Quando foi escrito, em 1971, o livro As Veias Abertas da América Latina do escritor uruguaio Eduardo Galeano, logo se transformou em um clássico da esquerda latino-americana.
No livro, o escritor fez uma análise da história da América Latina sob o ponto de vista da exploração econômica e da dominação política, desde a colonização europeia até a contemporaneidade da época em que foi lançado. Isso em um período contextualizado pela Guerra Fria (1945-1991), e pelo início de um ciclo de regimes ditatoriais nos países latino-americanos.
A publicação de Galeano era tão identificada como sendo uma obra revolucionária e de esquerda, que foi banida na Argentina, Chile, Brasil e no Uruguai, durante as ditaduras militares nesses países. Galeano chegou a ser preso em solo uruguaio, e depois obrigado a se exilar, primeiramente na Argentina, e depois, na Espanha.
Mais de 40 anos depois, Galeano revelou que não leria novamente seu livro de maior sucesso. “Eu não seria capaz de ler de novo. Cairia desmaiado”, disse, durante a 2ª Bienal do Livro de Brasília, realizada entre 11 e 21 de abril na Capital Federal, como noticiaram os jornalistas que fizeram a cobertura do evento. “Para mim, essa prosa da esquerda tradicional é chatíssima. Meu físico não aguentaria. Seria internado no pronto-socorro”, disse o escritor, de 73 anos, durante uma coletiva de imprensa.
O episódio demonstra que Galeano assumiu um tom mais ponderado para analisar o maniqueísmo político de outrora. “Em todo o mundo, experiências de partidos políticos de esquerda no poder às vezes deram certo, às vezes não, mas muitas vezes foram demolidas como castigo por estarem certas, o que deu margem a golpes de Estado, ditaduras militares e períodos prolongados de terror, com sacrifícios e crimes horrorosos cometidos em nome da paz social e do progresso”, disse o escritor. “Em alguns períodos, é a esquerda que comete erros gravíssimos”, completou.
Generoso e cruel
O livro foi publicado quando Galeano tinha 31 anos e, segundo o próprio escritor, naquela época ele não tinha formação suficiente para realizar essa tarefa. “A Veias Abertas tentou ser um livro de economia política, só que eu não tinha a formação necessária”, disse. “Não estou arrependido de tê-lo escrito, mas foi uma etapa que, para mim, está superada”. Num momento em que esquerda e direita ganham matizes parecidas – no Brasil, os principais partidos, PT e PSDB, por exemplo, trafegam pela social democracia – a reflexão do escritor uruguaio chama a atenção.
Em 2009, durante a 5ª Cúpula das Américas, o ex-presidente da Venezuela Hugo Chávez deu uma cópia do livro de presente ao presidente dos Estados Unidos Barack Obama. Na época, o livro saiu da posição 54.295 da lista dos livros mais populares do site Amazon.com, para a segunda posição em apenas um dia.
O escritor foi questionado sobre esse episódio, no que respondeu que “Nem Obama e nem Chávez” entenderiam o livro. “Ele (Chávez) entregou a Obama com a melhor intenção do mundo, mas deu de presente a Obama um livro em uma língua que ele não conhece. Então, foi um gesto generoso, mas um pouco cruel”, disse.
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Marina Rossi, do El País