Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quando a piada se torna ofensa pessoal

Cada vez mais, as apresentações do tipo stand-up comedy ganham espaço nas mídias televisivas e virtuais. Muitos chistes (estado psíquico de alegria) são arrancados dos telespectadores, seguidores com todo o tipo de pilhéria. Entretanto, o sarcasmo e a ironia bem construídos – muitas vezes – cedem lugar a um tipo de piada que se torna ofensa pessoal. Por que razão milhares de pessoas aplaudem este tipo de ofensa?

O termo stand-up, que significa “em pé” numa tradução literal, tem sido usado para conceituar apresentações em que não há artifícios e nem a composição de uma personagem, isto é, de “cara limpa”. O sujeito sobe num palco ou liga sua câmera na web e começa a falar sobre coisas do cotidiano, política, economia e não há nada de errado nisso! Algumas piadas ou relatos, pois – quando bem elaborados –, estimulam muito o senso crítico. Ocorre, todavia, que as ofensas pessoais têm sido cada vez mais comuns, até mesmo ofensas intrauterinas, revelando uma pobreza intelectual ovacionada por milhares de pessoas. Ser muito alto, baixo, gordo, magro ou estrábico se tornou o pior dos pecados. O que há de edificante em chamar um(a) governante de feio(a), careca, narigudo(a), dentuço(a), por exemplo? Exceto o espelho pessoal de cada um, quem tem autorização para fazê-lo?

Neste sentido, é preciso entender que há uma imensurável diferença entre fazer piada sobre ações governamentais e fazê-la sobre o indivíduo. O incrível é que tem gente ganhando muito dinheiro para fazer graça do tipo que era feita no jardim de infância. Lembro-me que, na época, eu tinha uma colega que tinha os dentes escurecidos por causa do uso de antibióticos e todos os alunos do jardim a chamavam de “Dente Podre”. Quando contei este fato para minha mãe ela me perguntou: “Por que tu também chama ela assim?” Respondi: “Porque todo mundo chama!” Então minha mãe disse: “Tu não é todo mundo! Deve tratá-la com gentileza. E se fosse o contrário, gostaria que debochassem de ti?”

Já no próprio jardim de infância eu superara este tipo de comportamento, pois aprendera o significado prático da palavra empatia. Os aplausos da grande massa, porém, continuam a outorgar justamente este tipo infantil de comportamento. Uns, em pânico, vão dizer que agora é tarde; outros, que ainda dá tempo de o respeito e a tolerância serem ovacionados pela maioria (ovacionar não é tocar ovo, tá). Quiçá este stand-up tragedy com rótulo de comedy ceda espaço para um tipo de humor que não tenha como propósito único o ataque às peculiaridades estéticas individuais. Custe o que custar!

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Hermison Frazzon da Cunha é filósofo, São Leopoldo, RS