As discussões sobre a governança da internet, que começaram a ser feitas ontem durante a conferência NetMundial, em São Paulo, colocaram Estados Unidos e Rússia em lados opostos. O ponto de desacordo foi a participação de governos nas definições dos rumos da rede.
Um dos principais debates é o estabelecimento de organismos que possam tomar decisões sobre questões técnicas e políticas relativas à rede. A ideia é que diferentes agentes participem desse processo. O NetMundial, que reúne 90 países, é o primeiro evento global onde essas questões estão sendo discutidas. E não há, por enquanto, consenso sobre em que âmbito essas discussões serão feitas, quem vai participar e o papel de cada um.
Durante sua apresentação, feita pouco antes dos Estados Unidos, o ministro das Comunicações de Mídias de Massa da Rússia, Nikolai Nikiforov, afirmou que, por estarem sujeitos a leis internacionais, os governos podem atuar na garantia dos direitos e das liberdades dos cidadãos e também ter um papel importante na manutenção da infraestrutura da internet.
Pouco depois do discurso do russo, o coordenador de segurança cibernética da Casa Branca, Michael Daniel, assumiu a palavra. Depois de destacar o comprometimento do país na busca por uma nova governança para a rede, ele deu uma resposta velada ao russo. “Alguns querem usar as recentes revelações sobre nossas ações de inteligência como desculpa para reverter a abordagem de múltiplos representantes e a abertura que ela promove em favor de um sistema direcionado por estados, que impede que isso aconteça”, disse.
Multas e suspensão para quem descumprir a lei
Desde a criação da internet, os EUA são os responsáveis pelos dois principais órgãos técnicos que comandam o funcionamento da rede: a Icann (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers) e a Internet Assigned Numbers Authority (IANA).
Nos últimos anos, diversos países – com bastante influência do Brasil – têm argumentado sobre a necessidade de que esse vínculo seja desfeito. O governo dos EUA afirmou em março que fará essa transição. Para que isso aconteça o país quer que a comunidade internacional apresente para sua avaliação uma proposta sobre como será feito esse processo. “Queremos fazer esse processo mais com foco na qualidade do que na velocidade” disse Daniel, ao Valor.
Para Virgílio Almeida, secretário de política de informática do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e presidente do NetMundial, é possível ter uma convivência entre governos e outras instituições nas definições dos rumos da internet. “O Brasil tem isso há 20 anos com o Comitê Gestor da Internet” [o CGI, que tem membros do governo, empresas e da sociedade civil], disse.
As discussões, que continuam hoje no NetMundial, serão o tema principal de outros dois eventos internacionais que acontecerão ainda neste ano: o encontro do Internet Governance Forum (IGF), em setembro, e o da União Internacional de Telecomunicações (UIT), em outubro.
“Precisamos definir onde queremos estar até o fim de 2014”, disse ontem a alemã Neelie Kroes, vice-presidente da Comissão Europeia. “Vou estar no pescoço de todo mundo até que tenhamos uma discussão sobre ações práticas”, disse ela.
De acordo com um interlocutor europeu, há entendimento de que é preciso ter um novo modelo de governança na web nos próximos dois anos. Há risco de divisão da internet mundial em sub-redes, que funcionem sob as regras definidas em cada país. “Já podemos ver isso com os bloqueios que existem na China e em alguma forma na Turquia”, disse.
No Brasil, depois do Marco Civil da Internet, sancionado ontem pela presidente Dilma Rousseff, o governo já tem uma nova bandeira. Em formulação desde 2010 no Ministério da Justiça, o projeto de lei de proteção de dados pessoais tornou-se uma prioridade. “Ele preenche uma lacuna para o Brasil frente a muitos outros países”, disse Danilo Doneda, coordenador geral de estudos e monitoramento de mercado do ministério.
De acordo com ele, algumas empresas hoje evitam fazer negócios no Brasil por não terem certeza sobre as regras para lidar com os dados no país. Segundo Doneda, o projeto de lei abrange não só os dados armazenados na internet, mas também informações como prontuários médicos e cadastros junto a órgãos públicos. Além de definir como os dados devem ser guardados, o texto também traz orientações sobre o que deve ser feito em caso de vazamentos de dados. Ele também estabelece sanções como pagamento de multas e suspensão de atividades para quem descumprir a lei. A expectativa é que o texto vá ao Congresso até o fim do ano.
O NetMundial começou ontem [quarta, 23/4] e termina hoje [quinta, 24]. A expectativa é que um documento final com propostas discutidas nos dois dias seja apresentado hoje às 18h.
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Gustavo Brigatto, do Valor Econômico