Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A inflação pelos olhos do mercado

Com inflação na faixa de 25% a 30% no último ano, os argentinos poderiam festejar a notícia. Os venezuelanos, com alta de preços acima de 50% em 2013, poderiam ficar até mais contentes. Mas em qualquer país com mercados ainda mais ou menos normais, um aumento de preços de 0,78% em um mês dificilmente justificaria alguma comemoração. Muito menos poderia justificar prognósticos de afrouxamento da política monetária, exceto, talvez, para quem vive do dia a dia da especulação financeira. Acumulada em 12 meses, uma alta de 0,78% resultaria em 9,77%, uma taxa escandalosa, especialmente quando a projeção mais otimista – a do governo –aponta um crescimento econômico de 2,5%.

Esse mundo estranho, onde uma inflação tão alta pode ser avaliada com otimismo, é o Brasil. Na Quinta-Feira Santa (17/4) foi divulgado o IPCA-15 de abril, 0,78%. Esse indicador, considerado uma prévia do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), referência para a política de metas, é apurado entre o meio de um mês e o meio do mês seguinte. Resulta, portanto, de uma pesquisa também mensal, diferente apenas pelo período coberto.

Parte do noticiário deu mais destaque às avaliações obtidas no mercado financeiro do que à própria inflação, aquele incômodo sentido pelos consumidores quando têm de fazer suas compras e pagar suas contas. A taxa de 0,78% ficou abaixo da mediana das projeções do mercado e – acreditem – isso foi classificado como boa notícia por várias fontes.

Projeções e apostas

Essa é uma das peculiaridades do mercado financeiro e, por extensão, do noticiário guiado pela visão desse pessoal. Uma das manifestações mais ostensivas dessa característica – ou perversão – ocorre na primeira sexta-feira de cada mês, quando o Departamento do Trabalho dos Estados Unidos divulga o pay-roll, isto é, o balanço oficial de contratações e demissões no mês anterior e a evolução do nível de desemprego.

Há sempre um ambiente de tensão muito forte nas bolsas e em outros segmentos do setor financeiro enquanto se esperam os novos números. As agências especializadas entram no jogo da ansiedade até aparecerem os números oficiais. Os dados, afinal, apontam a criação líquida de 100 mil empregos, enquanto a mediana das projeções indicava 120 mil – a primeira reação será refletida na queda das cotações e as primeira notícias deverão mencionar o substantivo “decepção” ou o verbo “decepcionar”.

Que os especuladores façam esse jogo pode ser normal, mas o quadro geral é cômico, especialmente por ser aparentemente levado a sério pelos meios de comunicação. A economia americana vem liderando o mundo desenvolvido na criação de empregos. Governos europeus ficariam muito felizes se pudessem divulgar números parecidos com os do pay-roll dos Estados Unidos. A evidente melhora do mercado de trabalho foi a primeira e mais importante justificativa para a redução dos estímulos monetários, a partir de janeiro, pelo Federal Reserve (Fed), o banco central americano.

Não há nada anormal na oscilação da abertura de vagas de um mês para outro, e é uma evidente aberração avaliar o estado do mundo pela mediana das projeções do mercado financeiro. Essas projeções podem ser bem fundadas, em alguns casos, e vale a pena considerá-las. Mas é preciso discernir a fronteira entre as projeções técnicas e o jogo da especulação, típico dos mercados.

Como disse um grande filósofo político brasileiro, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. De um lado estão os números da inflação, os elementos para avaliar as tendências e, enfim, as necessidades objetivas de ação do BC para alcançar a meta num prazo razoável. De outro estão as projeções de curtíssimo prazo do mercado, as apostas dos investidores e sua avaliação das próximas ações dos condutores da política monetária.

Boa pergunta

A variação do IPCA-15 de abril, 0,78%, foi maior que a do IPCA-15 de março, 0,73%, mas inferior à do IPCA fechado de março, 0,92%. Qual a comparação relevante para a identificação de uma trajetória? Qual a evolução dos preços por atacado, nos últimos meses, e quais as possibilidades de repasse dos aumentos? Isso depende, obviamente, de condições como o crédito, o nível de emprego, a renda dos consumidores e a situação das contas públicas.

A avaliação do próprio Banco Central é pouco otimista, embora o presidente da instituição, Alexandre Tombini, tenha prognosticado uma redução das pressões nos próximos meses. Ele falou do assunto um dia antes da publicação do IPCA-15 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A palestra foi interpretada por analistas do mercado como sinal encerramento da fase de alta de juros. Mas, pelas projeções do BC, a inflação acumulada em 12 meses ainda estará acima da meta, 4,5%, no começo de 2016, isto é, dentro de mais dois anos. Também as projeções do mercado financeiro coletadas na semana anterior na pesquisa Focus, do BC, apontavam uma alta de 6% para o IPCA no próximo ano.

Que justificativa os condutores da política monetária teriam para interromper a alta de juros, agora, quando os números ainda são tão feios. Alguém poderia mencionar a defasagem entre as medidas de aperto monetário e os efeitos sobre os preços. Esses efeitos, segundo Tombini, ainda se manifestarão. Mas, com os resultados obtidos até agora, alguém se arriscará? Se a resposta for afirmativa, a explicação será técnica ou política? Seria interessante formular também essas perguntas às fontes financeiras.

******

Rolf Kuntz é jornalista