Um susto. Foi como num fim de livro que eu soube da morte de Gabriel García Márquez. Não deixa de ser irônico: Na quinta-feira, dia em que ele se foi, para mim seria um dia comum. Porém, algumas coisas fazem com que esse diafique marcado. Um: porque foi quando eu terminei de ler O veneno da madrugada; dois: tive quatro aulas de Jornalismo Comparado, que falaram do El País, jornal espanhol em que García Márquez havia trabalhado; três: foi quando recebi a notícia. De forma sutil, mas achei que fosse piada.
Aos 87 anos, falecia o homem que escreveu alguns dos melhores livros que li durante meus 20 anos e oito meses de vida, em ordem: Cem anos de solidão; O enterro do diabo: a revoada; O amor nos tempos do cólera; Relato de um náufrago; Crônicas de uma morte anunciada e O veneno da madrugada.
Para mim, Gabo vai além de um escritor e jornalista. Posso dizer que ele é meu escritor preferido, apesar de não ter lido toda sua obra. O velho colombiano de bigodes era de uma sutileza única e, ao mesmo tempo, de uma voracidade incrível, tanto na personalidade, quanto nas linhas escritas. Recebeu o Nobel de literatura de branco, contrariando o protocolo, e sempre estava por aí com suas flores amarelas, como quando fez sua última aparição pública.
Osignificado do que se diz
Sabia como ser intenso. E a sua narrativa sempre foi algo que me prendeu. É como se o livro me fizesse esquecer do mundo, e me colocasse em uma outra dimensão, a que ele entrelaçava: o realismo-mágico. Porque, como ele mesmo dizia, “a realidade é que é mágica”. E fazia isso como que com uma varinha mágica. Gabo é mago, genial. Seus romances são de uma força extrema, porque consomem o leitor, são fortes, incisivos, inesgotáveis. E, quando se termina um, fica a sensação de que você está “de volta à realidade”, vendo o mundo de outra forma. Ele também me fez entender que há muito além da literatura americana, e há muita coisa boa – mesmo – na literatura latina. Era um esquerdista pensante e ativo, admirável.
Esse filho da cidade de Aracataca escreve um texto que hipnotiza, como romancista. É incrível: A cidade fictícia de Macondo, de influência latino-americana; sete gerações de Buendías, destinadas a um século de solidão; um filho que nasce com um rabo; Remedios, que é carregada aos céus por lençóis; Amaranta, a menina que come terra; a multidão de Aurelianos; o telegrafista apaixonado, Florentino Ariza. Muita coisa a contar. E é mais um dos motivos pelos quais Gabo é único. Com uma variedade impressionante de personagens, todos interligados, descreve páginas e páginas de sentimentos como poucos. Sua caneta tinha cheiro de goiaba.
Também me influenciou como jornalista. Não à toa, acompanhou nessa função o relato de um náufrago que ficou 14 dias à deriva, depois que o barco onde estava afundou. Cheguei a usar uma de suas citações quando fiz um jornalzinho, o Corte de Lucidez, para a faculdade. Sobre o jornalismo, dizia ele:“Pois o jornalismo é uma paixão insaciável que só se pode digerir e torná-lo humano por sua confrontação descarnada com a realidade. Ninguém que não a tenha sofrido pode imaginar essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida. Ninguém que não a tenha vivido pode conceber, sequer, o que é essa palpitação sobre natural da notícia, o orgasmo das primícias, a demolição moral do fracasso. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderá persistir num ofício tão incompreensível e voraz, cuja obra se acaba depois de cada notícia como se fora para sempre, mas que não permite um instante de paz enquanto não se recomeça com mais ardor do que nunca no minuto seguinte.”
É por essas e outras que vou sentir falta de Gabo, mas não vou parar de ler o que ele escreve. Porque, como na vida, o significado do que se diz só é descoberto ao fim da última linha.
¡Adiós y gracias, Gabo!
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Luiz Henrique Zart é estudante de Jornalismo