Custará R$ 8,9 bilhões, sem contar o aumento do salário mínimo, o pacote anunciado pela presidente Dilma Rousseff na véspera do Dia do Trabalho – alta de 10% para a Bolsa Família e correção de 4,5% para a tabela do salário mínimo. O assunto foi destaque dos grandes jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro na sexta-feira (2/5). Que as novas medidas afetariam o Tesouro qualquer um podia saber, desde o pronunciamento da presidente na quarta-feira (30/4) à noite. Estranhamente, editores e repórteres parecem ter percebido essa obviedade só no dia seguinte.
Mesmo sem boas estimativas do custo, os jornais poderiam ter publicado alguma referência ao impacto fiscal já na edição da quinta-feira. Com isso, poderiam dar uma satisfação ao leitor – como diria Stanislaw Ponte Preta – pouquinha coisa mais atento. Mas esse complemento seria oportuno também por outra razão, talvez mais importante. Menos de 12 horas antes da fala presidencial, o Tesouro e o Banco Central (BC) haviam divulgado relatórios sobre as contas públicas de março.
Os dois informes apontaram resultados muito abaixo daqueles programados e reforçaram dúvidas quanto ao balanço fiscal do ano. O governo fixou para 2014 um superávit primário – dinheiro destinado ao serviço da dívida pública – equivalente a 1,9% do produto interno bruto (PIB). O governo central deve produzir a maior parte desse resultado. Mas de janeiro a março o resultado do governo central – Tesouro, Previdência e Banco Central – correspondeu a apenas 44% do para os primeiros quatro meses.
Em outras palavras, o superávit estabelecido para o período só terá sido alcançado se o governo tiver conseguido em apenas 30 dias o superávit previsto para um quadrimestre. Essa façanha só será confirmada, ou desmentida, no fim de maio, quando saírem os próximos informes sobre as contas públicas. Detalhe interessante e pouco ressaltado na cobertura: no primeiro trimestre, o resultado fiscal dos Estados e municípios foi ligeiramente superior ao contabilizado pelo governo central. Nesse período, pelo menos, o desempenho dos governos central e regionais foi o inverso do previsto pelo pessoal do Ministério da Fazenda.
Assunto quente
Os jornais foram também parcimoniosos na exploração de outro detalhe. Mais de metade (51%) dos R$ 13,05 bilhões contabilizados como superávit primário do governo central, no primeiro trimestre, foi obtida graças a receitas não recorrentes: R$ 5,89 bilhões de dividendos e R$ 765,3 milhões de bônus de concessões. Os dividendos foram 667,69% maiores que os dos primeiros três meses de 2013.
Bastaria esse aumento para chamar a atenção de qualquer leitor das tabelas, ou, para lembrar de novo Stanislaw Ponte Preta, de qualquer leitor pouquinha coisa mais atento. Por que raios, perguntaria essa curiosa criatura, esses dividendos aumentaram tanto de um ano para outro? Sem a contribuição de valores não recorrentes, o resultado só de março, R$ 3,17 bilhões, teria sido praticamente nulo. Nesse mês, só os dividendos chegaram a R$ 2,99 bilhões.
Diante desse quadro, o tal leitor atento perguntaria, depois do anúncio do novo pacote presidencial: como esses benefícios serão acomodados nas contas do Tesouro? Os números conhecidos até agora e as perspectivas de baixo crescimento econômico prenunciam resultados fiscais muito fracos neste ano. Sem o recurso a receitas extraordinárias, a meta fiscal fixada pelo governo dificilmente será alcançada.
O cenário de 2015, quando ocorrerá boa parte das medidas recém-anunciadas, também é pouco promissor. O governo projeta um crescimento econômico de 3% – acima das estimativas do mercado e das instituições internacionais – e propõe para todo o setor público um superávit primário, na melhor hipótese, equivalente a 2,5% do PIB.
Esses números aparecem no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias, recentemente enviado ao Congresso. Mas o projeto já inclui a possibilidade de redução da meta fiscal para 2%, com o desconto de investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Não há, portanto, um compromisso firme em relação à meta maior. No próximo ano as contas públicas serão afetadas tanto pelas medidas já anunciadas pela presidente Dilma Rousseff quanto pelo aumento do salário mínimo. A acomodação dos gastos adicionais e do ajuste na tabela do Imposto de Renda vai depender ou de receitas adicionais, ou de cortes de gastos, ou de uma combinação desses dois fatores. O assunto já é quente e se tornará incontornável nos próximos meses.
******
Rolf Kuntz é jornalista