Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Segurança versus liberdade

O que queremos para o futuro da humanidade digital? Esta é a grande questão a ser debatida no encontro que o Brasil está sediando esta semana sobre governança de internet.

Por certo, todos querem uma internet livre de vírus e bugs, como o recente heartbleed, que expôs a vulnerabilidade do até então blindado SSL e deixou usuários e gestores de TI apavorados em todo o mundo.

Mas será que o preço da segurança é a liberdade? Como proteger mais os usuários sem que isso signifique um aumento de monitoração e vigilância da web? Quais os limites?

Por outro lado, qualquer melhoria técnica tem custos. Quem paga esta conta? A internet como conhecemos, apesar de ser uma via pública de acesso, está nas mãos de um grupo seleto de empresas privadas que cobram como pedágio os nossos dados. Ou seja, a moeda de troca hoje é privacidade.

Sendo assim, como ficará a conta de infraestrutura digital do Brasil em um cenário de Marco Civil em vigor?

O primeiro impacto direto ocorre no modelo de negócios atual resultante de oferta de publicidade dirigida por navegação individual, que envolve sim olhar o comportamento do usuário e inclusive utilizar cookies. Sem isso e sem poder usar os dados dos internautas, como será que essa conta fecha?

Sustentabilidade digital

Espero que o resultado de toda esta discussão gire em torno de medidas viáveis e mecanismos que permitam a sustentabilidade de uma internet mais inclusiva e de qualidade.

Uma das alternativas envolve um formato híbrido de parceria público privada (PPP), pois dificilmente a internet avançaria apenas na mão do Estado, até por seu princípio colaborativo e aberto.

Então será que esta web ideal livre de pragas, mais segura, com mais privacidade e com conteúdo gratuito é utópica?

Temos que ter muito cuidado para não achar que seria possível uma internet livre de tudo, inclusive do próprio capitalismo! A não ser que surja uma ideia brilhante de como garantir a evolução tecnológica da web, sem que isso implique em alguém criar alguma taxa ou imposto para cobrir os investimentos necessários.

O que queremos regular, então? Princípios apenas? Mas isso não é prático nem gera uma resposta a curto prazo de como manter a conectividade e o acesso com um volume cada vez maior de usuários e de tráfego de dados e ainda corrigir as falhas de segurança e proteger os dados pessoais dos indivíduos.

Será que vamos conseguir chegar a um modelo de neutralidade completa e ainda gerar um padrão novo criptográfico que consiga nos proteger do grande vigia da web?

Na ordem do dia, ainda precisamos tratar de temas que impactam nossas vidas digitais diretamente como lidar com o lixo eletrônico e o aumento do trabalho remoto para combater o trânsito nos grandes centros urbanos. Ou seja, mas dados e mais necessidade de banda, de serviços, aplicações, armazenamento, nuvem!

O Brasil precisa conquistar seu espaço no território internacional digital, que significa delimitar melhor as fronteiras de seus dados e as regras que regem o uso dos mesmos. Mas qual penalidade impor a quem não cumprir?

O que precisamos, de verdade, é muito mais que uma carta de princípios, que uma Constituição Local da Web, mas sim, de uma política pública séria de desenvolvimento de softwares, aplicativos, códigos para aprimorar a web em nível supranacional e global, bem como investimentos para combater o apagão digital.

O Brasil nesse ponto tem como grande moeda de barganha justamente seu potencial populacional ávido por consumir dados, tecnologia, telecomunicação e energia melhores e mais baratos.

Que o próprio Marco Civil aprovado no Senado seja o início desta visão pública de sustentabilidade digital. Mas para tanto, precisa haver continuidade, com regras claras e sabendo quem paga esta conta no final.

>> Veja a íntegra do texto final da NETMundial.

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Patricia Peck Pinheiro é advogada especialista em cultura digital e inovação, autora de 14 livros sobre Direito Digital