Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O velho jornal diário e o tempo

O jornalismo, sobretudo o impresso, vive uma fase de transformações e está em um período de transição. Como em fases anteriores, o surgimento de novas tecnologias é a causa das mudanças. Bem ou mal, com uma demonstração de “resiliência”, o jornal diário sobreviveu às criações do cinema, do rádio e da televisão. No entanto, o poder revolucionário da internet, o mais recente meio de comunicação, parece que trouxe ameaças nunca antes vistas à existência dos jornais impressos.

Não são poucos os autores que, na atualidade, preveem o fim dos diários de papel. Há também aqueles que sustentam, com base na história da comunicação, que a criação de um novo meio não significa a morte dos antigos suportes. Neste período de transição, ainda existem os que defendem que a informação é a essência (ou o negócio) do jornalismo e que, seja qual for a plataforma de veiculação, sempre haverá quem procure se informar.

Nesse contexto de mudanças, não se pode negar os benefícios que a internet possibilitou, como: a interatividade, seja entre as próprias pessoas, entre governo e cidadão, entre empresas e consumidores etc.; a rapidez na troca de mensagens, alavancada pelas redes sociais; um relativo baixo custo de uso; a concentração, em uma só plataforma, de textos, fotos, áudios e vídeos (a convergência de mídias); a atualização contínua (a instantaneidade); entre outros. Além disso, a internet permitiu que o usuário se tornasse um gerador de conteúdo e, de certa forma, um concorrente da mídia tradicional.

Falta de tempo

De volta ao jornalismo impresso, observa-se que os diários e revistas “perdem” dos outros meios, como rádio, televisão e internet, no quesito “velocidade”. Na Física, a velocidade é resultado da razão entre a distância e o tempo. De todos os veículos, o jornal de papel é o que mais demora para fazer o trajeto entre o emissor e o receptor. Além de tempo, há um alto custo de logística na distribuição dos exemplares, que está sujeita a obstáculos, como um trânsito caótico, diferentemente das vias quase livres das ondas eletromagnéticas.

A variável “tempo”, no caso do jornalismo, é de extrema importância para a informação factual. Como expressa Ciro Marcondes Filho, em O Capital da Notícia (Jornalismo como produção social da segunda natureza), “a mercadoria notícia é uma das mais rapidamente perecíveis. Aceleradamente cai seu valor de uso”. Da mesma forma em que interfere na produção e na distribuição dos jornais impressos, o tempo (ou a falta dele) pode também ser responsável pelo declínio dos diários de papel, no que diz respeito ao consumo do produto jornal.

No mundo atual, com o crescente surgimento de tecnologias que permitem ao ser humano aumentar a própria capacidade produtiva, expandem-se as atividades, criam-se novos hábitos e tarefas, ocupam-se mais as horas do dia e, por consequência, falta tempo para acompanhar os veículos de comunicação. Sem contar o tempo “perdido” nos congestionamentos das grandes cidades. O psiquiatra Augusto Cury chega a falar em uma “síndrome do pensamento acelerado”, considerada pelo autor como “o novo mal do século”, tamanha a circulação de informações, sem que as pessoas consigam processá-las.

Desse jeito, com agendas lotadas, as pessoas preferem os meios que mais atendem às necessidades do mundo contemporâneo, em que a velocidade é valor primordial. Com a falta de tempo, os indivíduos escolhem os veículos que dão a informação de forma mais rápida ou mais cômoda, talvez, como o rádio e a TV, que possibilitam um uso mais “passivo”. Nos tempos atuais, raras são as pessoas que possuem “tempo” para ler um jornal de segunda a sexta pela manhã ou mesmo nos finais de semana. É provável que existam pessoas que até gostem desse hábito, outrora mais presente na sociedade, mas que, no entanto, não dispõem do tempo necessário para praticá-lo.

Conteúdos e abordagens

No caso dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, outras duas hipóteses, além de a falta de tempo, podem explicar o declínio dos jornais impressos: a falta de incentivo à leitura e o preço dos diários. O Brasil é exemplo de uma nação em que a qualidade da educação deixa a desejar e em que várias gerações sequer frequentaram os bancos escolares ou concluíram o ensino médio. Como consequência do déficit na área educacional, os níveis de leitura no país são baixos. Destaque-se ainda que o ato de ler exige um comportamento ativo do indivíduo, ao contrário dos atos de ouvir rádio ou assistir à televisão, nos quais basta sintonizar os aparelhos e receber a informação, logo, o jornal parte com desvantagem na corrida contra os outros meios.

Não se pode negar também que a assinatura de um jornal, ou mesmo a compra de exemplares avulsos, pode trazer impactos na renda de famílias das classes menos favorecidas. Essas mesmas pessoas podem receber informação pela TV e pelo rádio sem precisar pagar por isso, desde que tenham os respectivos aparelhos para recepção. Os jornais gratuitos, em parte, resolvem esse problema. É bem verdade, poderia-se argumentar que o indivíduo com poucos recursos teria a possibilidade de usar o dinheiro da compra do aparelho de rádio ou TV para adquirir jornais. Contudo, nessa situação, a influência das outras duas hipóteses para o declínio dos diários de papel têm importância: a falta do hábito de leitura ou a falta de tempo (praticamente, presente em todas as classes).

A julgar pelas circunstâncias atuais, o jornal tradicional, diário e factual, tende a perder espaço no cenário dos meios de comunicação. Mesmo assim, o jornalismo impresso ainda deve permanecer por alguns anos, pois ainda há pessoas que preferem ler no papel e porque a internet não está totalmente universalizada.

A sobrevivência dos jornais impressos pode ser ainda mais estendida se os diários conseguirem oferecer conteúdos e abordagens que os outros meios não oferecem. A prática mostra, no entanto, que para a maior parte das empresas jornalísticas prevalece o lucro em curto prazo em detrimento de um produto mais sofisticado, com valor agregado, que poderia fidelizar o leitor.

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Francisco Dantas é jornalista