O programa Esquenta, da Rede Globo, apresentado por Regina Casé e que tem como foco mostrar a cultura das favelas e periferias para o país, acordou de luto. Em um programa especial dedicado ao dançarino DG (Douglas Rafael da Silva Pereira), de 26 anos, morto possivelmente pela Polícia Militar do Rio de Janeiro na favela do Pavão-Pavãozinha no dia 22 de abril, toda a equipe lamentou sua morte, mas a tratou como fatalidade, como se não passasse de algo até normal, que “acontece”.
Se por um lado é importante que um programa de audiência nacional mostre que nem tudo são flores nas favelas “pacificadas”, por outro chega a ser nocivo que responsabilidades sejam jogadas para debaixo do tapete. DG foi assassinado com um tiro, afogou em seu próprio sangue e foi “desovado” nos fundos de uma creche. A perícia inicial apontou uma queda, fato desmentido imediatamente por fotos do corpo do rapaz e por testemunhos que afirmaram que ele teria sido morto por policias da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) do local.
Caberia a um programa de TV ao menos apontar possíveis culpados e exigir respostas do Estado. E entender que as UPPs são, em si, a ponta de lança no extermínio da população pobre das favelas. A morte de DG não foi uma fatalidade, mas é reflexo da “pacificação” que nada mais é que impor a paz das armas à favela para garantir a tranquilidade do asfalto. Direta ou indiretamente, a morte de DG é de responsabilidade do Estado. Para problemas concretos (jovens negros sendo executados), o programa oferece respostas subjetivas, como amor, conscientização… Apenas um show midiático.
Um importante apoio e incentivador
De fato, conscientização é algo que está em voga. A mãe de DG, consciente de sua situação, se recusou a servir de peça de propaganda para o governador Pezão (PMDB). A família de Amarildo se recusa a deixar morrer a história de seu brutal assassinato e “desaparecimento”. E ativistas por todo o país não deixam que a memória de Claudia, arrastada por uma viatura da PM e morta, seja esquecida.
Em todos estes casos há em comum a presença da PM, a presença de forças “pacificadoras” que servem apenas para impor o controle armado e para torturar e matar. E a Globo, obviamente, sequer resvala no tema. Pelo contrário, a Globo é contumaz entusiasta da política de UPPs – assim como, aparentemente, Regina Casé em seu programa.
As pessoas acham normal que o programa faça apologia das UPPs (o programa chegou a levar policiais da UPP para desfilar com debutantes das favelas “pacificadas”), mas se escandalizam quando são dados nomes aos bois. Um luto que esconde os responsáveis pelo assassinato de DG acaba se transformando em puro sensacionalismo e dramaturgia em busca de Ibope.
Impossível negar a genuína dor de Regina Casé e dos demais pela morte de seu colega, mas é possível questionar o silêncio frente às evidências. A sinceridade não está em disputa, mas sim, o tom de “catástrofe natural” com que o caso é levado. Fatalidade, desgraça, acaso… Não. O assassinato/extermínio de jovens negros em favelas é uma política de Estado cumprida pela PM. As UPPs são o Estado em forma de repressão violenta e tem na mídia um importante apoio e incentivador.
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Raphael Tsavkko Garcia é mestre em Comunicação