que alguém com tantos leitores se dava ao trabalho de escrever para meia dúzia?
Nem eu sabia muito bem.
O que me entusiasmava era a ideia da comunicação instantânea. Mas, como às vezes ninguém aparecia no blog, ficava no ar uma pergunta bastante pertinente: comunicação com quem, cara pálida?
Na melhor das hipóteses, com outros autores de blogs. A comunidade era pequena, todos nos conhecíamos, e era de bom tom visitarmos uns aos outros. Até hoje tenho ótimos amigos desses tempos pioneiros.
Depois do 11 de setembro, que revelou ao mundo a existência dos blogs, veio uma época de ouro, em que muitas pessoas – mesmo algumas que nem tinham blog! – apareciam regularmente, liam, davam palpite, trocavam ideias entre si nas caixas de comentários.
Blogs pessoais migraram para o Facebook
Essas caixas eram um outro capítulo, porque não faziam parte dos aplicativos. Eram bacalhaus escritos e mantidos por voluntários, que contribuíam para a “causa” pela mesma razão pela qual nós, blogueiros, escrevíamos: o prazer da experiência. Às vezes caíam, às vezes nem entravam no ar, às vezes davam defeitos. Ninguém reclamava; fazia parte. Mas era graças a elas que a comunidade vicejava.
O internetc. tinha leitores tão simpáticos que passou a ser chamado de “blogtequim”. Era um ponto de encontro e boa conversa, onde valia tudo, menos gente agressiva e mal educada. Uma das regras básicas era que as discussões tinham de ser pertinentes ao assunto. A exceção eram as fotos de gato, em cujos comentários o tema era livre. Nessas áreas é que, por vezes, rolavam os melhores papos, de discussões filosóficas a reclamações sobre calçadas esburacadas, passando por indicações de profissionais especializados e receitas de bolo.
Nessa época, o cérebro dos blogueiros da ativa funcionava de modo curioso: em primeiro plano, realizava as funções habituais de qualquer ser humano; mas, por trás, só pensava no que daria ou não daria um bom post. Uma flor amarela! Um guarda multando um carro! Um assalto! Uma briga na esquina! Uma viagem! Um livro! Um filme! Uma topada! Um sorvete de caramelo! Tudo era virado, revirado e eventualmente aproveitado. Ou não.
Com o tempo, os blogs pessoais migraram para o Facebook. Um dia um post que, normalmente, iria para o blog acabava no FB; no outro dia, mais um ou dois. Assim, antes que nos déssemos conta, o que antes chamávamos de blogosfera passou a ser rede social. O Facebook tem a vantagem de reunir todos os blogueiros que, nos velhos tempos, estavam espalhados. Ninguém precisa mais sair à cata de blogs; basta ir para a página principal. Valeu a troca?
Mais sobre isso na semana que vem.
******
Cora Rónai é colunista do Globo