As redes sociais são algo realmente incrível e, a cada dia, são mais importantes em termos de oferta de informação para quem as a utiliza. O problema é que o excesso de conteúdo demanda sempre uma filtragem mais atenta. O que há de informações falsas não está no gibi, algumas por ingenuidade de quem posta, outras mal-intencionadas mesmo.
Quando questões polêmicas vêm à tona, aí é que as redes fervem com opiniões e postagens inflamadas de ambos os lados. E essa pluralidade, que deveria ser extremamente salutar, acaba virando guerra, com comentários ofensivos e respostas malcriadas.
Querem um exemplo?
A morte do dançarino Douglas Rafael da Silva Pereira, o DG, durante uma operação da PM no morro do Pavãozinho, no Rio de Janeiro, há poucos dias.
É difícil você ver uma postura equilibrada. De um lado, críticas ferozes e acusações contra a Polícia Militar e suas ações em comunidades carentes, do outro, gente achando que o rapaz tinha culpa no cartório e que está sendo feito de mártir por trabalhar em um programa da Rede Globo.
Tento, por força da profissão de jornalista, ler tudo que se publica, tanto de um lado quanto do outro. Até porque existem argumentos válidos dos dois lados. E como o caso ainda não foi esclarecido, ninguém pode se considerar o dono da razão.
Depois de ver tudo que apareceu nos últimos dias, resolvi escrever este post e, nas próximas linhas, vou tentar dar uma resumida na polêmica e levantar alguns questionamentos que acho válidos.
Jornalista vilão
Está claro para todos de que houve um assassinato. Resta saber de onde partiu a bala que matou o rapaz. Por se tratar de uma operação policial surge logo a hipótese de que o dançarino tenha sido baleado por policiais. Além do mais, por conta da conduta truculenta de muitos de seus homens, a PM do Rio de Janeiro acaba pagando o pato e sempre está sob suspeita. No entanto não dá para descartar a hipótese de que o disparo tenha partido de um bandido.
Só a perícia poderá dizer. E esperamos que o faça de forma competente e rápida. Só que a imagem de nossas autoridades está tão desgastada que mesmo que a PM seja inocentada pelos peritos, haverá sempre quem diga que o laudo foi forjado para inocentar os policiais. Alguém duvida?
Depois da morte e de suas circunstâncias (o fato do rapaz pular da laje para fugir do tiroteio) também surgiram suspeitas sobre a vítima. Teria ele ligações com o tráfico? Logo brotaram, no reino da internet, “provas” de que DG não seria tão santo assim. Primeiro foi uma suposta mensagem publicada por ele no Facebook, lamentando a morte do traficante Cachorrão e avisando que haveria “barulho no PPG” (tiros na comunidade do Pavão, pavãozinho e Galo) em retaliação. Depois foi uma foto falsa divulgada na rede na qual Douglas seria um dos rapazes que apareciam armados com fuzis.
Ao mesmo tempo, se publica que fontes da polícia dizem que a operação era para prender o traficante Pitbull, que participava de um churrasco no qual DG estaria presente.
Mas até que ponto qualquer dessas postagens é verdade?
Só acusações não bastam. É preciso provas. E verídicas.
Para tentar fugir de tanto disse-me-disse existe a imprensa que, por sinal, vem cobrindo bem o caso, mostrando, inclusive, as divergências de versões e das perícias. É ela e só ela que pode pressionar as autoridades a explicarem realmente o que houve.
Vejam o caso do fotógrafo da Reuters, Lucas Landau. Ele mora perto do local onde houve o conflito entre moradores e policiais. Ouviu o barulho, pegou a máquina e foi para a rua, correndo risco, mas em busca da informação. Fez fotos fortes do rapaz que foi baleado e acabou morrendo depois. Fato registrado, irrefutável.
Sem um jornalista para registrar com critério, para olhar para os dois lados, qualquer informação tende a ficar truncada, pendendo para um lado ou para o outro.
Será que só a mídia alternativa (ou popular com insiste em qualificá-la a direção do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro) daria conta de tudo?
Mas muita gente insiste em achar que jornalista dos grandes meios de comunicação são vilões. No velório de Douglas, não se sabe bem partida de quem, a ordem era não deixar a TV Globo entrar para gravar. Foi preciso a Regina Casé chegar para que os profissionais da emissora pudessem trabalhar. Logo a Rede Globo que está dando um enorme espaço para o caso, pelo fato do rapaz ser dançarino do programa Esquenta. E aí cabe a pergunta: será que se o DG fosse um outro rapaz qualquer da comunidade haveria tanta repercussão?
Verdades e calúnias
Na passeata em protesto contra a morte de Douglas, na orla de Copacabana a repórter Maria Inez Magalhães de O Dia foi empurrada pela mãe do rapaz ao tentar perguntar sobre as investigações. Em seguida foi hostilizada por manifestantes que diziam: “Você não é gente, você é lixo, você não é bem-vinda aqui. Tem que respeitar. Fora, fora, fora”.
O que parece é que para algumas pessoas a mídia só serve para falar o que elas querem ouvir.
E foi numa mídia tradicional que aconteceu a principal homenagem a Douglas. No programa Esquenta do domingo (27/4) estavam todos de branco. Artistas e apresentadores da emissora dando depoimentos sobre a violência, especialistas e estudiosos falando sobre o tema e a família de DG presente.
Foi o suficiente para acender o rastilho de mais um “combate” nas redes sociais. Alguns condenando o programa, dizendo que se tratava de uma exploração da morte em busca de audiência. Outros ressaltando a importância de levar a questão da mortandade de jovens para uma rede nacional de TV. Mas tudo num tom feroz, raivoso.
Não vou analisar o programa, até porque não o assisti por inteiro. No entanto, me parece que o tom emocionado de boa parte dos que ali estavam era mais do que justificado, já que vários conheciam Douglas pessoalmente. Porém, tanta emoção acabava por contrastar com as expressões dos integrantes da plateia, também de branco, que, como claque que eram, estavam mais preocupados em sorrir para a câmera, quando eram mostrados, do que compartilhar o clima de tristeza reinante.
Um ponto baixo: a inserção da cena de um curta metragem em que o personagem vivido por DG aparece levando uma “dura” da PM no morro. Cena que desencadeou uma vaia aos policiais e que, subliminarmente, serviu como peça de acusação. Desnecessário para um caso que ainda está sendo apurado.
E um ponto alto: a fala de um dos convidados. Ele dizia que a situação toda envolve pobres. Os policiais são pobres, os bandidos são pobres e o local é moradia de pobres. E morte de pobre não chama a atenção, pois há matéria-prima de sobra para vários casos como esses (não foram bem essas palavras, mas a ideia era essa).
Deixei para escrever este texto alguns dias depois do ocorrido para tentar ter uma visão mais ampla do caso, mas ainda falta muita coisa a ser esclarecida. E novos fatos ainda estão surgindo, como a ameaça de morte que a mãe de Douglas diz ter sofrido por um homem com uma pistola 360 (eu não saberia dar tantos detalhes sobre armamentos assim).
E enquanto tudo não se esclarece vamos continuar vendo a batalha de posts, com informações e contrainformações, com verdades e calúnias, tentando provar seus pontos de vista, tentando defender suas ideologias.
E quando acabar o Caso DG, seguiremos assim, com outros temas: PT, Dilma, Petrobras, Aécio, Privataria Tucana, CPIs, STJs e outras polêmicas mais.
Ou seja, em terra de informação livre, que tem conteúdo confiável é rei.
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Rafael Casé é jornalista