A repórter Maria Inez Magalhães, do jornal carioca O Dia, foi agredida; outros repórteres foram insultados quando cobriam a manifestação de parentes e amigos de Douglas Pereira, DG, o dançarino assassinado durante confronto entre policiais e traficantes na favela do Pavão-Pavãozinho, no Rio. Não houve nenhum diálogo anterior, nenhuma pergunta que os parentes do falecido pudessem eventualmente considerar inconveniente e os levasse a reagir com brutalidade. Maria Inez perguntou à mãe de DG se ela estava acompanhando as investigações. Resposta, aos berros: “Não quero falar sobre isso, sai daqui!” Em seguida, empurrou-a. Outros manifestantes cercaram Maria Inez Magalhães, gritando coisas como “Você não é gente, você é lixo. Fora, fora, fora!” Todo o grupo cantava palavras de ordem contra a imprensa em geral. Profissionais das redes Globo e Bandeirantes também foram insultados e ameaçados, aos gritos de “quebra a câmera” e “mete porrada nele”. Nada muito diferente, exceto o final (já que o lugar era público, exigia certa contenção), do que os traficantes devem ter feito com Tim Lopes antes de torturá-lo, assassiná-lo e incinerar seu corpo.
A agressividade contra jornalistas nas ruas é imbecil – dirige-se contra os mensageiros, não contra as más notícias – mas vem crescendo. Em certas manifestações ocorridas no ano passado, houve ataques a veículos de emissoras, ameaças a repórteres, tentativas de agressão. A coisa chegou a tal ponto que até o presidente do Supremo, ministro Joaquim Barbosa, esqueceu os bons modos e mandou um repórter, que lhe fizera uma pergunta absolutamente pertinente, “chafurdar no lixo”. E depois ainda tentou conseguir, no gabinete de outro ministro, que demitissem a esposa deste jornalista de quem, imagina-se, não gosta.
Essa agressividade contra a imprensa é estimulada por manadas orquestradas na Internet, que imaginam, ou fingem imaginar, que um veículo de comunicação é telecomandado linha por linha, sem que os profissionais tenham qualquer participação no noticiário; e que usam uma linguagem inaceitável, baixa, incompatível com qualquer pretensão política. Não há notícias erradas, ou com as quais não concordem: o que há é que os canalhas, safados, comprados, estão inventando notícias, ou distorcendo os fatos, para submeter o país a seus patrões. Quem dissemina as palavras de ordem sabe o que está fazendo; a manada simplesmente os segue, imaginando que a partir daí estará fazendo história.
O jornalista Altamir Tojal, experiente em jornalismo e política, analisa bem a escalada do ódio plantado aos jornalistas. “Essa hostilidade não é espontânea. Estão criando ambiente para mais violência, para constranger o exercício da profissão. Sem a livre presença de jornalistas, tudo fica mais fácil para bandidos, autoridades corruptas, policiais violentos e toda sorte de abusos e crimes do poder. O que estão querendo impor é a exclusividade da cobertura das manifestações por midiativistas partidarizados e veículos sob controle de interessados em afastar outros olhos e ouvidos”. Tojal também se refere à captura, tortura e assassínio de Tim Lopes, seguidos da incineração de seu corpo: “Os bandidos se sentiram à vontade para torturar e matar um jornalista”.
Esse tipo de apelo a ódio não pode terminar bem.
Vamos decidir?
O ex-presidente Lula disse, ao receber o título de Cidadão Honorário de Santo André, na região do ABC paulista, que a imprensa é responsável “pela criação de uma imagem negativa do Brasil” neste período, logo antes da Copa. E, quase corretamente, completou: “Não gostaria que os meios de comunicação falassem bem ou mal do governo, mas que falassem a verdade”.
Quase perfeito: Lula pede que se fale a verdade e é isso que os meios de comunicação devem procurar (lembrando, embora, que a verdade tem mais de uma face). Mas também é dever dos meios de comunicação analisar os atos do governo (por exemplo, cadê as seis mil creches prometidas? E os 600 aeroportos? E o trem-bala?), fazer as perguntas pertinentes e opinar sobre virtudes e falhas da gestão. Não basta apenas relatar: perguntar, analisar e opinar são obrigações da imprensa.
E há um aspecto que precisa ficar bem claro. Em parte das declarações de dirigentes petistas, a imprensa não tem a menor importância, ninguém acredita em “velha mídia” etc., etc. Em outra parte, a imprensa é responsável pela queda de popularidade da presidente Dilma Rousseff. Afinal de contas, os meios de comunicação, a “velha mídia”, a “imprensa burguesa” não têm importância ou têm importância decisiva na formação da opinião pública?
Adeus, amigo Konder
Era Rodolfo, em homenagem ao líder comunista argentino Rodolfo Ghioldi. O Konder herdou de seu pai, Valério Konder, líder comunista de grande prestígio. Poderia ter escolhido outra vida: seus primos, os Konder Bornhausen, sempre foram ricos e poderosos. Ele optou por ser comunista e intelectual, por viver de salário. E optou por deixar o comunismo publicamente, com um notável artigo explicando o motivo de sua mudança de posição.
Eu já conhecia Konder de nome. Fui conhecê-lo pessoalmente na revista Visão, recém-comprada por Henry Maksoud. Konder era culto, muito culto; gentil, cavalheiresco. E, embora tivéssemos poucos pontos de contato em política, mantivemos excelente relacionamento pessoal e profissional.
Durou pouco: menos de um ano depois que nos conhecemos, Konder foi preso (no mesmo episódio, em que foi torturado, seu amigo Vladimir Herzog foi morto). Konder e outro amigo por quem sempre tive muito apreço, George Duque Estrada, também vítima de tortura, foram liberados por algumas horas para comparecer ao enterro de Vlado, no Cemitério Israelita do Butantã. Foi um momento dramático: sabíamos, todos, que a vida de ambos estava em jogo.
Só que ficou claro que o acirramento da repressão visava um objetivo político, a deposição do presidente Ernesto Geisel. Geisel venceu a parada, Konder e Duque Estrada foram soltos. Konder relatou minuciosamente o que ocorria na prisão, incluindo tudo o que se referia a tortura; e teve que deixar o país. Saiu clandestinamente, com a ajuda financeira e da rede de contatos de Henry Maksoud. E foi viver na América do Norte – primeiro no Canadá, em Ottawa, depois nos Estados Unidos, em Nova York.
Voltou alguns anos depois, sempre militante. Foi presidente da Anistia Internacional, seção brasileira. E, quando o Partido Comunista Brasileiro decidiu apoiar a candidatura de Paulo Maluf à Prefeitura paulistana, Konder o representou como secretário da Cultura. Foi uma revelação como executivo: durante oito anos, nas gestões de Maluf e Celso Pitta, dinamizou a Secretaria da Cultura, promovendo milhares de eventos gratuitos, de primeira linha, para toda a população. Conseguiu patrocínios, atraiu grandes orquestras e artistas de prestígio, e – tendo servido a dois prefeitos dos mais controvertidos – completou oito anos no cargo sem qualquer acusação, sem qualquer denúncia, sem qualquer suspeita.
Mais tarde, num esplêndido artigo publicado em Playboy, Konder informou oficialmente que deixara o comunismo. Foi uma decisão dura: seu irmão, Leandro, é um dos grandes especialistas brasileiros em marxismo. Seu pai, Valério, dizia aos filhos: “Quando tiverem dúvidas, olhem para o Kremlin”. Ele mesmo era militante há dezenas de anos. Mas, quando deixou de acreditar, mudou.
Grande figura, este Konder que acabamos de perder. Esperemos que seu materialismo esteja equivocado; e que ele, ao pedir licença para entrar no Paraíso, receba a resposta, como a Irene de Manuel Bandeira, de que não precisa pedir licença.
Boa, Lúcio Flávio!
Lúcio Flávio Pinto, dono, editor, financiador e distribuidor do Jornal Pessoal, de Belém do Pará (www.lucioflaviopinto.com.br), é o único brasileiro na lista dos Heróis da Liberdade da Informação da organização francesa Repórteres sem Fronteiras. Segundo Christophe Deloire, da RSF, “os heróis da informação representam uma fonte de inspiração para todos os que aspiram à liberdade; por vocação, põem diariamente em risco sua segurança e, eventualmente, sua vida”.
Lúcio Flávio Pinto, Herói da Informação, enfrenta o desafio de concorrer com jornais consolidados do Pará. Há 27 anos escreve sozinho e sem patrocínio o seu jornal. Denuncia corrupção, desmatamento ilegal, violação dos direitos humanos – tudo aquilo que, na imortal definição de George Orwell, é notícia, ou seja, aquilo que não querem que seja publicado. Todo o restante é publicidade.
Faltou seguir
O responsável pelo furo é o repórter André Shalders, do Correio Braziliense: acompanhou discretamente um grupo de pessoas que aplaudia com incrível entusiasmo os deputados federais que defendiam o aumento do tempo de trabalho dos caminhoneiros. E flagrou o momento em que recebiam o pagamento pelos aplausos. O grupo, diz Shalders, foi ao gabinete do deputado Nelson Marquezelli, do PTB paulista, presidente da comissão especial que analisou o projeto. Os funcionários do gabinete orientaram a claque a procurar, no décimo andar do Anexo 4, os funcionários da Câmara, identificados com crachá e tudo, que atenderiam a todos. Os maços de notas de R$ 20 e R$ 50 trocavam de mãos quando alguém percebeu a filmagem. Os repórteres foram hostilizados pelos funcionários. O pessoal do aplauso se dirigiu então ao estacionamento e lá se completou a operação. O deputado Nelson Marquezelli disse que não sabia de nada e concordou com o repórter: era preciso denunciar aquilo. O repórter, claro, seguiu a sugestão.
Pelo projeto, o tempo contínuo permitido de trabalho dos motoristas de caminhão passa de quatro para cinco horas e meia, quando há descanso de trinta minutos. A jornada passa a ser de doze horas e o tempo de sono obrigatório cai de nove para oito horas por dia. O projeto será encaminhado agora ao Senado.
A julgar pela disposição dos patrocinadores, não faltarão aplausos ao projeto.
Por que o silêncio?
A presidente da Petrobras, Graça Foster, foi reeleita pelo Conselho de Administração da companhia. Tudo bem, sem problemas: é legal, aconteceu de forma regular, a decisão é do acionista majoritário, o governo federal. O curioso é que, ao contrário do que acontece normalmente, a Petrobras não anunciou a reeleição pela imprensa. Não foi uma decisão secreta, mas divulgá-la apenas pela ata da reunião do Conselho de Administração é inusual.
OK, Graça está com problemas, a Petrobras está com problemas, entende-se. Mas por que a imprensa, que não está com problemas, deixou de divulgar a notícia?
Merrecaria
Será a cela de José Dirceu mais ampla que a dos demais presos da Penitenciária da Papuda? Dizem que tem três metros quadrados a mais. Dizem também que é mais bem arejada e iluminada e tem chuveiro com água quente. Agora, falando sério: e daí? Daí que o culpado é condenado a perder a liberdade por um determinado período. A pena não estabelece que tenha de tomar banho frio ou viver num lugar infecto, sem ar e mal iluminado.
O julgamento dos mensaleiros foi um fato importantíssimo: pela primeira vez, criminosos bem situados foram condenados e enviados para a cadeia. Se esquentam a comida no micro-ondas, se têm jeito de obter sanduíches do McDonald’s, se conseguem tomar Tang nas refeições, isso não muda nada: o importante – o julgamento, a condenação e a prisão – já aconteceu. E ficar com picuinhas só contribui para mantê-los em evidência. É claro que não podem usar subterfúgios pelos quais usem as celas como escritórios (mas não é isso que criminosos de alta periculosidade, como os chefões do PCC, fazem nas tais “prisões de segurança máxima”?).
A briga deve ser outra: para que todos os presos, famosos ou não, políticos ou não, tenham a possibilidade de tomar banho quente, por exemplo (e as cadeias têm espaço suficiente para implantar bons sistemas de aquecimento solar). E para que todas as celas sejam arejadas e convenientemente iluminadas. E para que os presos acostumados a comer coisas com gosto de isopor tenham acesso, na cantina da prisão, a esses sanduíches terríveis que deveriam até fazer parte da pena.
Não mudemos o foco da discussão: foram condenados na forma da lei, seus crimes foram comprovados, e exigir o cumprimento de bobagenzinhas burocráticas só serve para criar controvérsias onde controvérsias não devem existir.
E preocupemo-nos com o pessoal do PCC. Até quando eles ficarão reunidos, numa boa, sob a proteção do Estado, alimentados e vestidos por dinheiro público, usando suas celas e celulares como postos de comando do crime organizado?
A guerra dos números
Um dia, quem sabe, jornalistas e números vão se entender melhor. Por enquanto, não é bem assim. Um grande jornal informa: “O total (…) era de 49.179.214 pessoas (…) Sem contar os dependentes, que, se dois por pessoa, dobrariam esses números”.
Pois é: temos um número de pessoas. Se cada uma trouxer mais duas, o número não vai duplicar. Vai triplicar.
Como…
De um grande jornal, que em outras épocas lutava bravamente contra erros e hoje discorda veementemente de qualquer tipo de concordância:
** “Pregão das 38 veículos nacionais e importadas será encerrado no dia 13 (…)”
…é…
De uma revista especializada em comunicação, ironizando falhas da imprensa:
** “A gente erramos”
Só que “a gente erramos”, embora não seja habitual na linguagem escrita, é uma frase correta. Quando o sujeito (no caso, “gente”) está no singular, mas passa a ideia de plural, o predicado (no caso, “erramos”) pode vir no plural. Um exemplo clássico, de Machado de Assis: “Esta gente já terá vindo? (…) Saíram há um bom pedaço.” A figura de linguagem nessa concordância ideológica se chama “silepse”. No caso, “silepse de número”.
…mesmo?
De um texto oficial, de governo:
** “Inscrições para 220 vagas de aluno-oficial da PM enceram hoje”
O erro de digitação, que transformou encerram em enceram, é engraçado. Mas há outro erro: as inscrições não encerram, as inscrições “se encerram”. Será que no governo ninguém revê o texto?
Frases
>> Do deputado Beto Albuquerque, líder do PSB na Câmara, sobre as explicações oficiais a respeito da Refinaria de Pasadena: “São tantas as contradições entre versões de Dilma, Graça Foster, Sergio Gabrielli e Nestor Cerveró que é melhor perguntar no Posto Ipiranga.”
>> Do executivo Uatá Lima, citando o economista Murray Rothbard: “Sempre que surgir um grande empresário abraçando com entusiasmo e júbilo a parceria entre governo e empresas, é bom ficar de olho em sua carteira. Você estará prestes a ser espoliado.”
>> Do candidato Lula, na campanha presidencial de 2002: “Corrupto no meu palanque não sobe. Corrupto no meu governo não entra.”
>> Do tuiteiro Hugo a-go-go, sobre as comemorações do 1º de Maio:“Segundo a PM havia 3 mil pessoas, segundo a CUT 80 mil, segundo o IPEA 700 milhões.”
E eu com isso?
Neste mundo mágico de fantasia, a imaginação não é o forte. Comecemos com três títulos da mesma página, do mesmo dia, de um portal noticioso:
** “Katy Perry aparece irreconhecível em teaser do videoclipe de ‘Birthday’”
** “De cabelos curtos, Vanessa Hudgens está irreconhecível em novo filme”
** “Renée Zellweger aparece irreconhecível e com olhos maiores”
E agora, voltemos ao mágico mundo em que informação importante é aquela que não incomoda ninguém:
** “Taís Araújo diz que detesta quando Lázaro usa regata”
** “Shailene Woodley chora ao cortar o cabelo”
** “Arnold Schwarzenegger almoçou no Rio e não deu gorjeta aos garçons”
** “No Brasil, Avril Lavigne curte festa em São Paulo”
** “Isabelle Drummond troca beijos com o namorado”
** “Rodrigo Faro aproveita férias com a família na Disney”
** “Paula Fernandes curte passeio de lancha”
O grande título
Há uma boa variedade de títulos interessantes. Por exemplo:
** “Região de Assis vacina quase 19 mil doses de vacina contra gripe”
As vacinas vacinadas, fique tranquilo, já estão devidamente imunizadas
Ou, na área frufru,
** “Sabrina Sato mostra que calcinha bege pode ser sexy”
Roxa também. Azul-bebê também. E se não houver calcinha, também.
Ou na área em que é preciso ler mais de uma vez para entender:
** “Falsas lendas fazem sushi coisa de homem no Japão”
Claro que, se as lendas não fossem falsas, seriam fatos. E o título continuaria difícil de entender.
E há um título imbatível:
“PM apreende no Paraná Ferrari que pertenceu a Fernando Collor”
Terá sido apreendida, a Ferrari, por não saber escolher seu antigo dono?
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Carlos Brickmann é jornalista