Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mais jornalismo impresso no ensino do jornalismo

O ensino universitário do jornalismo no seu dia a dia nos surpreende nas situações mais óbvias e básicas possíveis. Vão desde a dificuldade das estudantes e dos estudantes em manusear um jornal impresso, passando pela incompreensão inicial quanto à lógica de composição do material, até a percepção de como um veículo diário pode furar um online.

Porém essas situações são óbvias e básicas para uma parcela de nós, professoras e professores, que cresceu academicamente tendo o jornalismo impresso como raiz de tudo na profissão. Isso não é uma forma totalizante de enxergar as coisas em nossa área de atuação, mas uma constatação, pois que as estruturas de funcionamento logístico e os modos de pensar e hierarquizar as informações na área partiram do jornal de papel.

Ter consciência disso não impede reconhecer a importância de um ambiente educacional que valorize as potencialidades multimidiáticas e os casamentos possíveis entre elas, conforme apontam as novas diretrizes curriculares para os cursos de Comunicação e Jornalismo, com homologação em setembro de 2013, pelo Ministério da Educação. Por isso é preciso garantir uma interpretação aprofundada acerca do assunto, expresso explicitamente na letra f, artigo 4º do citado documento. O trecho indica a necessidade de que os projetos pedagógicos tenham como “horizonte profissional o ambiente regido pela convergência tecnológica, em que o jornalismo impresso, embora conserve a sua importância no conjunto midiático, não seja a espinha dorsal do espaço de trabalho, nem dite as referências da profissão” (Ministério da Educação, 2013, p. 9).

Formação humanística e normas técnicas

Trata-se de uma questão que pode ser respondida com uma postura insossa – nem tanto ao céu, nem tanto à terra –, porque o correto é estar mais próximo da terra que do céu, posto que jornalismo significa, na sua essência, trabalhar com os pés fincados na realidade, com vistas ao compromisso social e ao interesse público. Compreendendo, enxergando, sentindo e agindo a partir dessa conceituação é possível fazer até mesmo viagens intergalácticas sem ceder ao deslumbramento inocente, que move boa parte da população ávida por uma vivência internética.

Afinal, o fazer jornalístico, de acordo com Nilson Lage (2005, em Teoria e técnica do texto jornalístico), corresponde a uma narrativa vinculada à realidade e pautada pelo interesse público. Existe para informar a sociedade de modo a fornecer-lhe elementos para o exercício do senso crítico (Bill Kovach e Tom Ronsenstiel, 2005, em Os elementos do jornalismo – o que os profissionais de jornalismo devem saber e o público deve exigir).

Profissão instituída, o jornalismo funda-se em preceitos éticos regulados por código deontológico, formação humanística e normas técnicas (Alberto Dines, 2009, em O papel do jornal e a profissão do jornalista; Luís Costa Pereira Júnior, 2009, em A apuração da notícia: métodos de investigação na imprensa).

Em suma…

Isso significa fundamentar o ensino universitário entendendo que a convergência tecnológica não precede o jornalismo nem deve colocá-lo a seu serviço, mas ao contrário. Quer dizer: as potencialidades tamanhas viabilizadas pela plataforma internet e seus mecanismos afiliados devem servir ao fazer jornalístico, sobretudo ao de concepção social, em confronto com o de viés extremamente mercadológico.

Enxergar o jornalismo como essência, linha condutora e promotor de debates e utopias não significa submeter a convergência tecnológica ao utilitarismo, contudo encontrar um ponto de equilíbrio para que ela contribua com um constante processo de configuração profissional.

Nesse sentido, é inegável engajar-se em uma formulação pedagógica que incorpore um pensamento mais complexo na concepção, apuração, montagem e disponibilização dos materiais para interconexão com o público. Entretanto, o sinal positivo só pode ser dado se isso assegurar o respeito às bases filosóficas, humanitárias e técnicas do jornalismo, em construção há séculos.

“Internet aceita tudo”

Garantir uma linha-mestra coerente com esse entendimento compreende, por exemplo, retomar ou manter algumas práticas pedagógicas muito comuns em inúmeras faculdades de Jornalismo até alguns anos atrás. Entre elas, usar o jornal em sala de aula. Que seja como meio de informação, análise de acontecimentos e exposição de opiniões. Que seja enquanto método de organização espacial e social da realidade a partir do funil de uma linha editorial. Que seja como maneira de promover autocrítica para reformular o impresso diário. Ou tudo junto e misturado.

Não significa somente usar o veículo-jornal e nem mesmo priorizá-lo em relação à internet, mas ampliar a sua utilização, fazendo uma espécie de massificação no meio acadêmico, de modo que o impresso tenha tantas “visualizações e curtidas” no universo universitário quanto a plataforma internet e os suportes áudio e audiovisual. Isso é um absurdo? Então me diga: por quê?

Valendo-se mais do velho impresso diário poderemos desenvolver mil e uma atividades criativas, como estimular o senso “do que presta e do que não presta” para entrar num meio jornalístico, seja ele jornal, revista, TV, rádio, blog, site, rede virtual social… Porque, numa marota reconfiguração de um ditado popular, “Internet aceita tudo”, vez que o ambiente digital tem espaço para infindáveis links e trabalha com uma postagem
epostagem contínua.

Drops, fotos e vídeos descontextualizados

Longe de dizer que a natureza da tecnologia virtual seja a responsável pela perda de qualidade nos padrões gerais de edição. O que ocorre, na verdade, é uma dificuldade tremenda em atuar sobre e numa ambiência que goza de um status ultralibertário e sem limites. Some-se a isso o modelo jornalístico prevalente de trabalho na internet, que se pauta pela velocidade de publicação, pela absorção de tudo o que for possível via bancos de dados virtuais, pela autopromoção a partir da disponibilização de links e pela falsa interatividade com aqueles que acessam e compartilham os conteúdos difundidos, tidos precipuamente como audiência e nada mais (Sylvia Moretzsohn, 2000, na dissertação “Velocidade como fetiche – o discurso jornalístico na era do real”).

Já no jornalismo impresso diário, muito por sua natureza, trabalha-se com um ciclo bem delimitado – 24 horas (tirando os cadernossuplementos
eportagens de fim de semana e assemelhados) –, com um número x de páginas, divididas em editoriais (a partir de uma linha editorial bem mais definida), que não tem espaço para “prolongamentos textuais infinitos” e nem mesmo formação de galerias de fotografias, a não ser que se trate de um assunto com grande destaque. Quer dizer, na escassez, ou na fartura limitada de espaço empo, a equipe de profissionais tem que vislumbrar mecanismos mais evidentes para garantir a qualidade do produto jornalístico e “jogar fora o que não presta” ou, dando mais uma chance, melhorar aquilo que foi reprovado inicialmente.

Não que o jornalismo impresso de outrora ou o exercido nos dias de hoje não precise ser repensado. Longe disso! Como ensinam inúmeros jornalistas-estudiosos do jornalismo – entre eles Manuel Chaparro (2007, em Pragmática do jornalismo – buscas práticas para uma teoria da ação jornalística) e Ricardo Noblat (2008, em A arte de fazer um jornal diário) –, é preciso dar ao jornal impresso diário maior capacidade analítica, coragem de investir em pautas próprias, criatividade para subverter regras de redação e exposição do material.

Agora, não se pode chamar de jornalismo contemporâneo uma produção que se oriente prioritariamente de drops informativos, fartura de fotografias e vídeos descontextualizados, quando não desimportantes. É se contentar com muito pouco e deseducar aquelas e aqueles que estudam jornalismo.

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Gibran Luis Lachowski é jornalista e professor de Comunicação