Em 1983, eu era um jovem aspirante a distribuidor de filmes e estava no Festival de Cannes procurando por um longa que me consagrasse. Tinha ido à escola de cinema, tinha estudado Godard, Truffaut, Visconti e Fellini e tinha brilho nos olhos. Queria seguir a tradição de Don Rugoff, presidente do Cinema 5, que era ídolo de todos. Mas lá estava eu, sem quaisquer conexões com gente do meio.
Por acaso, avistei William Styron, que estava no júri naquele ano. Styron conhecia minha mulher na época. Eu me apresentei, e ele teve pena de mim:
– Garoto, se há um filme a ser comprado neste festival para o que você faz, é “Erendira”.
Então, lá estava um juiz me dando informação privilegiada. Nada tão grave como fazem alguns caras de Wall Street, mas era informação privilegiada assim mesmo.
No entanto, minha mãe me criou bem, e eu não fui atrás do filme até que o festival tivesse acabado. Meu irmão Bob e eu conseguimos adquiri-lo para a Miramax. “Erendira” foi dirigido por Ruy Guerra, escrito por Gabriel García Márquez e estrelado por Irene Papas e Claudia Ohana.
Era um filme maravilhoso, e eu me encontrei com García Márquez por um segundo. Mais tarde, pude conversar com ele por telefone, quando ele enfrentou problemas para obter um visto para os Estados Unidos.
Nós testamos o filme em Nova York. Erendira era, originalmente, uma personagem da obra-prima de García Márquez “Cem anos de solidão”; ela se tornou depois protagonista de um romance do autor e, finalmente, de seu roteiro. Nossa plateia gostou da história, mas havia uns trechos muito lentos.
Depois de falarmos com o público, Guerra me disse que tinha tentado persuadir García Márquez a encurtar o filme, mas ele não se convencera disso. Guerra achou que era melhor eu ligar. Como estava nesse negócio há menos de dois anos, eu tremia. García Márquez perguntou: “Por que você quer cortar o filme?”. Respondi: “O diretor e eu achamos que o público estava impaciente”. Ele retorquiu: “Como você pode ter certeza?”. Eu disse: “Eles começaram a se mexer, e nós podíamos ouvir o barulho dos assentos”. García Márquez rebateu: “Se as bundas deles estavam se retorcendo nos assentos, então, pelo amor de Deus, precisamos cortar essas partes”.
García Márquez sempre brincava comigo sobre a comichão nos assentos e sobre a forma como comercializei o filme: fazendo com que Claudia Ohana, uma brasileira linda, posasse para a “Playboy”. Foi a convergência perfeita de alta e baixa cultura: o vencedor do Prêmio Nobel e a “Playboy”. Funcionou, e o filme virou um sucesso cult.
Dois minutos
Anos mais tarde, como leal e precoce apoiador de Bill Clinton, eu encontrava o presidente em Martha’s Vineyard, onde tirávamos férias. Durante seus mandatos, eu exibia filmes para ele, intitulando-me projecionista-chefe da Casa Branca, ao que ele respondia: “Para sua sorte, isso não exige aprovação do Senado”. Um dia, o telefone tocou, e era o presidente me chamando para almoçar na casa de Styron. Cheguei e vi entrarem o presidente, Bill e Rose Styron, Carlos Fuentes e García Márquez.
Clinton pode conversar sobre qualquer coisa. Mas eu fiquei fascinado mesmo quando ele engatou um papo sobre literatura com García Márquez, Fuentes e Styron.
As coisas ficaram divertidas quando García Márquez falou sobre reconhecer Cuba. Fuentes deu força, e Styron se juntou ao coro. Eram três contra um, mas o presidente se manteve seguro ao explicar o porquê de não fazê-lo. Quando o almoço acabou, o presidente apertou minha mão e disse:
– Esse Gabriel García Márquez é um cara e tanto. Não concordo com as opiniões políticas dele, mas como ele sabe escrever.
Uma das últimas vezes que falei com García Márquez foi a pedido de Giuseppe Tornatore, diretor de “Cinema Paradiso”. Eu tinha exibido “Paradiso” para ele, que tinha adorado. Então, disse que queríamos os direitos para transformar “Cem anos de solidão” em filme. García Márquez respondeu que éramos os homens certos para o trabalho e que adoraria nos ceder os direitos. Tinha apenas uma condição: nós teríamos que filmar todo o livro e lançar apenas um capítulo, de dois minutos de duração, a cada ano, por cem anos.
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Harvey Weinstein, para o New York Times